Soneto














Tão honesta e gentil, até na fala,
é minha amada, quando a alguém saúda,
que toda e qualquer língua fica muda,
e os olhos não se atrevem a contemplar.

Ela assim vai, sentindo-se louvar,
vestida de humildade: de tão linda
lembra um milagre e até parece vinda
do céu para na terra se mostrar.

Tão afável se mostra a quem a mira
que olhá-la ao coração leva doçura,
mas não pode entendê-lo quem não prova:

e talvez porque em seus lábios se mova
um espírito tão cheio de candura
que vai dizendo ao coração: “Suspira”.



Tanto gentile e tanto onesta pare
la donna mia, quand’ella altrui saluta,
ch’ogne lingua devèn, tremando, muta,
e li occhi no l’ardiscon di guardare.

Ella si va, sentendosi laudare,
benignamente d’umiltà vestuta,
e par che sia una cosa venuta
da cielo in terra a miracol mostrare.

Mostrasisì piacente a chi la mira
chedà per li occhi una dolcezza al core,
che ‘ntender no la può chi no la prova;

e par che de la sua labbia si mova
un spirito soave pien d’amore,
che va dicendo a l’anima: Sospira.

Dante Alighieri - trad. Ferreira Gullar. [2014] em: O prazer do poema, Edições de Janeiro, 2014, p. 82.

Trabalhar cansa





















Atravessar uma rua para fugir de casa
Só um menino faz isso, mas este homem que anda
O dia inteiro pelas ruas não é mais um menino
E não está fugindo de casa.

Há tardes no verão em que até as praças estão vazias, oferecidas
Ao sol que está se pondo, e este homem que avança
Por uma avenida de árvores inúteis, se detém.
Vale a pena estar só, para sempre ficar mais só?
Por mais que se ande de um lado para outro, as praças e as ruas
Estão vazias. É preciso parar uma mulher
E lhe falar e convencê-la a viver juntos.
De outra forma, a gente começa a falar sozinho.
É por isso que às vezes
Surge um bêbado noturno que te aborda com discursos
E te conta os projetos de uma vida inteira.

Não é certamente esperando na praça deserta
Que se encontra alguém, mas quem anda pelas ruas
Se detém de vez em quando. Se fossem dois,
Mesmo andando pelas ruas, o lar estaria
Onde estivesse aquela mulher e valeria a pena.
De noite a praça volta a ser deserta
E este homem que passa não vê as casas
Entre as luzes inúteis, já não levanta mais os olhos:
Ele sente apenas o pavimento que fizeram outros homens
Com mãos calejadas como as suas.
Não é justo ficar na praça deserta.
Haverá certamente aquela mulher na rua
Que, se lhe fosse pedido, gostaria de dar uma mão na casa.



Lavorare stanca

Traversare una strada per scappare di casa
Lo fa solo un ragazzo, ma quest'uomo che gira
Tutto il giorno le strade, non è più un ragazzo
E non scappa di casa.

Ci sono d'estate
Pomeriggi che fino le piazze son vuote, distese
Sotto il sole che sta per calare, e quest'uomo, che giunge
Per un viale d'inutili piante, si ferma.
Val la pena esser solo, per essere sempre più solo?
Solamente girarle, le piazze e le strade
Sono vuote. Bisogna fennare una donna
E parlarle e deciderla a vivere insieme.
Altrimenti, uno parla da solo. È per questo che a volte
C'è lo sbronzo notturno che attacca discorsi
E racconta i progetti di tutta la vita.

Non è certo attendendo nella piazza deserta
Che s'incontra qualcuno, ma chi gira le strad
Si sofferma ogni tanto. Se fossero in due,
Anche andando per strada, la casa sarebbe
Dove c'è quella donna e varrebbe la pena.
Nella notte la piazza ritorna deserta
E quest'uomo, che passa, non vede le case
Tra le inutili luci, non leva più gli occhi
Sente solo il selciato, che han fatto altri uomini
Dalle mani indurite, come sono le sue.
Non è giusto restare sulla piazza deserta,
Ci sarà certamente quella donna per strada
Che, pregata, vorrebbe dar mano alla casa.


Cesare Pavese - tradução Rubens Ricupero

CAMPO















A terra
se cobriu
de tenra
leveza

Como uma esposa
nova
oferece
atônita
ao filho
o pudor
sorridente
de mãe


PRATO

Villa di Garda aprile 1918

La terra
s'è velata
di tenera
leggerezza

Come una sposa
novella
offre
allibita
alla sua creatura
il pudore
sorridente
di madre


Giuseppe Ungaretti - In A Alegria -Tradução e notas de Geraldo Holanda Cavalcanti, Editora Record, Rio de Janeiro, 2003

Curva-se o dia
















Eis-me desamparado, Senhor,
no teu dia,
cerrado a toda luz.

De ti privado tenho medo,
perdida estrada de amor,
e não me é dada nem mesmo
a graça de trêmulo confessar-me
tão seca é a minha vontade.

A ti amei e combati;
curva-se o dia
e colho sombras dos céus:
que tristeza o meu coração
de carne!
.


SI CHINA IL GIORNO

Mi trovi deserto, Signore,
nel tuo giorno,
serrato ad ogni luce.

Di te privo spauro,
perduta strada d'amore,
e non m'è grazia
nemmeno trepido cantarmi
che fa secche mie voglie.

T'ho amato e battuto;
si china il giorno
e colgo ombre dai cieli:
che tristezza il mio cuore
di carne!

Salvatore Quasimodo - poesias. [seleção, tradução e notas Geraldo Holanda Cavalcanti; prefácio de Luciana Stegagno Picchio]. Edição bilíngue.Rio de Janeiro: Record, 1999.

Ventos contrários
















Ao começar a escrever ainda não sabia
que cada palavra minha do mundo tomaria
um pedaço, em troca deixando apenas
o espaço vazio. E que meus poemas

substituiriam para mim a pátria, a mãe, o pai,
o primeiro amor, a segunda juventude e vai
sumir tudo o que escrevi desse mundo,
sua existência sólida em ar se transformando,

em vento, chuva e fogo e o que eu tocar
no poema vai na vida se imobilizar
e se esmigalhar em átomos tão reduzidos,
que virarão quase antimatéria, a invisível

poeira que gira por tanto tempo no ar
até cair por fim no seu olho e ele lacrimejar.



Przeciwne wiatry

Kiedy zacząłem pisać, nie wiedziałem jeszcze,
że każde moje słowo będzie zabierało
po kawałku ze świata, w zamian zostawiając
jedynie miejsca puste. Że powoli wiersze

zastąpią mi ojczyznę, matkę, ojca, pierwszą
miłość i drugą młodość, a co zapisałem,
ubędzie z tego świata, zamieni swe stałe
istnienie na byt lotny, stanie się powietrzem,

wiatrem, dreszczem i ogniem, i to, co poruszę
w wierszu, znieruchomieje w życiu, i pokruszy
się na tak drobne cząstki, że się stanie prawie
antymaterią, pyłem całkiem niewidzialnym,

wirującym w powietrzu, tak długo, aż wpadnie
w końcu tobie do oka, a ono załzawi.

Tomasz Różycki - tradução de Piotr Kilanowski.

Monumento














Aos heróis – epopeias e rapsódias!!!
Aos heróis honrará a prole,
os seus nomes em pedestais gravados,
e os seus monumentos em mármore.

Aos soldados valentes – as medalhas!
Uma cruz – à morte do soldado!
As glórias e os sofrimentos em aço,
bronze e granito encantados.

Ficarão dos Grandes as Lendas,
de que eram Enormes, o testamento,
o mito consolidará e restará
o Monumento.

Quem pra vós vai contar, ó Futuros,
a história – nem de mito que resiste,
nem de bronze – que a levaram, mataram…
e que ELA não existe…

Se ela era boa? Nem isso –
brigava e as portas batia,
resmungava, vociferava…
mas – existia.

Bela? Nem antes dos cabelos prateados,
ninguém de uma beldade a chamaria
Sábia? Eh, comum, simplesmente não foi
burra…
E no entanto…existia.

Entendes: Ela estava e agora não está,
em cada canto algo ruim, coisa má,
e dá para ver logo que Ela não está.

Nada de grande palavra: O Lar,
Deus meu, que casa era essa?!
………….(não eram de Varsóvia)
O marido o dia todo na oficina,
o filho – sempre correndo com pressa,
o quarto raramente arrumado,
………….(pois de baixo água trazia),
os móveis de algum jeito ordenados,
o relógio parecia sorrir animado,
pois – Ela existia.
Existia.

E daí? Ser humano? Não importa –
em estatística não vai constar,
para o mundo, a Europa – é um nada,
grandes coisas esta Sua labuta suada,
mas quando se chegava à porta do lar,
mesmo antes de tocar na maçaneta, abrir,
no ar algum cheiro bom havia,
ou sopa quente, ou toalha macia,
um calor familiar te envolvia,
pois…
………….Ela existia.

E a levaram,
Foi do jeito que estava.
Do fogão.
Da sopa não provaram…
carregaram, foi-se, não está,
mataram.

O marido voltará da oficina,
sentará na banqueta chocado,
as mãos fracas cairão pros lados,
olhará com a cabeça meneando.

No fogão não há fogo –
no chão, pano caído,
prato na mesa – sujeira demais.
Não levanta, curva-se, pensa.
Nada a fazer.
………….………….Não está mais.

A sopa rala e estranha da oficina
da fábrica, e o pão – vai pôr na goela,
Come e olha:
………….………….na prateleira em silêncio
fria e morta a Sua panela.

Não retornará à oficina,
o filho vai voltar faminto,
na desfeita cama amarela,
sem tirar o sapato barrento,
deitado, não dormirá.
Vai olhar, não esquecerá um só momento…
………….Ali, da Mãe, a esfriada p a n e l a –
………….O SEU MONUMENTO.



P O M N I K

Bohaterom – poematy, rapsody!!!
Bohaterów uczczą potomni
na cokołach nazwiska ryte
i marmurowy pomnik.

Walecznym żołnierzom – medal!
Śmierci żołnierskiej krzyż!
Zakląć chwałę i mękę
w stal, granit i spiż.

Zostaną po Wielkich Legendy
że tacy byli ogromni.
Mit zakrzepnie i – będzie
POMNIK.

A kto wam opowie, Przyszli,
nie spiż i nie mitu temat –
że Ją zabrali – zabili,
i że jej nie ma…

Czy była dobra? Nawet nie –
często się przecież kłóciła,
stuknęła drzwiami, burknęła…
ale była.

Ładna? nie była nigdy ładna,
nawet nim głowa się posrebrzyła.
Mądra? Ot, zwyczajnie nie głupia…
No, ale… była.
Rozumiesz – była a gdy jej nie ma,
to każdy kąt tu oczy złe ma
i zaraz widać że jej nie ma.

Nie żeby wielkie słowo – DOM –
mój Boże, cóż to za gospodarstwo!
(nie byli z Warszawy)
mąż cały dzień w warsztacie
syn także miał gdzieś swoje sprawy,
pokoik często nie sprzątnięty
(bo wodę z dołu przynosiła)
tak jakoś stały wszystkie sprzęty
tak jakoś zegar uśmiechnięty
no – była.
Była.

I cóż? Człowiek? – Nie – Nieważne –
statystyka żadna jej nie wymieni –
dla świata, Europy, mniej niż pyłek –
ważna to rzecz ten jej wysiłek!
ale gdyś zbliżył się do sieni,
nim klamkę wziąłeś, – nim drzwi pchnąłeś,
jakoś w powietrzu zapachniały
ni ciepła zupa, ni ręcznik biały,
tak jakoś ciepłość cię owiła
no…
była.

I wzięli.
Poszła jak stała.
Od ognia.
Zupy nie zdążyła…
Zabrakli, poszła – nie ma –
zabili.

Wróci z warsztatu mąż,
usiądzie ciężko na stołku –
ręce opadną na podołku,
głową wodzi i patrzy.

Ognia nie ma pod blachą –
ścierka spadła i leży
talerz na stole – brudno.
Nie wstaje. Pochyla się. Myśli.
Trudno.
Nie ma.

Zje chleba i zupy z warsztatu
fabrycznej – obcej i marnej.
Je i patrzy: –
na półce… milczący
zimny i martwy jej garnek.

Nie pójdzie już do warsztatu –
Syn wróci z miasta zgłodzony
w łóżko niezaścielane
rzuci się w butach zbłoconych –
Nie uśnie.
Będzie patrzył (i nie zapomni…)
Tam – Matki wystygły g a r n ek
J E J P O M N I K..

Wladyslaw Szlengel - Tradução Piotr Kilanowski.

Reabilitação post-mortem























Os mortos lembram-se
de nossa indiferença
Os mortos lembram-se
de nosso silêncio
Os mortos lembram-se
de nossas palavras

Os mortos veem as nossas caras
distendidas de orelha a orelha
Os mortos veem os nossos
corpos que se esfregam
os mortos veem as nossas mãos
prontas para aplaudir

Os mortos leem os nossos livros
ouvem os nossos discursos
pronunciados há muito tempo
os mortos ouvem
o ruído de nossas línguas
os mortos analisam os relatórios
participam de discussões
já encerradas

os mortos enxergam estádios
corais conjuntos em escansão

Todos os vivos são culpados
culpadas são as crianças pequenas
que entregavam buquês de flores
culpados são os amantes
culpados são os poetas
culpados são aqueles que fugiram
e aqueles que ficaram
aqueles que disseram sim
aqueles que disseram não
e aqueles que falaram

os mortos estão contandos os vivos
os mortos não haverão e reabilitar-nos


Tadeusz Różewicz - (tradução de Aleksandr Jovanović)

Amor





















Amor significa olharmo-nos
Como se olha as coisas não familiares,
Pois somos apenas uma entre milhares.
E quem assim se olha, mesmo sem saber,
De muitas mágoas o coração vai proteger.
E chama-no de antigo o pássaro e a árvore.

Então sim, quer desfrutar de si e de tudo
Para que tudo brilhe no clarão da plenitude.
E não importa não saber ao que servir,
Nem sempre serve melhor quem sabe.

Miłość

Miłość to znaczy popatrzeć na siebie,
Tak jak się patrzy na obce nam rzeczy,
Bo jesteś tylko jedną z rzeczy wielu.
A kto tak patrzy, choć sam o tym nie wie,
Ze zmartwień różnych swoje serce leczy,
Ptak mu i drzewo mówią: przyjacielu.
Wtedy i siebie, i rzeczy chce użyć,
Żeby stanęły w wypełnienia łunie.
To nic, że czasem nie wie, czemu służyć:
Nie ten najlepiej służy, kto rozumie. 


Czeslaw Milosz
* Estes poemas são da tradução portuguesa Czesław Miłosz e Wisława Szymborska, Alguns Gostam de Poesia. Antologia, Lisboa: Cavalo de Ferro, 2004.

Museu














Há pratos, mas falta apetite.
Há alianças, mas o amor recíproco se foi
há pelo menos trezentos anos.

Há um leque — onde os rubores?
Há espadas — onde a ira?
E o alaúde nem ressoa na hora sombria.

Por falta de eternidade
juntaram dez mil velharias.
Um bedel bolorento tira um doce cochilo,
o bigode pendido sobre a vitrine.

Metais, argila, pluma de pássaro
triunfam silenciosos no tempo.
Só dá risadinhas a presilha da jovem risonha do Egito.

A coroa sobreviveu à cabeça.
A mão perdeu para a luva.
A bota direita derrotou a perna.

Quanto a mim, vou vivendo, acreditem.
Minha competição com o vestido continua.
E que teimosia a dele!
E como ele adoraria sobreviver!


*


Muzeum

Są talerze, ale nie ma apetytu.
Są obrączki, ale nie ma wzajemności
od co najmniej trzystu lat.

Jest wachlarz — gdzie rumieńce?
Są miecze — gdzie gniew?
I lutnia ani brzęknie o szarej godzinie.

Z braku wieczności zgromadzono
dziesięć tysięcy starych rzeczy.
Omszały woźny drzemie słodko
zwiesiwszy wąsy nad gablotką.

Metale, glina, piórko ptasie
cichutko tryumfują w czasie.
Chichocze tylko szpilka po śmieszce z Egiptu.

Korona przeczekała głowę.
Przegrała dłoń do rękawicy.
Zwyciężył prawy but nad nogą.

Co do mnie, żyję, proszę wierzyć.
Mój wyścig z suknią nadał trwa.
A jaki ona upór ma!
A jakby ona chciała przeżyć!

Wisława Szymborska, em "Poemas – Wisława Szymborska". [seleção, tradução e prefácio Regina Przybycien]. Edição bilíngue: português-polonês. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

Devaneio


















Lo giorno se n’andava e l’aer bruno
Toglieva gli animal che sono’n terra,
Dalle fatiche loro.
– Dante


Oh! deixa-me! é a hora onde o horizonte se esfuma,
Esconde a fronte vária sob esfera em bruma,
Hora onde o astro gigante já em rubor sumia.
O bosque amarelado, só, doura a colina.
Pensar que em dias tais em que o outono declina,
Deslustram chuva e sol a floresta que havia.

Quem fará surgir, súbito, fará brotar
Por lá – enquanto estou só na janela a sonhar
E a sombra a se afundar no fim do corredor –
A cidade mourisca, inaudita, vibrante,
Que, tal qual o foguete em feixes fulgurantes,
Dilacera a neblina em setas de auricor!

Que venha inspirar, gênios! afastar do sono
Estas canções escuras como um céu de outono,
E lançar em meus olhos mágica faceta,
Apagando-se há muito em rumor abafado,
Com as mil torres em seu palácio de fadas,
Brumosa, rendilhar o horizonte violeta!
.

Reverie

Lo giorno se n’andava e l’aer bruno
Toglieva gli animal che sono’n terra,
Dalle fatiche loro.
– Dante


Oh! laissez-moi! c’est l’heure où l’horizon qui fume
Cache un front inégal sous un cercle de brume,
L’heure où l’astre géant rougit et disparaît.
Le grand bois jaunissant dore seul la colline.
On dirait qu’en ces jours où l’automne décline,
Le soleil et la pluie ont rouillé la forêt.

Oh! qui fera surgir soudain, qui fera naître,
Là-bas, – tandis que seul je rêve à la fenêtre
Et que l’ombre s’amasse au fond du corridor, –
Quelque ville mauresque, éclatante, inouïe,
Qui, comme la fusée en gerbe épanouie,
Déchire ce brouillard avec ses flèches d’or!

Qu’elle vienne inspirer, ranimer, ô génies,
Mes chansons, comme un ciel d’automne rembrunies,
Et jeter dans mes yeux son magique reflet,
Et longtemps, s’éteignant en rumeurs étouffées,
Avec les mille tours de ses palais de fées,
Brumeuse, denteler l’horizon violet!

Victor Hugo, em “Poetas Franceses do Século XIX”. [organização e tradução José Lino Grünewald]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.

Ó França, Mãe das Leis
















O França, mãe das leis, das artes e das lutas,
O leite do teu seio amamentou-me outrora:
Em busca do redil, como um cordeiro, agora,
Teu nome eu vou dizendo às florestas e às grutas.

Então, cruel, por que sem resposta me deixas,
Se, como filho teu, já fui reconhecido?
França, França, responde a meu triste gemido.
Somente me responde o eco das minhas queixas.

Entre os lobos cruéis, os campos percorrendo,
Sinto chegar o inverno, o seu gelo trazendo
A meu corpo transido arrepio tamanho.

A cordeiro nenhum tem faltado alimento,
Nenhum receia o lobo, a friagem e o vento:
E no entanto não sou a escória do rebanho.



France, mère des arts, des armes et des lois

France, mère des arts, des armes et des lois,
Tu m’as nourri longtemps du lait de ta mamelle :
Ores, comme un agneau qui sa nourrice appelle,
Je remplis de ton nom les antres et les bois.

Si tu m’as pour enfant avoué quelquefois,
Que ne me réponds-tu maintenant, ô cruelle ?
France, France, réponds à ma triste querelle.
Mais nul, sinon Écho, ne répond à ma voix.

Entre les loups cruels j’erre parmi la plaine,
Je sens venir l’hiver, de qui la froide haleine
D’une tremblante horreur fait hérisser ma peau.

Las, tes autres agneaux n’ont faute de pâture,
Ils ne craignent le loup, le vent ni la froidure :
Si ne suis-je pourtant le pire du troupeau.



Joachim Du Bellay - Tradução: https://www.escritas.org/pt/joachim-du-bellay

As romãs



















Duras romãs entreabertas
Pelo excesso dos grãos de ouro,
Eu vejo reis, todo um tesouro
Nascer de suas descobertas!

Se os sóis de onde ressurgis,
Ó romãs de entrevista tez,
Vos fazem, prenhes de altivez,
Romper os claustros de rubis,

E se o ouro sece cede enfim
Ante a demanda ainda mais dura
E explode em gemas de carmim,

Essa luminosa ruptura
Faz sonhar uma alma que há em mim
De sua secreta arquitetura.



Les Grenades


Dures grenades entr’ouvertes
Cédant à l’excès de vos grains,
Je crois voir des fronts souverains
Éclatés de leurs découvertes !

Si les soleils par vous subis,
Ô grenades entre-bâillées
Vous ont fait d’orgueil travaillées
Craquer les cloisons de rubis,

Et que si l’or sec de l’écorce
À la demande d’une force
Crève en gemmes rouges de jus,

Cette lumineuse rupture
Fait rêver une âme que j’eus
De sa secrète architecture.



Paul Valéry, em "Charmes". (1922)..[tradução Augusto de Campos].

Arroio de solidões

















Ninguém que seja só
Em si
E ali que
Não queira estar na rua,

Ninguém na rua
Que seja

E não queira
Estar em si
Pra lá da soleira
A sós,

A rua anula
No rolar ela anula
Dia e noite anula,
A nuvem no céu
Desdobra
Um sudário sobre a rua,

Longa rua
Quanto mais longa
Mais anula
E mais cedo cerca o homem,

Sulco longo
Cova escavada,

Sob o azul gris
Da lavanderia suspensa
Gotejando desejos,

Doce doçura dos sozinhos
Desejosos sim,

Sozinhos na casa dele quando estão
Ou ao que parece
Na casa dela
Nu e nua se querem
E arruam
Suam,

Embora dois sendo sós
Suam sim pois
Arruam para
Em dois ser um,

Se ela é arável
Ele é charrua
Queriam ser grãos
De uma só espiga,

Aspirando ao singular
No barro
Fazem a lebre dupla,

Só a só se pregam
Panela e tampa
Da arca oblonga
Que em par
Desce no lamaçal,

Para ser anulada
Pela lei da vassoura,

Enquanto longe
Frente ao cabo
E atrás também
Reforma-se a rua,

Arroio de solidões.

Ruisseau de solitudes

Nul qui seul soit
Chez soi
Et là qui
Ne veuille être en la rue,

Nul en la rue
Qui soit
Seul
Et qui ne veuille
Être chez soi
Derrière un seuil
À soi,

La rue annule
Par roulement elle annule
Jour e nuit elle annule,

La nue au ciel
Déploie
Un linceul sur la rue,

Longue rue
Plus longue elle est
Plus elle annule
Plus tôt l’homme est enclos,

Un sillon long
Une fosse fouie,

Sous le bleu-gris
De la buanderie haute
D’où les désirs découlent,

Douce douceur des seuls
Désireux oui,

Seuls chez lui quand ils sont
Ou semblablement
Chez elle
Nu et nue ils se veulent
Ils ruent Suent,

Quoique deux étant seuls
Ils suent oui donc
Ils ruent afin
D’être en deux un,

Qu’elle soit arable
Ils est charrue
Ils se voudraient le grain
D’un seul épi,

Aspirant à l’unique
Ils terrent
Font un double lapin,

Seul à seule ils s’enclouent
Couvercle et fond
Du coffre long
Qui est couple et
Qui descend en des boues,

Pour être annulé
De par loi de balai,

Tandis que loin
Devant le manche
Et en arrière aussi
Se reforme la rue,

Ruisseau des solitudes.


André Pieyre de Mandiargues, Ruisseau des solitudes, 1968, p.:? “Ruisseau de solitudes”

A Eternidade















De novo me invade.
Quem? – A Eternidade.
É o mar que se vai
Como o sol que cai.

Alma sentinela,
Ensina-me o jogo
Da noite que gela
E do dia em fogo.

Das lides humanas,
Das palmas e vaias,
Já te desenganas
E no ar te espraias.

De outra nenhuma,
Brasas de cetim,
O Dever se esfuma
Sem dizer: enfim.

Lá não há esperança
E não há futuro.
Ciência e paciência,
Suplício seguro.

De novo me invade.
Quem? – A Eternidade.
É o mar que se vai
Com o sol que cai.


L'ETERNITÉ

Elle est retrouvée.
Quoi? – L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.

Âme sentinelle,
Murmurons l'aveu
De la nuit si nulle
Et du jour en feu.

Des humains suffrages,
Des communs élans
Là tu te dégages
Et voles selon.

Puisque de vous seules,
Braises de satin,
Le Devoir s'exhale
Sans qu'on dise: enfin.

Là pas d'espérance,
Nul orietur.
Science avec patience,
Le supplice est sûr.

Elle est retrouvée.
Quoi? – L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.


Arthur Rimbauld - Tradução: Augusto de Campos - [Mai 1872]

Arte Poética






























[A Charles Morice]

Antes de tudo, a Música. Preza
Portanto, o Ímpar. Só cabe usar
O que é mais vago e solúvel no ar
Sem nada em si que pousa ou que pesa.

Pesar palavras será preciso,
Mas com certo desdém pela pinça:
Nada melhor do que a canção cinza
Onde o Indeciso se une ao Preciso.

Uns belos olhos atrás do véu,
O lusco-fusco no meio-dia
A turba azul de estrelas que estria
O outono agônico pelo céu!

Pois a Nuance é que leva a palma,
Nada de Cor, somente a nuance!
nuance, só, que nos afiance
o sonho ao sonho e a flauta na alma!

Foge do Chiste, a Farpa mesquinha,
Frase de espírito, Riso alvar,
Que o olho do Azul faz lacrimejar,
Alho plebeu de baixa cozinha!

A eloquência? Torce-lhe o pescoço!
E convém empregar de uma vez
A rima com certa sensatez
Ou vamos todos parar no fosso!

Quem nos dirá dos males da rima!
Que surdo absurdo ou que negro louco
Forjou em jóia este toco oco
Que soa falso e vil sob a lima?

Música ainda, e eternamente!
Que teu verso seja o vôo alto
Que se desprende da alma no salto
Para outros céus e para outra mente.

Que teu verso seja a aventura
Esparsa ao árdego ar da manhã
Que enche de aroma ótimo e a hortelã…
E todo o resto é literatura.



Art poétique
[a Charles Morice]

De la musique avant toute chose,
Et pour cela préfère l’Impair
Plus vague et plus soluble dans l’air,
Sans rien en lui qui pèse ou qui pose.

Il faut aussi que tu n’ailles point
Choisir tes mots sans quelque méprise :
Rien de plus cher que la chanson grise
Où l’Indécis au Précis se joint.

C’est des beaux yeux derrière des voiles,
C’est le grand jour tremblant de midi,
C’est, par un ciel d’automne attiédi,
Le bleu fouillis des claires étoiles !

Car nous voulons la Nuance encor,
Pas la Couleur, rien que la nuance !
Oh ! la nuance seule fiance
Le rêve au rêve et la flûte au cor !

Fuis du plus loin la Pointe assassine,
L’Esprit cruel et le Rire impur,
Qui font pleurer les yeux de l’Azur,
Et tout cet ail de basse cuisine !

Prends l’éloquence et tords-lui son cou !
Tu feras bien, en train d’énergie,
De rendre un peu la Rime assagie.
Si l’on n’y veille, elle ira jusqu’où ?

O qui dira les torts de la Rime ?
Quel enfant sourd ou quel nègre fou
Nous a forgé ce bijou d’un sou
Qui sonne creux et faux sous la lime ?

De la musique encore et toujours !
Que ton vers soit la chose envolée
Qu’on sent qui fuit d’une âme en allée
Vers d’autres cieux à d’autres amours.

Que ton vers soit la bonne aventure
Eparse au vent crispé du matin
Qui va fleurant la menthe et le thym…
Et tout le reste est littérature.


Paul Verlaine, O Anticrítico. [tradução Augusto de Campos]. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

A que está sempre alegre





















Teu ar, teu gesto, tua fronte
São belos qual bela paisagem;
O riso brinca em tua imagem
Qual vento fresco no horizonte.

A mágoa que te roça os passos
Sucumbe à tua mocidade,
À tua flama, à claridade
Dos teus ombros e dos teus braços.

As fulgurantes, vivas cores
De tuas vestes indiscretas
Lançam no espírito dos poetas
A imagem de um balé de flores.

Tais vestes loucas são o emblema
De teu espírito travesso;
Ó louca por quem enlouqueço,
Te odeio e te amo, eis meu dilema!

Certa vez, num belo jardim,
Ao arrastar minha atonia,
Senti, como cruel ironia,
O sol erguer-se contra mim;

E humilhado pela beleza
Da primavera ébria de cor,
Ali castiguei numa flor
A insolência da Natureza.

Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora da volúpia soa,
Às frondes de tua pessoa
Subir, tendo à mão um açoite,

Punir-te a carne embevecida,
Magoar o teu peito perdoado
E abrir em teu flanco assustado
Uma larga e funda ferida,

E, como êxtase supremo,
Por entre esses lábios frementes,
Mais deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te, irmã, meu veneno!




À CELLE QUI EST TROP GAIE

Ta tête, ton geste, ton air
Sont beaux comme un beau paysage;
Le rire joue en ton visage
Comme un vent frais dans un ciel clair.

Le passant chagrin que tu frôles
Est ébloui par la santé
Qui jaillit comme une clarté
De tes bras et de tes épaules.

Les retentissantes couleurs
Dont tu parsèmes tes toilettes
Jettent dans l'esprit des poètes
L'image d'un ballet de fleurs.

Ces robes folles sont l'emblème
De ton esprit bariolé;
Folle dont je suis affolé,
Je te hais autant que je t'aime!

Quelquefois dans un beau jardin
Où je traînais mon atonie,
J'ai senti, comme une ironie,
Le soleil déchirer mon sein,

Et le printemps et la verdure
Ont tant humilié mon coeur,
Que j'ai puni sur une fleur
L'insolence de la Nature.

Ainsi je voudrais, une nuit,
Quand l'heure des voluptés sonne,
Vers les trésors de ta personne,
Comme un lâche, ramper sans bruit,

Pour châtier ta chair joyeuse,
Pour meurtrir ton sein pardonné,
Et faire à ton flanc étonné
Une blessure large et creuse,

Et, vertigineuse douceur!
À travers ces lèvres nouvelles,
Plus éclatantes et plus belles,
T'infuser mon venin, ma soeur!


Charles Baudelaire - In As Flores do Mal. Nova Fronteira, 1985, 2a. ed.  Trad., introd. e notas: Ivan Junqueira

A moenda












Na remansosa paz da rústica fazenda,
À luz quente do sol e à fria luz do luar,
Vive, como a expiar uma culpa tremenda,
O engenho de madeira a gemer e a chorar,

Ringe e range, rouquenha, a rígida moenda;
E ringindo e rangendo, a cana a triturar
parece que tem alma, adivinha e desvenda
A ruina, a dor, o mal que vai, talvez, causar…

Movida pelos bois tardos e sonolentos
Geme, como a exprimir, em doridos lamentos,
Que as desgraças por vir, sabe-as todas de cor.

Ai! Dos teus tristes ais! Ai! Moenda arrependida!
— Álcool! para esquecer os tormentos da vida
E cavar, sabe Deus, um tormento maior!

Da Costa e Silva, em “Zodíaco”, 1917.

Clara














Não sabes, Clara, que pena
eu teria se — morena
tu fosses em vez de clara!
Talvez... quem sabe... não digo...
mas refletindo comigo
talvez nem tanto te amara!

A tua cor é mimosa,
brilha mais da face a rosa
tem mais graça a boca breve.
O teu sorriso é delírio...
És alva da cor do lírio,
és clara da cor da neve!

A morena é predileta,
mas a clara é do poeta:
assim se pintam arcanjos.
Qualquer, encantos encerra,
mas a morena é da terra
enquanto a clara é dos anjos!

Mulher morena é ardente:
prende o amante demente
nos fios do seu cabelo;
— A clara é sempre mais fria,
mas dá-me licença um dia
que eu vou arder no teu gelo!

A cor morena é bonita,
mas nada, nada te imita
nem mesmo sequer de leve.
— O teu sorriso é delírio...
És alva da cor do lírio,
és clara da cor da neve!


Casimiro de Abreu

Para a Feira do Livro


















Folheada, a folha de um livro retoma
o lânguido vegetal de folha folha,
e um livro se folheia ou se desfolha
como sob o vento a árvore que o doa;
folheada, a folha de um livro repete
fricativas e labiais de ventos antigos,
e nada finge vento em folha de árvore
melhor do que o vento em folha de livro.
Todavia, a folha, na árvore do livro,
mais do que imita o vento, profere-o:
a palavra nela urge a voz, que é vento,
ou ventania, varrendo o podre a zero.

*
Silencioso: quer fechado ou aberto,
Incluso o que grita dentro, anônimo:
só expõe o lombo, posto na estante,
que apaga em pardo todos os lombos;
modesto: só se abre se alguém o abre,
e tanto o oposto do quadro na parede,
aberto a vida toda, quanto da música,
viva apenas enquanto voam as suas redes.
Mas apesar disso e apesar do paciente
(deixa-se ler onde queiram), severo:
exige que lhe extraiam, o interroguem
e jamais exala: fechado, mesmo aberto.


João Cabral de Melo Neto, in “Melhores Poemas de João Cabral de Melo Neto”. [Seleção Antônio Carlos Secchin], São Paulo: Global Editora, 8ª ed., 2001, pag. 194.

Castelã























Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor…
Debruço-me às ameias ao sol-pôr
E ponho-me a cismar não sei em quem!

Castelã da Tristeza, vês alguém?!…
— E o meu olhar é interrogador…
E rio e choro! É sempre o mesmo horror
E nunca, nunca vi passar ninguém!

— Castelã da tristeza por que choras,
Lendo toda de branco um livro d’horas
A sombra rendilhada dos vitrais?…

Castelã da Tristeza, é bem verdade,
Que a tragédia infinita é a Saudade!
Que a tragédia infinita é Nunca Mais!!



Florbela Espanca, no livro “Livro de Mágoas”. 1919.

Do fogo que em mim arde
















Sim, eu trago o fogo,
o outro,
não aquele que te apraz.
Ele queima sim,
é chama voraz
que derrete o bivo de teu pincel
incendiando até ás cinzas
O desejo-desenho que fazes de mim.

Sim, eu trago o fogo,
o outro,
aquele que me faz,
e que molda a dura pena
de minha escrita.
é este o fogo,
o meu, o que me arde
e cunha a minha face
na letra desenho
do auto-retrato meu.



Conceição Evaristo, no livro “Poemas da recordação e outros movimentos”. Belo Horizonte: Nandyala, 2008.














A víbora dissimulou seu veneno
Num gramado cheio de sol
Entrincheirada em sua vaidade
Ela dialoga com as próprias ilusões
Enquanto aguarda a absolvição
Diante da alvura de sua certeza
Diante do fulgor de sua felicidade serena
Chega-se a esquecer que o vento tem manchas de hemoglobina
Glasgow ou Edimburgo?
Não. Pretória.


Célestin Monga - livro “Fragmentos de um Crepúsculo Ferido”. Traduzidos por Estela Abreu dos Santos, Editora Contraponto

Epitáfio

Foto: Joel Peter Witkin.



















Escapei aos tigres
Nutri os percevejos
Fui devorado
Pela mediocridade
.

Epitaph


Den Tigern entrann ich
Die Wanzen nährte ich
Aufgefressen wurde ich
Von den Mittelmäßigkeiten.


Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

Soneto XXXIV















Por que me prometeste um dia tão belo
E me fizeste viajar sem meu manto,
Deixando que nuvens baixas cobrissem meu caminho,
Ocultando tua bravura em seu lacerado fumo?

Não basta que irrompas as nuvens
Para enxugar a chuva em meu rosto abatido,
Pois nenhum homem poderá dizer uma oração
Que cicatrize a ferida sem curar a desgraça.

Nem poderá tua vergonha revelar minha dor;
Embora te arrependas, ainda assim perderei;
A tristeza do ofensor pouco alivia
Aquele que carrega a pesada cruz da ofensa.

Ah, mas as lágrimas são pérolas que o teu amor verte;
Elas são valiosas, e resgatam todos os males.


Sonnet

Why didst thou promise such a beauteous day,
And make me travel forth without my cloak,
To let base clouds o'ertake me in my way,
Hiding thy brav'ry in their rotten smoke?

'Tis not enough that through the cloud thou break,
To dry the rain on my storm-beaten face,
For no man well of such a salve can speak,
That heals the wound, and cures not the disgrace:

Nor can thy shame give physic to my grief
Though thou repent, yet I have still the loss,
Th' offender's sorrow lends but weak relief
To him that bears the strong offence's cross.

Ah but those tears are pearl which thy love sheds,
And they are rich, and ransom all ill deeds.


William Shakespeare - Tradução de Thereza Christina Rocque da Motta

Cantiga















BENTEVÍ que estás cantando
nos ramos da madrugada,
por muito que tenhas visto,
juro que não viste nada.
Não viste as ondas que vinham
tão desmanchadas na areia,
quási vida, quási morte,
quási corpo de sereia…
E as nuvens que vão andando
com marcha e atitude de homem,
com a mesma atitude e marcha
tanto chegam como somem.
Não viste as letras, que apostam
formar idéias com o vento…
E as mãos da noite quebrando
os talos do pensamento.
Passarinho, tolo, tolo,
de olhinhos arregalados…
Benteví, que nunca viste
como os meus olhos fechados…


Cecília Meireles, no livro “Viagem”. 1939.

Pergunte ao pó






















cresce a vida
cresce o tempo
cresce tudo
e vira sempre
esse momento

cresce o ponto
bem no meio
do amor seu centro
assim como
o que a gente sente
e não diz
cresce dentro

Paulo Leminski, do livro “Distraído venceremos”. 1987.

O fruto






















Subia, algo subia, ali, do chão,
quieto, no caule calmo, algo subia,
até que se fez flama em floração
clara e calou sua harmonia.
Floresceu, sem cessar, todo um verão
na árvore obstinada, noite e dia,
e se soube futura doação
diante do espaço que o acolhia.
E quando, enfim, se arredondou, oval,
na plenitude de sua alegria,
dentro da mesma casca que o encobria
volveu ao centro original.

.

Die frucht

Das stieg zu ihr aus Erde, stieg und stieg,
und war verschwiegen in dem stillen Stamme
und wurde in der klaren Blüte Flamme,
bis es sich wiederum verschwieg.
Und fruchtete durch eines Sommers Länge
in dem bei Nacht und Tag bemühten Raum,
und kannte sich als kommendes Gedränge
wider den teilnahmsvollen Raum.
Und wenn es jetzt im rundenden Ovale
mit seiner vollgewordnen Ruhe prunkt,
stürzt es, verzichtend, innen in der Schale
zurück in seinen Mittelpunkt.

Rainer Maria Rilke, em “Quatro Poemas Esparsos” (1924). In: Coisas e anjos de Rilke – Augusto de Campos [organização e tradução]. 2ª edição, São Paulo: Perspectiva, 2013.

O Tempo seca o Amor

O tempo seca a beleza, seca o amor, seca as palavras. Deixa tudo solto, leve, desunido para sempre como as areias nas águas. O tempo seca a ...

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