Soneto do Amor Presente


















Se o coração transpôs tanta distância
havida entre minh’alma e teu destino
é provável que eu torne à tua infância
e retome os meus sonhos de menino.


Às vezes fim e às vezes circunstância
vez por outra esperança ou desatino,
vai meu amor num rio de abundância
como a infância num gozo repentino.


Prometo não deixar que essa tristeza
descendente da ausência de nós dois
seja herdeira comum dessa saudade.


Quiçá o amor nos seja uma surpresa
em que sonhar não seja mais depois
mas agora em tamanha eternidade...


Afonso Estebanez
(Homenagem a Vinicius de Moraes)

Descreve um horroroso dia de trovões




















Na confusão do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava,
O fogo com o ar se embaraçava
Da terra e água o ser se confundia.


Bramava o mar, o vento embravecia
Em noite o dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrível, que assombrava,
A terra se abalava e estremecia.


Lá desde o alto aos côncavos rochedos,
Cá desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.


Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relâmpagos, trovões, raios, coriscos


Gregório de Matos Guerra
Imagem da Internet

Já Bocage não sou!... À cova escura


























Já Bocage não sou! . . . À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento . . .
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.


Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa! . . . Tivera algum merecimento,
Se um raio de razão seguisse, pura!


Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:


"Outro aretino fui . . . A santidade
Manchei . . . Oh!, se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na Eternidade!"


Manuel Bocage

Soneto da intimidade
















Nas tardes de fazenda há muito azul demais.
Eu saio as vezes, sigo pelo pasto, agora
Mastigando um capim, o peito nu de fora
No pijama irreal de há três anos atrás.


Desço o rio no vau dos pequenos canais
Para ir beber na fonte a água fria e sonora
E se encontro no mato o rubro de uma amora
Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais.


Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme
E quando por acaso uma mijada ferve


Seguida de um olhar não sem malícia e verve
Nós todos, animais, sem comoção nenhuma
Mijamos em comum numa festa de espuma.


Vinicius de Moraes

Látex Humano




















A insegurança de teus olhos
A frieza com que teu corpo me recebe
O silêncio de tua boca
As tuas mentiras que não me enganam
O sorriso encolhido, a frase mordida...


A rejeição em cada pedaço do teu corpo
respirando outro ar, outro hálito, outro suor
que vem de outro corpo


Me vejo aqui só
Triste, como um jiló
passeando em meu gosto
Não te entendo
como não entendo as estrelas
tudo vai caindo e se quebrando
meu corpo está tremulo e minhas pernas fracas


O que adianta gritar
se as montanhas não podem ouvir
O que adianta sonhar
se não posso ser feliz
Vejo você indo embora...
Um ponto de luz apagou
meus olhos brilham de saudade.


Henrique Rodrigues Soares - A Natureza das Coisas

Poemas da Amiga















A tarde se deitava nos meus olhos
E a fuga da hora me entregava abril,
Um sabor familiar de até-logo criava
Um ar, e, não sei porque, te percebi.


Voltei-me em flor. Mas era apenas tua lembrança.
Estavas longe doce amiga e só vi no perfil da cidade
O arcanjo forte do arranha-céu cor de rosa,
Mexendo asas azuis dentro da tarde.


Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus amigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.


Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.


No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.


Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia
Sereia.


O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...


Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...


As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.


Mário de Andrade

Sete Cidades




















Já me acostumei com a tua voz
Com teu rosto e teu olhar
Me partiram em dois
E procuro agora o que é minha metade
Quando não estás aqui
Sinto falta de mim mesmo
E sinto falta do meu corpo junto ao teu
Meu coração é tão tosco e tão pobre
Não sabe ainda os caminhos do mundo
Quando não estás aqui
Tenho medo de mim mesmo
E sinto falta do teu corpo junto ao meu
Vem depressa prá mim
Que eu não sei esperar
Já fizemos promessas demais
E já me acostumei com a tua voz:
Quando estou contigo estou em paz
Quando não estás aqui,
Meu espírito se perde, voa longe


Renato Russo

Amor, co a esperança já perdida


























Amor, co a esperança já perdida,
teu soberano templo visitei;
por sinal do naufrágio que passei,
em lugar dos vestidos, pus a vida.


Que queres mais de mim, que destruída
me tens a glória toda que alcancei?
Não cuides de forçar-me, que não sei
tornar a entrar onde não há saída.


Vês aqui alma, vida e esperança,
despojos doces de meu bem passado,
enquanto quis aquela que eu adoro:


nelas podes tomar de mim vingança;
e se inda não estás de mim vingado,
contenta-te co as lágrimas que choro.


Luiz Vaz Camões

Alma minha gentil, que te partiste














Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.


Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.


E se vires que pode merecer-te
Algúa cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,


Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.


Luiz Vaz Camões

Resíduos de uma Noite


















A conformidade dos desejos não me reprime mais
Este sono já não faz dormir
Este teu corpo nu na cama não me excita mais
Este tiro no escuro não amedronta mais


Eu já me fui indo pela noite adentro
sem esperar nada, nem ninguém
Vejo mulheres lindas
de cabelos artificiais, rostos artificiais,
de pernas artificiais, bocas artificiais,
de sexo artificiais, e almas podres sem religião
Vejo velhos escondendo atrás de suas cãs
Vejo a vergonha presa num armário
numa dessas casas velhas perdidas
nessas ilhas distantes
no passado de rochas calcárias.


Meu sentimento vai indo no vento
aos pedaços como uma virose
Resíduos de dores acumulam
em meu corpo envelhecido
sem esperanças de cura.


Henrique Rodrigues Soares - A Natureza das Coisas

Daniel na cova dos leões

















Aquele gosto amargo do teu corpo
Ficou na minha boca por mais tempo:
De amargo e então salgado ficou doce,
Assim que o teu cheiro forte e lento
Fez casa nos meus braços e ainda leve
E forte e cego e tenso fez saber
Que ainda era muito e muito pouco


Faço nosso o meu segredo mais sincero
E desafio o instinto dissonante.
A insegurança não me ataca quando erro
E o teu momento passa a ser o meu instante.
E o teu medo ter medo de ter medo
Não faz da minha força confusão:
Teu corpo é o meu espelho e te navego
E sei que a tua correnteza não tem direção.


Mas, tão certo quanto o erro de ser barco
A motor e insistir em usar os remos,
É o mal que a água faz, quando se afoga
E o salva-vidas não está lá porque não vemos.


Renato Russo

Eu Sei


















Sexo verbal não faz meu estilo
Palavras são erros e os erros são seus
Não quero lembrar que eu erro também


Um dia pretendo tentar descobrir
Porque é mais forte quem sabe mentir
Não quero lembrar que eu minto também


Eu sei


Feche a porta do seu quarto
Porque se toca o telefone pode ser alguém
Com quem você quer falar
Por horas e horas e horas


A noite acabou, talvez tenhamos que fugir sem você
Mas não, não vá agora, quero honras e promessas
Lembranças e estórias
Somos pássaro novo longe do ninho


Eu sei


Renato Russo

Elegia para uma estrela




















Estrela rara que brilhou um dia
O teu fulgor resplandeceu em minha face
Quebrou-se os elos e os disfarces
Desencadeou o ritmo da magia


Minha estrela! Doce estrela remota
Despontara sobre meus olhos
Aquecera meus poros
com tua luz ignota


No universo, tua luz findou
E no céu o silêncio absoluto
Num pranto. Como num furto


Se foi, e se calou
Então do azul o céu tornou-se luto
E o amor tornou-se dor.


Henrique Rodrigues Soares A Natureza das Coisas

Don Quixote


















Não se alcança sozinho, remando contra a maré
Só completa o carinho se o outro também quiser
E por trás da canção, o que há
São vidas sem movimento, é aço e paz
É muito mais, é ter e dar
É muito mais


Só se for por fraqueza o sonho não corta o mal
Só lavando a sujeira, o chão se harmoniza ao pé
Se o Livro da Vida é o prazer
Aninha as mãos companheiras
E o amor se acenderá pra quem quiser
Se estenderá


Não entendo saudade de um caminho
Que há muito se acabou
Tenho as linhas da mãos inexploradas ainda
E são quantas, são tantas
Que noticia não há quem desvendou
O mais sabio dos homens
se pergunda ainda:
"De onde eu saí?"
Me ensina a sentir


Coração de ator, de bailarino, do som, do seu cantor
Tem atrás mil pessoas, mão de obra e suor
Tem mulher, tem amigo, tem menino
tem cor de multidão
tem o vento que sopra no destino um sabor
que manda seguir!
Deixa ele ir


Fecho contigo, te quero até
enquanto céu quiser
Fecho contigo
no que o amor disser

Fecho contigo, te quero qué
depois que o céu quiser
Seja utopia
o que o amor disser


Milton Nascimento/César Camargo Mariano

Caçador de Mim
















Por tanto amor
Por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
Manso ou feroz
Eu caçador de mim


Preso a canções
Entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
Longe do meu lugar
Eu, caçador de mim


Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito a força, numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura


Longe se vai
Sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir
O que me faz sentir
Eu, caçador de mim


Luís Carlos Sá/Sérgio Magrão

Asi ti quiero, amor


















Así te quiero, amor,
amor, así te amo,
así como te vistes
y como se levanta
tu cabellera y como
tu boca se sonríe,
ligera como el agua
del manantial sobre las piedras puras,
así te quiero, amada.


Al pan yo no le pido que me enseñe
sino que no me falte
durante cada día de la vida.


Yo no sé nada de la luz, de dónde
viene ni dónde va,
yo sólo quiero que la luz alumbre,
yo no pido a la noche
explicaciones,
yo la espero y me envuelve,
y así tú, pan y luz
y sombra eres.


Has venido a mi vida
con lo que tú traías,
hecha
de luz y pan y sombra te esperaba,
y así te necesito,
así te amo,
y a quantos quieran escuchar mañana
lo que no les diré, que aquí lo lean,
y retrocedan hoy porque es temprano
para estos argumentos.


Mañana sólo les daremos
una hoja del árbol de nuestro amor, una hoja
que caerá sobre la tierra
como si la hubieran hecho nuestros labios,
como un beso que cae
desde nuestras alturas invencibles
para mostrar el fuego y la ternura
de un amor verdadero.


Pablo Neruda

Amor


















Mujer, yo hubiera sido tu hijo, por beberte
la leche de los senos como de un manantial,
por mirarte e sentirte a mi lado y tenerte
en la risa de oro y la voz de cristal.
Por sentirte en mis venas como Dios en los rios
y adorarte en los tristes huesos de polvo y cal,
porque tu ser pasara sin pena al lado mío
y saliera en la estrofa - limpio de todo mal -.


Cómo sabría amarte, mujer, cómo sabría
amarte, amarte como nadie supo jamás!
Morir y todavia
amarte más.
Y todavia
amarte más
y más.


Pablo Neruda

Eu sei que vou te amar



















Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida
Eu vou te amar
A cada despedida
Eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que vou te amar..


E cada verso meu será
Prá te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida...


Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa tua ausência me causou...


Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
À espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida...


Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida
Eu vou te amar
A cada despedida
Eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que vou te amar...


E cada verso meu será
Prá te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida...


Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa tua ausência me causou...


Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
À espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida...


Vinicius de Moraes/Tom Jobim

Como é Grande o Meu Amor por Você


























Eu tenho tanto
Prá lhe falar
Mas com palavras
Não sei dizer
Como é grande
O meu amor
Por você...


E não há nada
Prá comparar
Para poder
Lhe explicar
Como é grande
O meu amor
Por você...


Nem mesmo o céu
Nem as estrelas
Nem mesmo o mar
E o infinito
Não é maior
Que o meu amor
Nem mais bonito...


Me desespero
A procurar
Alguma forma
De lhe falar
Como é grande
O meu amor
Por você...


Nunca se esqueça
Nem um segundo
Que eu tenho o amor
Maior do mundo
Como é grande
O meu amor
Por você...(2x)


Mas como é grande
O meu amor
Por você!...


Roberto Carlos/Erasmo Carlos

Fera Ferida


























Acabei com tudo
Escapei com vida
Tive as roupas e os sonhos
Rasgados na minha saída...

Mas saí ferido
Sufocando meu gemido
Fui o alvo perfeito
Muitas vezes
No peito atingido...

Animal arisco
Domesticado esquece o risco
Me deixei enganar
E até me levar por você...

Eu sei!
Quanta tristeza eu tive
Mas mesmo assim se vive
Morrendo aos poucos por amor
Eu sei!
O coração perdôa
Mas não esquece à tôa
E eu não me esqueci...

Não vou mudar
Esse caso não tem solução
Sou Fera Ferida
No corpo, na alma
E no coração...(2x)

Eu andei demais
Não olhei prá trás
Era solto em meus passos
Bicho livre, sem rumo
Sem laços!...

Me senti sozinho
Tropeçando em meu caminho
À procura de abrigo
Uma ajuda, um lugar
Um amigo...

Animal ferido
Por instinto decidido
Os meus rastros desfiz
Tentativa infeliz
De esquecer...

Eu sei!
Que flores existiram
Mas que não resistiram
A vendavais constantes
Eu sei!
Que as cicatrizes falam
Mas as palavras calam
O que eu não me esqueci...

Não vou mudar
Esse caso não tem solução
Sou Fera Ferida
No corpo, na alma
E no coração...(2x)


Roberto Carlos/Erasmo Carlos

Sapato 36





















Eu calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez
Eu aperto meu pé outra vez


Pai eu já tô crescidinho
Pague prá ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
E andar do jeito que eu gosto
E andar do jeito que eu gosto


Por que cargas d'águas
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade
Meu pai
Meu pai


Pai já tô indo-me embora
Quero partir sem brigar
Pois eu já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar


Raul Seixas

Eclipse Oculto



















Nosso amor não deu certo
Gargalhadas e lágrimas
De perto fomos quase nada
Tipo de amor que não pode dar certo
na luz da manhã
E desperdiçamos os blues do Djavan


Demasiadas palavras
Fraco impulso da vida
Travada a mente na ideologia
E o corpo não agia como se o coração
tivesse antes que optar
Entre o inseto e o inseticida


Não me queixo
Eu não soube te amar
Mas não deixo
De querer conquistar
Uma coisa qualquer em você
O que será ?


Como nunca se mostra
O outro lado da lua
Eu desejo viajar
No outro lado da sua
Meu coração galinha de leão
Não quer mais amarrar frustração
O eclipse oculto na luz do verão


Mas bem que nós fomos muito felizes
Só durante o prelúdio
Gargalhadas e lágrimas
Até irmos pra o estúdio
Mas na hora da cama
Nada pintou direito é minha cara falar
Não sou proveito sou pura fama


Não me queixo


Nada tem que dar certo
Nosso amor é bonito
Só não disse ao que veio
Atrasado e aflito
E paramos no meio
Sem saber os desejos aonde é que iam dar
E aquele projeto ainda está no ar


Não quero que você
Fique fera comigo
Quero ser seu amor
Quero ser seu amigo
Quero que tudo saia
Como o som do Tim Maia
Sem grilos de mim
Sem desespero sem tédio sem fim


Caetano Veloso

Exagerado




















Amor da minha vida
Daqui até a eternidade
Nossos destinos
Foram traçados na maternidade


Paixão cruel desenfreada
Te trago mil rosas roubadas
Pra desculpar minhas mentiras
Minhas mancadas


Exagerado
Jogado aos teus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado


Eu nunca mais vou respirar
Se você não me notar
Eu posso até morrer de fome
Se você não me amar


E por você eu largo tudo
Vou mendigar, roubar, matar
Até nas coisas mais banais
Prá mim é tudo ou nunca mais


Exagerado
Jogado aos teus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado


E por você eu largo tudo
Carreira, dinheiro, canudo
Até nas coisas mais banais
Prá mim é tudo ou nunca mais


Cazuza/Ezequiel Neves/Leoni

Hino Nacional dos Estados Unidos da América














Em inglês:


I
Oh, say, can you see, by the dawn's early light
What so proudly we hailed at the twilight's lasted gleaming?
Whose broad stripes and bright stars, through the perilous fight,
O 'er the ramparts we watched, were so gallantly streaming.
And the rockets` red glare, the bombs bursting in air,
Gave proof through the night that our flag was still there.
Oh, say, does that star-spangled banner yet wave
O'er the land of the free and the home of the brave?

II
On the shore dimly seen, through the mists of the deep,
Where the foe's haughty host in dread silence reposes,
What is that which the breeze, o'er the towering steep,
As it fitfully blows, half conceals, half discloses?
Now it catches the gleam of the morning's first beam,
In fully glory reflected, now shines on the stream:
'Tis the star-spangled banner: oh, long may it wave
O'er the land of the free and the home of the brave.

III
And where is that band who so vauntingly swore
That the havoc of war and the battle's confusion
A home and a country should leave us no more?
Their blood has vanished out their foul footstep's pollution.
No refuge could save the hireling and slave
From the terror of flight, or the gloom of the grave:
And the star-spangled banner in triumph doth wave
O'er the land of the free and the home of the brave!

IV
Oh, thus be it ever when freemen shall stand.
Between their loved home and the war's desolation!
Blest with victory and peace, may the heaven-rescued land
Praise the Power that has made and preserved us a nation.
Then conquer we must, when our cause it is just.
And this be our motto: "In God is our trust".
And the star-spangled banner in triumph shall wave
O'er the land of the free and the home of the brave.


Em português:


I
Ó, dizei, podeis ver, na primeira luz do amanhecer
O que saudamos, tão orgulhosamente, no último brilho do crepúsculo?
Cujas amplas faixas e brilhantes estrelas, durante a luta perigosa,
Sobre os baluartes assistimos, ondulando tão imponentemente?
E o clarão vermelho dos foguetes, as bombas estourando no ar,
Deu-nos prova, durante a noite, de que nossa bandeira ainda estava lá.
Ó, dizei, a bandeira estrelada ainda tremula
Sobre a terra dos livres e o lar dos valentes?

II
Na costa, vista com dificuldade pelas névoas do oceano profundo,
Onde as orgulhosas hostes do inimigo em silêncio temoroso repousam,
O que é que a brisa, sobre o altíssimo precipício,
Enquanto sopra irregularmente, ora esconde, ora expõe?
Eis que ela reflete o brilho do primeiro raio de luz da manhã,
Em toda a sua glória refletida brilha sobre o rio:
É a bandeira estrelada! Ó, que por muito tempo ela tremule
Sobre a terra dos livres e o lar dos valentes.

III
E onde está aquela tropa que jurou tão solenemente
Que a destruição da guerra e a confusão da batalha
De um lar e de um país nos privariam?
O seu sangue limpou a infecta poluição de seus passos.
Nenhum refúgio poderia salvar o mercenário e o escravo
Do terror da fuga, ou da escuridão do sepulcro:
E a bandeira estrelada em triunfo ainda tremula
Sobre a terra dos livres e o lar dos valentes!

IV
Ó, assim seja sempre, quando os homens livres se colocarem
Entre seu amado lar e a desolação da guerra!
Abençoada com vitória e paz, que a terra resgatada pelos céus
Louve o Poder que nos fez e preservou como nação.
Então prevalecer devemos, quando nossa causa for justa,
E este seja nosso lema: "Em Deus está nossa confiança ".
E a bandeira estrelada em triunfo tremulará
Sobre a terra dos livres e o lar dos valentes!


Sem o nome dos Autores.
Os norte-americanos são a maior nação capitalista de toda a História.

Hino da União Soviética

















Em russo:


Soyuz nerushimy respublik svobodnykh
Splotila naveki velikaya Rus'!
Da zdravstvuyet sozdanny voley narodov,
Yediny, moguchy Sovetsky Soyuz!

Pripyev:
Slavsya, Otechestvo nashe svobodnoye,
Druzhby narodov nadyozhny oplot,
Znamya sovetskoye, znamya narodnoye
Pust' ot pobedy k pobede vedyot!

Skvoz' grozy siyalo nam solntse svobody,
I Lenin veliky nam put' ozaril,
Nas vyrastil Stalin - na vernost' narodu,
Na trud i na podvigi nas vdokhnovil!

PRIPYEV

My armiyu nashu rastili v srazhen'yakh,
Zakhvatchikov podlykh s dorogi smetyom!
My v bitvakh reshayem sud'bu pokoleni,
My k slave Otchiznu svoyu povedyom!

PRIPYEV


Em português:


A Grande Mãe-Rússia consolidou para sempre
A união indestrutível das repúblicas livres.
Viva a criada pela vontade dos povos,
Única, poderosa União Soviética!

REFRÃO: Glória à nossa Pátria livre,
Sólido esteio da amizade dos povos!
Que a bandeira soviética, bandeira popular,
Prossiga de vitória em vitória!

Através das tempestades brilhou-nos o sol da liberdade,
E o grande Lênin iluminou-nos o caminho,
Stálin educou-nos à dedicação ao povo,
Inspirou-nos ao trabalho e às façanhas!

(REFRÃO)

Formamos o nosso exército nas batalhas,
Varreremos os infames inimigos do caminho!
Nas batalhas, decidimos o destino das gerações,
Levaremos nossa Pátria para a glória!


Sem os nomes dos Autores.
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - Que já foi a maior nação comunista declarada da História.

Coração de Estudante























Quero falar de uma coisa
Adivinha onde ela anda
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar
Pode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor


Já podaram seus momentos
Desviaram seu destino
Seu sorriso de menino
Quantas vezes se escondeu
Mas renova-se a esperança
Nova aurora, cada dia
E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê
Flor flor o o e fruto


Coração de estudante
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade
Alegria e muito sonho
Espalhados no caminho
Verdes, planta e sentimento
Folhas, coração,
Juventude e fé.


Milton Nascimento/Wagner Tiso

Assalto




















Ontem, vi um rosto que nunca mais quero ver
Ontem, vi um rosto que nunca mais lembrarei
Rosto imóvel... Corpo imóvel...
Uma bomba pulsante no peito, um coração na mão pronta a explodir
O coração da bomba pulsante que há dentro do peito do morto que ainda não morreu.


Vejo sinais de resistência
Vejo um corpo que não quer anoitecer
Vejo relógios, pulseiras,... se indo de tristeza
O menino apanha emprestado o que o mundo não o concedeu.


Henrique Rodrigues Soares - A Natureza das Coisas

Como quando do mar tempestuoso




















Como quando do mar tempestuoso
o marinheiro, lasso e trabalhado,
de um naufrágio cruel já salvo a nado,
só ouvir falar nele o faz medroso,


e jura que, em que veja bonançoso
o violento mar e sossegado,
não entre nele mais, mas vai, forçado
pelo muito interesse cobiçoso;


assi, Senhora, eu, que da tormenta
de vossa vista fujo, por salvar-me,
jurando de não mais em outra ver-me:


minha alma, que de vós nunca se ausenta,
dá-me por preço ver-vos, faz tornar-me
donde fugi tão perto de perder-me.


Luiz Vaz Camões

Neste mundo é mais rico, o que mais rapa:





















Neste mundo é mais rico, o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa:
Com sua língua ao nobre o vil decepa:
O Velhaco maior sempre tem capa.


Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.


A flor baixa se inculca por Tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra, o que mais chupa.


Para a tropa do trapo vazio a tripa,
E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.


Gregório de Matos Guerra

Poema do Beco

















Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
— O que eu vejo é o beco


Manuel Bandeira

Os Cleptomaníacos


















Cadê meus heróis branquelos e fracos
tão frascos, que viraram pó
Cadê nossos monarcas inúteis e apáticos
tão insensatos, suas cabeças dando nó
Cadê nosso amor sorumbático
que no Mar Báltico se dissolveu
Cadê nosso sonho estático
tão fático que morreu


Cadê nossos paladinos armados
tão obcecados por matar
Cadê o pó batido e inalado
compenetrado, p'ra te endireitar
Teus direitos são pecados
captados, pelo desejo de errar
A propaganda tem te aniquilado
você tem comprado tudo que ela falar


Não iluda, não engane
deixe a pedra rolar
Não minta, não ame
deixe de profanar


Cadê teus deuses indolentes
inconsequentes, que te deixam naufragar
Cadê teus detergentes
impotentes, que te querem limpar
Cadê teus amigos influentes
rios fluentes p'ra você navegar
Cadê teus remédios doentes
usados frequentemente p'ra morte agravar


Cadê seu povo fantoche
falo sem deboche pois não consigo enxergar
Cadê aquele teu broche
desabroche o orgulho no teu olhar
de ser mais um hipnotizado
inutilizado biologicamente em conservação
espécie extinta
faminta por percepção


De preto e branco
hoje televisores são às cores
Beijos técnicos
traições indolores
O amor é feito de tranquilizantes
e buquet de flores.


Henrique Rodrigues Soares - A Natureza das Coisas

Hino Nacional

























Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás as florestas,
com a água dos rios no meio,
o Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil.


O que faremos importando francesas
muito louras, de pele macia,
alemãs gordas, russas nostálgicas para
garçonetes dos restaurantes noturnos.
E virão sírias fidelíssimas.
Não convém desprezar as japonesas...


Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros,
assimilaremos finas culturas,
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.


Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico.


Precisamos louvar o Brasil.
Não é só um país sem igual.
Nossas revoluções são bem maiores
do que quaisquer outras; nossos erros também.
E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...
os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas...


Precisamos adorar o Brasil!
Se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão
de seus sofrimentos.


Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?


Carlos Drummond de Andrade

A Mi Partido


















Me has dado la fratenidad hacia el que no conozco.
Me has agregado la fuerza de todos los que viven.
Me has vuelto a dar la patria como en un nacimiento.
Me has dado la libertad que no tiene el solitario.
Me enseñaste a encender la bondad, como el fuego.
Me diste la rectitud que necesita el árbol.
Me enseñaste a ver la unidad y la diferencia de los hombres.
Me mostraste cómo el dolor de un ser se ha muerto en la victoria de todos.
Me enseñaste a dormir en las camas duras de mis hermanos.
Me hiciste construir sobre la realidad como sobre una roca.
Me hiciste adversario del malvado y muro del frenético.
Me has hecho ver la claridad del mundo y la posibilidad de la alegría.
Me has hecho indestructible porque contigo no termino en mí mismo.


Pablo Neruda

Que país é este


















Nas favelas, no Senado
Sujeira prá todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação


Que país é este


No Amazonas, no Araguaia, na Baixada Fluminense
Mato Grosso, nas Geraes e no Nordeste tudo em paz
Na morte eu descanso mas o sangue anda solto
Manchando os papéis, documentos fiéis
Ao descanso do patrão


Que país é este


Terceiro mundo se for
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão.


Que país é este


Renato Russo

Brasil


















Não me convidaram
Pra esta festa pobre
Que os homens armaram
Pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes de eu nascer...

Não me ofereceram
Nem um cigarro
Fiquei na porta
Estacionando os carros
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito
É uma navalha...

Brasil!
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil!
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim...

Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram
Pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes de eu nascer...

Não me sortearam
A garota do Fantástico
Não me subornaram
Será que é o meu fim?
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada
Prá só dizer "sim, sim"

Brasil!
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil!
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim...

Grande pátria
Desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair
Não, não vou te trair...

Confia em mim
Brasil!!


Cazuza/Nilo Roméro/George Israel

Alma de Menestrel





















Não deve morrer um dia
sem que a noite seja tua
nem meu sono sonharia
sem uma canção da lua...

Nem deve correr um rio
tão distante de seu leito
passa a noite vem o frio
eu distante de teu peito...

E nem te seja saudade
a saudade que me vem
por amor não há idade
pela idade que ele tem...

E vais tu levando a lua
pelas ruas do meu céu
com a alma quase nua
por teu doce menestrel...


Afonso Estebanez

Nel mezzo del camin...























Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...


E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.


Hoje, segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.


E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.


Olavo Bilac

O Romântico















És tão simples, ao mesmo tempo tão profundo
Escondes a tristeza do desencontro
Escondes o solitário descontentamento
Com tanto amor no peito procura quem te ama


A liberdade quer fluir em teu corpo
A vida parece ser tão limitada para teus sonhos
Você quer parar o relógio...
E o relógio continua te levando sem você querer ir


A tua procura segue pela noite,
pelas ruas, pelos becos da escuridão
As pessoas não te entendem
Elas te observam, te julgam
com seus olhos preconceituosos
com olhos burocráticos.


Henrique Rodrigues Soares - A Natureza das Coisas
Ao Amigo Poeta Silvio já falecido.

O Relógio


















1.
Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.

Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.

Uma vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.

Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;

e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade

que continua cantando
se deixa de ouvi-lo a gente:
como a gente às vezes canta
para sentir-se existente.


2.
O que eles cantam, se pássaros,
é diferente de todos:
cantam numa linha baixa,
com voz de pássaro rouco;

desconhecem as variantes
e o estilo numeroso
dos pássaros que sabemos,
estejam presos ou soltos;

têm sempre o mesmo compasso
horizontal e monótono,
e nunca, em nenhum momento,
variam de repertório:

dir-se-ia que não importa
a nenhum ser escutado.
Assim, que não são artistas
nem artesãos, mas operários

para quem tudo o que cantam
é simplesmente trabalho,
trabalho rotina, em série,
impessoal, não assinado,

de operário que executa
seu martelo regular
proibido (ou sem querer)
do mínimo variar.


3.
A mão daquele martelo
nunca muda de compasso.
Mas tão igual sem fadiga,
mal deve ser de operário;

ela é por demais precisa
para não ser mão de máquina,
a máquina independente
de operação operária.

De máquina, mas movida
por uma força qualquer
que a move passando nela,
regular, sem decrescer:

quem sabe se algum monjolo
ou antiga roda de água
que vai rodando, passiva,
graçar a um fluido que a passa;

que fluido é ninguém vê:
da água não mostra os senões:
além de igual, é contínuo,
sem marés, sem estações.

E porque tampouco cabe,
por isso, pensar que é o vento,
há de ser um outro fluido
que a move: quem sabe, o tempo.


4.
Quando por algum motivo
a roda de água se rompe,
outra máquina se escuta:
agora, de dentro do homem;

outra máquina de dentro,
imediata, a reveza,
soando nas veias, no fundo
de poça no corpo, imersa.

Então se sente que o som
da máquina, ora interior,
nada possui de passivo,
de roda de água: é motor;

se descobre nele o afogo
de quem, ao fazer, se esforça,
e que êle, dentro, afinal,
revela vontade própria,

incapaz, agora, dentro,
de ainda disfarçar que nasce
daquela bomba motor
(coração, noutra linguagem)

que, sem nenhum coração,
vive a esgotar, gôta a gôta,
o que o homem, de reserva,
possa ter na íntima poça.


João Cabral de Melo Neto

Soneto da Separação


















De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.


De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.


De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.


Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


Vinicius de Moraes

Ode Triunfal
















À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!


Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical -
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força -
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.


Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!


Fraternidade com todas as dinâmicas!
Promíscua fúria de ser parte-agente
Do rodar férreo e cosmopolita
Dos comboios estrénuos,
Da faina transportadora-de-cargas dos navios,
Do giro lúbrico e lento dos guindastes,
Do tumulto disciplinado das fábricas,
E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!


Horas europeias, produtoras, entaladas
Entre maquinismos e afazeres úteis!
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés - oásis de inutilidades ruidosas
Onde se cristalizam e se precipitam
Os rumores e os gestos do Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo!
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
Novos entusiasmos de estatura do Momento!
Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostadas às docas,
Ou a seco, erguidas, nos planos-inclinados dos portos!
Actividade internacional, transatlântica, Canadian-Pacific!
Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis,
Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots,
E Piccadillies e Avenues de L'Opéra que entram
Pela minh'alma dentro!


Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hô la foule!
Tudo o que passa, tudo o que pára às montras!
Comerciantes; vários; escrocs exageradamente bem-vestidos;
Membros evidentes de clubes aristocráticos;
Esquálidas figuras dúbias; chefes de família vagamente felizes
E paternais até na corrente de oiro que atravessa o colete
De algibeira a algibeira!
Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa!
Presença demasiadamente acentuada das cocotes
Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?)
Das burguesinhas, mãe e filha geralmente,
Que andam na rua com um fim qualquer;
A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos;
E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra
E afinal tem alma lá dentro!


(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!)


A maravilhosa beleza das corrupções políticas,
Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,
Agressões políticas nas ruas,
E de vez em quando o cometa dum regicídio
Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus
Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana!


Notícias desmentidas dos jornais,
Artigos políticos insinceramente sinceros,
Notícias passez à-la-caisse, grandes crimes -
Duas colunas deles passando para a segunda página!
O cheiro fresco a tinta de tipografia!
Os cartazes postos há pouco, molhados!
Vients-de-paraître amarelos como uma cinta branca!
Como eu vos amo a todos, a todos, a todos,
Como eu vos amo de todas as maneiras,
Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto
E com o tacto (o que palpar-vos representa para mim!)
E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!
Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!


Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura!
Química agrícola, e o comércio quase uma ciência!
Ó mostruários dos caixeiros-viajantes,
Dos caixeiros-viajantes, cavaleiros-andantes da Indústria,
Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos escritórios!


Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó últimos figurinos!
Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!
Olá grandes armazéns com várias secções!
Olá anúncios eléctricos que vêm e estão e desaparecem!
Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!
Eh, cimento armado, beton de cimento, novos processos!
Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos!
Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos!
Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
Amo-vos carnivoramente.
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
Ó coisas todas modernas,
Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!


Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks,
Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes -
Na minha mente turbulenta e encandescida
Possuo-vos como a uma mulher bela,
Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama,
Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima.


Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!
Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!
Eh-lá-hô recomposições ministeriais!
Parlamentos, políticas, relatores de orçamentos,
Orçamentos falsificados!
(Um orçamento é tão natural como uma árvore
E um parlamento tão belo como uma borboleta).


Eh-lá o interesse por tudo na vida,
Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nas montras
Até à noite ponte misteriosa entre os astros
E o mar antigo e solene, lavando as costas
E sendo misericordiosamente o mesmo
Que era quando Platão era realmente Platão
Na sua presença real e na sua carne com a alma dentro,
E falava com Aristóteles, que havia de não ser discípulo dele.


Eu podia morrer triturado por um motor
Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída.
Atirem-me para dentro das fornalhas!
Metam-me debaixo dos comboios!
Espanquem-me a bordo de navios!
Masoquismo através de maquinismos!
Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!


Up-lá hô jockey que ganhaste o Derby,
Morder entre dentes o teu cap de duas cores!


(Ser tão alto que não pudesse entrar por nenhuma porta!
Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!)


Eh-lá, eh-lá, eh-lá, catedrais!
Deixai-me partir a cabeça de encontro às vossas esquinas.


E ser levado da rua cheio de sangue
Sem ninguém saber quem eu sou!


Ó tramways, funiculares, metropolitanos,
Roçai-vos por mim até ao espasmo!
Hilla! hilla! hilla-hô!
Dai-me gargalhadas em plena cara,
Ó automóveis apinhados de pândegos e de...,
Ó multidões quotidianas nem alegres nem tristes das ruas,
Rio multicolor anónimo e onde eu me posso banhar como quereria!
Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas de tudo isto!
Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de dinheiro,
As dissensões domésticas, os deboches que não se suspeitam,
Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu quarto
E os gestos que faz quando ninguém pode ver!
Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva,
Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome
Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos
Em crispações absurdas em pleno meio das turbas
Nas ruas cheias de encontrões!


Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias
E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto belo e amo-o! -
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosamente gente humana que vive como os cães
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Nenhuma arte criada,
Nenhuma política destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!


(Na nora do quintal da minha casa
O burro anda à roda, anda à roda,
E o mistério do mundo é do tamanho disto.
Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.
A luz do sol abafa o silêncio das esferas
E havemos todos de morrer,
Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo,
Pinheirais onde a minha infância era outra coisa
Do que eu sou hoje...)


Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante!
Outra vez a obsessão movimentada dos ónibus.
E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os comboios
De todas as partes do mundo,
De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios,
Que a estas horas estão levantando ferro ou afastando-se das docas.
Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado!
Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores!


Eh-lá grandes desastres de comboios!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes transatlânticos!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,
Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões,
Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o fim,
A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,
E outro Sol no novo Horizonte!


Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto
Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,
Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?
Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento,
O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro,
O Momento estridentemente ruidoso e mecânico,
O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes
Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais.


Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar,
Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos,
Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar,
Engenhos brocas, máquinas rotativas!


Eia! eia! eia!
Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente!
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Eia! eia! eia!
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!
Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.
Engatam-me em todos os comboios.
Içam-me em todos os cais.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! eia-hô! eia!
Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!


Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!


Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!


Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-la! He-hô! H-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!


Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!


Álvaro de Campos


Álvaro de Campos

V - Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada


















Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.


Alberto Caeiro

Navegar é Preciso




















Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".

Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.

Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.


Fernando Pessoa

José




















E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, proptesta?
e agora, José?


Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?


E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?


Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?


Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você consasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!


Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?


Carlos Drummond de Andrade

O Maná da Vida




















num mar de dores te afogaste
não sabes tu, que são elas que te mantém
como uma energia, uma força do além
sacia tua sede nas lágrimas que escoaste


de teus olhos que em contraste
com o feio, se eterniza e brilha
como um nascer de um filho ou uma filha
são tesouro que por toda vida caçaste


não fuja da madureza
pois as dores estão em toda parte
e são símbolos da nobreza
que moldam o objeto de arte


até as rosas da pureza
tem espinhos em sua carne
para que o egoísmo da realeza
não revele em seu caule.


Henrique Rodrigues Soares - A Natureza das Coisas

Alma gentil, que à firme Eternidade


















Alma gentil, que à firme Eternidade
subiste clara e valerosamente,
cá durará de ti perpetuamente
a fama, a glória, o nome e a saudade.


Não sei se é mor espanto em tal idade
deixar de teu valor inveja à gente,
se um peito de diamante ou de serpente
fazeres que se mova a piedade.


Invejosas da tua acho mil sortes,
e a minha mais que todas invejosa,
pois ao teu mal o meu tanto igualaste.


Oh! ditoso morrer! sorte ditosa!
Pois o que não se alcança com mil sortes,
tu com üa só morte o alcançaste!


Luiz Vaz Camões

O Tempo seca o Amor

O tempo seca a beleza, seca o amor, seca as palavras. Deixa tudo solto, leve, desunido para sempre como as areias nas águas. O tempo seca a ...

Nos últimos 30 dias.