Metafísica da Moda Feminina


Tudo o que te rodeia e te serve
Aumenta a fascinação e o enigma.
Teu véu se interpõe entre ti e meu corpo,
É a grade do meu cárcere.
Tuas luas macias ao tato
Fazem crescer a nostalgia das mãos
Que não receberam meu anel no altar.
Tua maquilagem
É uma desforra sobre a natureza.
Tuas jóias e teus perfumes
São necessários a ti e à origem do mundo
Como o pão ao faminto.
Eu me enrolo nas tuas peles nos teus boás
Rasgo teu peitilho de seda
Para beijar teus seios brancos
Que alimentam os poemas
Entreabro a túnica fosforescente
Para me abrigar no teu ventre glorioso
Que ampliou o mundo ao lhe dar um homem a mais.
Teus vestidos obedecem a um plano inspirado
Correspondem-se com o céu com o mar as estrelas
Com teus pensamentos teus desejos tuas sensações.

A natureza inteira
É retalhada para ornar teu corpo
Os homens derrubam florestas
Descem até o fundo das minas e dos mares
Movem máquinas teares
Soltam aviões pelos ares
Lutam pela posse da terra matam e roubam pelo teu corpo.
O mundo sai de ti, vem desembocar em ti
E te contempla espantado e apaixonado,
Arco-íris terrestre,
Fonte da nossa angústia e da nossa alegria.

Tudo o que faz parte de ti — desde teus sapatos —
Está unido ao pecado e ao prazer,
À teologia, ao sobrenatural.


Murilo Mendes

Antologia Poética: Murilo Mendes. Organização, estabelecimento de textos e posfácios: Júlio Castañon Guimarães, e Murilo Marcondes de Moura, São Paulo: Cosac Naify, 2014. A Poesia em Pânico, p. 73-74.

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