Morfina





















É grande a semelhança desses dois
jovens e belos vultos, muito embora
um pareça mais pálido e severo
ou, posso até dizer, bem mais distinto
do que o outro, o que, terno, me abraçava.
Havia em seu sorriso tanto afeto,
carinho e, nos seus olhos,tanta paz!
Ornada de papoulas, sua fronte
tocava a minha, às vezes – e seu raro
odor me dissipava a dor do espírito.
Tal alívio, porém , não dura. Eu só
hei de curar-me inteiramente quando
o irmão severo e pálido abaixar
a sua tocha. – O sono é bom; o sono
eterno, ainda melhor; mas certamente
o ideal seria nunca ter nascido.




Morphine

Groß ist die Ähnlichkeit der beiden schönen
Jünglingsgestalten, ob der eine gleich
Viel blässer als der andre, auch viel strenger,
Fast möcht ich sagen: viel vornehmer aussieht
Als jener andre, welcher mich vertraulich
In seine Arme schloß – Wie lieblich sanft
War dann sein Lächeln und sein Blick wie selig!
Dann mocht es wohl geschehn, daß seines Hauptes
Mohnblumenkranz auch meine Stirn berührte
Und seltsam duftend allen Schmerz verscheuchte
Aus meiner Seel` – Doch solche Linderung,
Sie dauert kurze Zeit; genesen gänzlich
Kann ich nur dann, wenn seine Fackel senkt
Der andre Bruder, der so ernst und bleich. –
Gut ist der Schlaf, der Tod ist besser – freilich
Das beste wäre, nie geboren sein.


Heinrich Heine Poesia Alheia, 124 Poemas Traduzidos, [Tradução e Organização] Nelson Ascher, Rio de Janeiro, Imago Ed., 1998, p. 276-277.

Canção Noturna do Andarilho















No alto das colinas
há paz;
não se houve, ali nos
frondes, mais
que um sopro manso.
Nem há no bosque um trino. Aguarda:
tampouco tarda
o teu descanso.



Wanderers Nachtlied

Über allen Gipfeln
Ist Ruh
In allen Wipfeln
Spürest du
Kaum einen Hauch:
Die Vögelein schweigen im Walde.
Warte nur, balde
Ruhest du auch.


Johann Wolfgang von Goethe Poesia Alheia, 124 Poemas Traduzidos, [Tradução e Organização] Nelson Ascher, Rio de Janeiro, Imago Ed., 1998, p. 270-271

Ao Sol
















Mais belo que a notável lua e sua nobre luz
Mais belo que as estrelas, as insígnias célebres da noite,
Muito mais belo que a irrupção em chamas de um cometa
E eleito para algo mais belo que outro astro qualquer,
Pois minha e tua vida a ele estão ligadas dia a dia, é o sol.

Belo sol que, ao se erguer, não esqueceu suas tarefas
E as cumpre ainda com mais beleza no verão quando, na costa,
Um dia se evapora e, refletidas sem esforço, as velas passam
Pelo teu olho até que te fatigues e abrevies a derradeira.

Sem o sol mesmo a arte volta a pôr o véu,
Não me apareces mais e, vergastados pelas sombras,
Areia e mar abrigam-se sob minha pálpebra.

Bela luz que nos dá calor, nos guarda e propicia esse prodígio
Que é novamente ver e ter rever.
Não mais belo sob o sol do que estar sob o sol...

Nada mais belo do que ver a haste na água e, rio alto, o pássaro
Ponderando seu vôo e, embaixo, os peixes em cardumes
de muitas cores, multiformes e trazidos num jato de luz ao mundo,
Ver a circunferência, o quadrilátero de um campo, ângulos mil do meu país
E o vestido que vestes. Teu vestido azul em forma de campânula.

Tão belo azul no qual pavões, passeando, fazem reverências,
Azul dos longes, de regiões felizes que têm climas para meus humores,
Azulíssimo acaso no horizonte. E, arrebatados, os meus olhos
dilatam-se outra vez e piscam e ardem doloridos.

Belo sol que merece a ilimitada admiração do próprio pó,
Por isto e não devido à lua ou às estrelas nem à noite Que, procurando me fazer de tola, ostenta seus cometas,
Mas sim por tua causa e, em breve sem cessar, que em torno de mais nada,
Lamentarei a perda inevitável dos meus olhos.



An die Sonne

Schöner als der beachtliche Mond und sein geadeltes Licht,
Schöner als die Sterne, die berühmten Orden der Nacht,
Viel schöner als der feurige Auftritt eines Kometen
Und zu weit Schönrem berufen als jedes andre Gestirn,
Weil dein und mein Leben jeden Tag an ihr hängt, ist die Sonne.

Schöne Sonne, die aufgeht, ihr Werk nicht vergessen hat
Und beendet, am schönsten im Sommer, wenn ein Tag
An den Küsten verdampft und ohne Kraft gespiegelt die Segel
Über dein Aug ziehn, bis du müde wirst und das letzte verkürzt.

Ohne die Sonne nimmt auch die Kunst wieder den Schleier,
Du erscheinst mir nicht mehr, und die See und der Sand,
Von Schatten gepeitscht, fliehen unter mein Lid.

Schönes Licht, das uns warm hält, bewahrt und wunderbar sorgt,
Daß ich wieder sehe und daß ich dich wiedersehet.
Nicht Schönres unter der Sonne als unter der Sonne zu sein…

Nicht Schönres als den Stab im Wasser zu sehn und den Vogeloben,
Der seinen Flug überlegt, und unten die Fische im Schwarm,
Gefärbt, geformt, in die Welt gekommen mit einer Sendung von Licht,
Und den Umkreis zu sehn, das Geviert eines Felds, das Tausendeck meines Lands
Und das Kleid, das du angetan hast. Und dein Kleid, glockig und blau!

Schönes Blau, in dem die Pfauen spazieren und sich verneigen,
Blau der Fernen, der Zonen des Glücks mit den Wettern für mein Gefühl,
Blauer Zufall am Horizont! Und meine begeisterten Augen
Weiten sich wieder und blinken und brennen sich wund.

Schöne Sonne, der vom Staub noch die größte Bewundrung gebührt,
Drum werde ich nicht wegen dem Mond und den Sternen und nicht,
Weil die Nacht mit Kometen prahlt und in mir einen Narren sucht,
Sondern deinetwegen und bald endlos und wie um nichts sonst
Klage führen über den unabwendbaren Verlust meiner Augen.


Ingeborg Bachmann – Nelson Ascher Poesia Alheia, 124 Poemas Traduzidos, [Tradução e Organização] Nelson Ascher, Rio de Janeiro, Imago Ed., 1998, p. 302-305.

Elegias Romanas, 1













Dizei-me, pedras, respondei-me, altos palácios!
Falai-me ruas! Génio, manifesta-te!
Tudo está vivo em teus sagrados muros, Roma
eterna – é frente a mim só que se cala?
Alguém revele-me a janela à qual verei
a bela cujo fogo me refresque
e a rota em que, a caminho dela ou regressando,
hei sempre de perder horas preciosas!
Visito ainda pilar, palácio, igreja e ruínas,
sisudo como quem viaja a sério.
Mas não por muito; haverá logo um templo apenas
– Templo de Amor –aberto ao iniciado.
Roma, és um mundo, sim; mas, sem amor, nem mesmo
seria mundo o mundo; ou Roma, Roma.




Römische Elegien, 1

Saget, Steine, mir an, o sprecht, ihr hohen Paläste!
Straßen, redet ein Wort! Genius, regst du dich nicht?
Ja, es ist Alles beseelt in deinen heiligen Mauern,
Ewige Roma; nur mir schweiget noch Alles so still.
O! wer flüstert mir zu, an welchem Fenster erblick' ich
Einst das holde Geschöpf, das mich versengend erquickt?
Ahn ich die Wege noch nicht, durch die ich immer und immer,
Zu ihr und von ihr zu gehn, opfre die köstliche Zeit?
Noch Betracht' ich Kirch' und Palast, Ruinen und Säulen,
Wie ein bedächtiger Mann schclich die Reise benutzt.
Doch bald ist es vorbei; dann wird ein einziger Tempel,
Amors Tempel nur sein, der den Geweihten empfängt.
Eine Welt zwar bist du, o rom; doch ohne die Liebe
Wäre die Welt nicht die Welt, wäre denn Rom auch nicht Rom.



Johann Wolfgang von Goethe Poesia Alheia, 124 Poemas Traduzidos, [Tradução e Organização] Nelson Ascher, Rio de Janeiro, Imago Ed., 1998, p. 52-53.

Aos que vão nascer

















1
É verdade, eu vivo em tempos negros.
Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas
Indica insensibilidade. Aquele que ri
Apenas não recebeu ainda
A terrível notícia.

Que tempos são esses, em que
Falar de árvores é quase um crime
Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades?
Aquele que atravessa a rua tranqüilo
Não está mais ao alcance de seus amigos
Necessitados?

Sim, ainda ganho meu sustento
Mas acreditem: é puro acaso. Nado do que faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Me dá direito a comer a fartar.
Por acaso fui poupado. (Se minha sorte acaba, estou perdido.)

As pessoas me dizem: Coma e beba! Alegre-se porque tem!
Mas como posso comer e beber, se
Tiro o que como ao que tem fome
E meu copo d`água falta ao quem tem sede?
E no entanto eu como e bebo.

Eu bem gostaria de ser sábio.
Nos velhos livros se encontra o que é a sabedoria:
Manter-se afastado da luta do mundo e a vida breve
Levar sem medo
E passar sem violência
Pagar o mal com o bem

Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los
Isto é sábio.
Nada disso sei fazer:
É verdade, eu vivo em tempos negros.

2
À cidade cheguei em tempo de desordem
Quando reinava a fome.
Entre os homens cheguei em tempo de tumulto
E me revoltei junto com eles.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.

A comida comi entre as batalhas
Deitei-me para dormir entre os assassinos
Do amor cuidei displicente
E impaciente contemplei a natureza.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.

As ruas de meu tempo conduziam ao pântano.
A linguagem denunciou-me ao carrasco.
Eu pouco podiam fazer. Mas os que estavam por cima
Estariam melhor sem mim, disso tive esperança.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.

As forças eram mínimas. A meta
Estava bem distante.
Era bem visível, embora para mim
Quase inatingível.
Assim passou o tempo
Que nesta terra me foi dado.

3

Vocês, que emergirão do dilúvio
Em que afundamos
Pensem
Quando falarem de nossas fraquezas
Também nos tempos negros
De que escaparam.
Andávamos então, trocando de países como de sandálias
Através das lutas de classes, desesperados
Quando havia só injustiça e nenhuma revolta.

Entretanto sabemos:
Também o ódio à baixeza
Deforma as feições.
Também a ira pela injustiça
Torna a voz rouca. Ah, e nós
Que queríamos preparar o chão para o amor
Não pudemos nós mesmos ser amigos.

Mas vocês, quando chegar o momento
Do homem ser parceiro do homem
Pensem em nós
Com simpatia.




An die Nachgeborenen

I
Wirklich, ich lebe in finsteren Zeiten!
Das arglose Wort ist töricht. Eine glatte Stirn
Deutet auf Unempfindlichkeit hin. Der Lachende
Hat die furchtbare Nachricht
Nur noch nicht empfangen.

Was sind das für Zeiten, wo
Ein Gespräch über Bäume fast ein Verbrechen ist.
Weil es ein Schweigen über so viele Untaten einschließt!
Der dort ruhig über die Straße geht
Ist wohl nicht mehr erreichbar für seine Freunde
Die in Not sind?

Es ist wahr: ich verdiene noch meinen Unterhalt
Aber glaubt mir: das ist nur ein Zufall. Nichts
Von dem, was ich tue, berechtigt mich dazu, mich sattzuessen.
Zufällig bin ich verschont. (Wenn mein Glück aussetzt, bin ich verloren.)

Man sagt mir: iß und trink du! Sei froh, daß du hast!
Aber wie kann ich essen und trinken, wenn
Ich dem Hungernden entreiße, was ich esse, und
Mein Glas Wasser einem Verdurstenden fehlt?
Und doch esse und trinke ich.

Ich wäre gerne auch weise.
In den alten Büchern steht, was weise ist:
Sich aus dem Streit der Welt halten und die kurze Zeit
Ohne Furcht verbringen
Auch ohne Gewalt auskommen
Böses mit Gutem vergelten

Seine Wünsche nicht erfüllen, sondern vergessen
Gilt für weise.
Alles das kann ich nicht:
Wirklich, ich lebe in finsteren Zeiten!

II
In die Städte kam ich zur Zeit der Unordnung
Als da Hunger herrschte.
Unter die Menschen kam ich zu der Zeit des Aufruhrs
Und ich empörte mich mit ihnen.
So verging meine Zeit
Die auf Erden mir gegeben war.

Mein Essen aß ich zwischen den Schlachten
Schlafen legte ich mich unter die Mörder
Der Liebe pflegte ich achtlos
Und die Natur sah ich ohne Geduld.
So verging meine Zeit
Die auf Erden mir gegeben war.

Die Straßen führten in den Sumpf zu meiner Zeit.
Die Sprache verriet mich dem Schlächter.
Ich vermochte nur wenig. Aber die Herrschenden
Saßen ohne mich sicherer, das hoffte ich.
So verging meine Zeit
Die auf Erden mir gegeben war.

Die Kräfte waren gering. Das Ziel
Lag in großer Ferne
Es war deutlich sichtbar, wenn auch für mich
Kaum zu erreichen.
So verging meine Zeit
Die auf Erden mir gegeben war.

III
Ihr, die ihr auftauchen werdet aus der Flut
In der wir untergegangen sind
Gedenkt
Wenn ihr von unseren Schwächen sprecht
Auch der finsteren Zeit
Der ihr entronnen seid.
Gingen wir doch, öfter als die Schuhe die Länder wechselnd
Durch die Kriege der Klassen, verzweifelt
Wenn da nur Unrecht war und keine Empörung.

Dabei wissen wir doch:
Auch der Haß gegen die Niedrigkeit
verzerrt die Züge.
Auch der Zorn über das Unrecht
Macht die Stimme heiser. Ach, wir
Die wir den Boden bereiten wollten für Freundlichkeit
Konnten selber nicht freundlich sein.

Ihr aber, wenn es so weit sein wird
Daß der Mensch dem Menschen ein Helfer ist
Gedenkt unserer
Mit Nachsicht.



Poemas 1913-1956, Bertolt Brecht, [seleção e tradução de Paulo César de Souza], Sâo Paulo, Editora 34, 2000, p. 212-214.

















Mais que tua mão
tua alma me conduzia
pelo verde das relvas
era um dia
para misturar-me a ti
na pura sinergia das horas
deitei-me tão calma
buscando o sentido do teu amar
enquanto procedias
ao ritual sacro:
lavava-me com fragmentos
das águas de um riacho.
beijava-me docemente
as falhas e os erros
soprava-me que o amor
pousa na simplicidade
e que tu já estavas em mim.
meu corpo, revolução e torvelinho,
rompia o frêmito do momento
do teu toque
com lágrimas nuas,
transparentes de afeto.
abri os olhos e não te tive ao alcance
Mas tua voz embalou-me o corpo
com detalhes e arrepio
por entre as árvores
de longe
ouvi tua fome berrar o meu nome.


Paula Beatriz Albuquerque

Soneto


















De chumbo eram somente dez soldados,
plantados entre a Pérsia e o sono fundo,
e com certeza o espaço dessa mesa
era maior que o diâmetro do mundo.

Aconchego de montanhas matutinas
com degraus desenhados pelo vento;
mas na lisa planície da alegria
corre o rio feroz do esquecimento.

Meninos e manhãs, densas lembranças
que o tempo contamina até o osso,
fazendo da memória um balde cego

vazando no negrume do meu poço.
Pouco a pouco vão sendo derrubados
as manhãs, os meninos e os soldados.


Antônio Carlos Secchin

Eu, Etiqueta


Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comparo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam
e cada gesto, cada olhar
cada vinco da roupa
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrine me tiram, recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.


Carlos Drummond de Andrade

“Quando eu te desposar...”























Quando eu te desposar, teus dias
Serão dignos de invejas;
Desfrutarás mil alegrias
E ociosidade régia.

Hei de perdoar-te mau humor,
E queixas mas – é claro –
Se não cobrires de louvor
Meu verso, eu me separo.




“Und bist du erst mein ehlich Weib…”

Und bist du erst mein ehlich Weib,
Dann bist du zu beneiden,
Dann lebst du in lauter Zeitvertreib,
In lauter Pläsier und Freuden.

Und wenn du schiltst und wenn du tobst,
Ich werd` es geduldig leiden;
Doch wenn du meine Verse nicht lobst,
Laß ich mich von dir scheiden.



Heinrich Heine Poesia Alheia, 124 Poemas Traduzidos, [Tradução e Organização] Nelson Ascher, Rio de Janeiro, Imago Ed., 1998, p. 274-275.

O Que é a Verdade?















Estamos perdidos ao encontrar tantas verdades
Que nos explicam tudo sem autenticidade
Nas ruínas de um racionalismo desconhecido
Caminhamos para um futuro indefinido.


No escrutínio de oráculos das deidades
Nas verdades fabricadas por entidades
Continuo sem saber por que fui concebido
Para onde vou quando falecido


Respostas filosóficas que não formam identidade
Certezas teológicas que não suprem necessidades
O que é real?  No que acredito?  No que tenho crido?


Alegoria platônica, vida de sombras e obscuridade.
Fantasias, códigos, sinais!  Acordado ou adormecido?
Livre ou escravo?  Insano ou submetido?



Henrique Rodrigues Soares – O que é a Verdade?

Amor em Braile

















Você que se juntou à multidão
só pra subestimar os meus sentidos
Você desafiou, fez desaforo
e eu tive que deixar meu faro ativo

Com você fiz teste cego
Consciente, abdiquei dos olhos
Te lia então com os meus dedos
Na geografia da tua forma

A métrica do teu sorriso
encaixa perfeito no verso
O cheiro se fez possuído
no teu perfume que detecto

O lábio era prova final
Tão sã a textura da boca
Bem antes do beijo fatal
Bem antes do cair da roupa

Só com o teu sussurro
e o frescor do hálito
descobri seus hábitos
e o tipo sanguíneo

Teu DNA e teu dono
Te conheço como a minha palma
A mão deste amor em braile
chega até tocar tua alma

O que eles chamam de olhos
Eu chamo de meros detalhes


Alan Salgueiro

Dia de outono















Senhor, foi um verão imenso: é hora.
Estende as tuas sombras nos relógios
de sol e solta os ventos prado afora.

Instiga a sazonarem, com dois dias
a mais de sul, as frutas que, tardias,
conduzes rumo à plenitude, e apura,
no vinho denso, a última doçura.

Quem não tem lar já não terá; quem mora
sozinho há de velar e ler sozinho,
escrever longas cartas e, a caminho
de nada, há de trilhar ruas agora,
enquanto as folhas caem em torvelinho



Herbsttag

Herr: es ist Zeit. Der Sommer war sehr groß.
Leg deinen Schatten auf die Sonnenuhren,
und auf den Fluren laß die Winde los.

Befiel den letzten Früchten voll zu sein;
gib ihnen noch zwei südlichere Tage,
dränge sie zur Vollendung hin und jage
die letzte Süße in den schweren Wein.

Wer jetzt kein Haus hat, baut sich keines mehr.
Wer jetzt allein ist, wird es lange bleiben,
wird wachen, lesen, lange Briefe schreiben
und wird in den Alleen hin und her
unruhig wandern, wenn die Blätter treiben.


Rainer Maria Rilke – Tradução Nelson Ascher

A canção do cego























Sou cego – escutem – é uma maldição,
um contrassenso, uma contradição,
não é uma doença qualquer.
Eu ponho a mão no braço da mulher,
minha mão cinzenta no seu cinza gris,
e ela só me leva para onde eu não quis.

Vocês andam, volteiam e gostam de pensar
que fazem um som diferente em seu andar,
mas estão errados: eu sozinho
vivo e vozeio o vazio.
Trago comigo um grito sem fim
e não sei se é a alma ou são as entranhas
o que grita em mim.

Já cantaram esta canção? Ninguém o saberia,
ao menos não com este acento.
Para vocês uma luz nova todo dia
vem e aquece o claro aposento.
E de olhar a olhar passa aquela energia
que induz à indulgencia e ao alento.



Das Lied des Blinden

Ich bin blind, ihr draußen, das ist ein Fluch,
ein Widerwillen, ein Widerspruch,
etwas täglich Schweres.
Ich leg meine Hand auf den Arm der Frau,
meine graue Hand auf ihr graues Grau,
und sie führt mich durch lauter Leeres.

Ihr rührt euch und rückt und bildet euch ein
anders zu klingen als Stein auf Stein,
aber ihr irrt euch: ich allein
lebe und leide und lärme.
In mir ist ein endloses Schrein
und ich weiß nicht, schreit mir mein
Herz oder meine Gedärme.

Erkennt ihr die Lieder? Ihr sanget sie nicht,
ganz in dieser Betonung.
Euch kommt jeden Morgen das neue Licht
warm in die offene Wohnung.
Und ihr habt ein Gefühl von Gesicht zu Gesicht
und das verleitet zur Schonung.


Rainer Maria Rilke, em "O livro de imagens"(Paris, 12.6.1906). In: CAMPOS, Augusto de (organização e tradução). Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2013, p. 70-71.

A canção do mendigo























Vou indo de porta em porta,
ao sol e à chuva, não importa;
de repente descanso o meu ouvido
direito em minha mão direita:
minha voz me soa imperfeita,
como se nunca a tivesse ouvido.

E já nem sei quem clama em meus ais,
eu ou outra pessoa.
Eu clamo por qualquer coisa à toa.
Os poetas clamam por mais.

Com os olhos eu fecho o meu rosto
e minha mão lhe serve de encosto;
de modo que ele pareça
descansar. Para que não se esqueça
que eu também tenho um posto
para pousar a cabeça.



Das Lied des Bettlers

Ich gehe immer von Tor zu Tor,
verregnet und verbrannt;
auf einmal leg ich mein rechtes Ohr
in meine rechte Hand.
Dann kommt mir meine Stimme vor
als hätt ich sie nie gekannt.

Dann weiß ich nicht sicher wer da schreit,
ich oder irgendwer.
Ich schreie um eine Kleinigkeit.
Die Dichter schrein um mehr.

Und endlich mach ich noch mein Gesicht
mit beiden Augen zu;
wie's dann in der Hand liegt mit seinem Gewicht
sieht es fast aus wie Ruh.
Damit sie nicht meinen ich hätte nicht,
wohin ich mein Haupt tu.



Rainer Maria Rilke, em "O livro de imagens"(Paris, 12.6.1906). In: CAMPOS, Augusto de (organização e tradução). Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2013, p. 68-69.

NA SALA DE FRACASSOS
















Na sala de fracassos
todas as derrotas são expostas
como feridas em vitrines
servidas com taças de vinho amargo

Todos os triunfos ao contrário
as datas fatídicas
as lágrimas caídas
gravadas nas placas

Todas as fraquezas
empilhadas
reluzentes
relembradas

Todas as medalhas
para os peitos alvejados
Toda batalha de guerra
perdida

Todas as cobranças
e frustrações
e exigências
por todos os títulos

Toda volta olímpica
impecável
dentro do buraco

Todo desapego
que apregoo
e me faz inútil



Alan Salgueiro

Estão enferrujados


















Estão enferrujados
o ferro e a solidão,
o jugo com sua casa,
o medo e a noite vasta,
porém o sonho não.


Estão enferrujadas
a morte e sua aljava,
a faca sob a toca,
porém, o braço não:
quando se ergue, corta.



Carlos Nejar

Em que emprego o meu tempo?




















Em que emprego o meu tempo? Vou e venho,
Sem dar conta de mim nem dos pastores,
Que deixam de cantar os seus amores,
Quando passo e lhes mostro a dor que tenho.

É de tristezas o torrão que amanho,
Amasso o negro pão com dissabores,
Em ribeiros de pranto pesco dores,
E guardo de saudades um rebanho.

Meu coração à doce paz resiste,
E, embora fiqueis crendo que motejo,
Alegre vivo por viver tão triste!

Amor se mostra nesta dor que abrigo:
Quero triste viver, pois vos não vejo,
Nem sequer muito ao longe vos lobrigo.



Eugénio de Castro, in 'Depois da Ceifa'

Sobre os desenganos














Desenganos da vida! Se eue ouvia
falar, outrora, nos seus negros danos,
enfadado exclamava: “Ora! mania,
que a muitos vem com o desfiar dos anos!”

A minha nau, porém, abrindo os panos,
lançou-se ao largo mar com galhardia.
E logo pude ver que os desenganos
são mais cruéis do que eu pensei um dia.

Hoje, as lamentações, que ouvi outrora
com profano desdém, causam-me espanto:
o humano coração bem pouco chora!

Quão fracamente seu queixume exala!
quanto resiste, em seu calvário! E quanto
é desgraçado, porque não estala!


Amadeu Amaral

Mar Sonoro





















Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que suponho
Seres um milagre criado só para mim.


Sophia de Mello Breyner Andresen

Secaram o corpo

















Secaram o corpo
que o sangue reveste;
secaram o corpo,
A idéia não secam.

É árida e dura
no cérebro fértil;
secaram os gestos,
a idéia não secam.

É híspida e crua,
de lance inflexível;
a guerra lhe fura
o peito e a figura.

A idéia perdura
no sangue mais pura;
secaram os gestos,
a idéia não secam.

Secaram-lhe os músculos
no cárcere injusto;
secaram-lhe a vida,
secaram-lhe tudo.

A idéia não secam
e brota do mundo.


Carlos Nejar

Meditação
















Abra a janela,
a vida não passa lá fora,
medita,
a eternidade é agora,
nada se modifica,
a vida não passa,
você é quem passa,
ela fica!


Ivone Boechat

DESEJO DESMEDIDO






















Todo querer vem de golfadas de paixão
de alguém que está aprendendo
ou quiçá em desespero
que sabe que não sabe
e ousa
e usa isso como expressão

Tudo que eu quero muito
dito dessa forma
metafórica, poética, imprecisa
sem sentido
verborrágica
ou ainda sem palavras

Tudo que eu quero tanto
Desejos que eclodem dos olhos
Gatilhos que quebram expectativas
Transitam no conflito
Centelha
pra habitar todas as fronteiras

Só o desejo não é pouco
Nunca houve tanto acesso
Somos tão Renascentistas
com desejos desmedidos

Tudo que eu quero mundo!


Alan Salgueiro

Toda Linguagem


















Toda linguagem
é vertigem,
farsa, verso fingido
no desígnio do signo
que me cria, ao criá-lo.
O que faço, o que desmonto,
são imagens corroídas,
ruínas de linguagem,
vozes avaras e mentidas.
O que eu calo e o que não digo
atropelam meu percurso.
Respiro o espaço
fraturado pela fala
e me deponho, inverso,
no subsolo do discurso.


Antônio Carlos Secchin

Mulher


Um aroma suave
exalou das mãos do Criador,
quando seus olhos contemplaram
a solidão do homem no Jardim!

Foi assim:
o Senhor desenhou
o ser gracioso, meigo e forte,
que Sua imaginação perfeita produziu.
Um novo milagre:
fez-se carne,
fez-se bela,
fez-se amor,
fez-se na verdade como Ele quer!
O homem colheu a flor,
beijou-a, com ternura,
chamando-a, simplesmente,

Mulher!



Ivone Boechat

Desencanto


E na tarde que foge
Ao correr vou buscá-la.
Contar-lhe todos meus sonhos
pedir sorrisos ao beijá-la.

Mas. . . silenciosa ela zomba
nem me estende suas mãos,
. . . já é fruto de sombra!

Quero luz! não sua morte.
Mas tão lenta e tão triste
. . . já pressente sua sorte.

Lá vai ela. . . pobre tarde
carregada em soluços.
Traz nas cores tantos mundos
. . . de um só mundo que parte!


Alvina Tzovenos

Conflito















A luta com a palavra
É constante conflito

Sangra-se
Inspira-se
Transpira-se

O poeta morre e renasce
Na correnteza do tempo.

Transmuta




Carlos Orfeu

Poema da devastação
















Há uma devastação
nas coisas e nos seres,
como se algum vulcão
abrisse as sobrancelhas
e ali, sobre esse chão,
pousassem as inteiras
angústias, solidões,
passados desesperos
e toda a condição
de homem sem soleira,
ventura tão curta,
punição extrema.

Há uma devastação
nas águas e nos seres;
os peixes, com seus viços,
revolvem-se no umbigo
deste vulcão de escamas.

Há uma devastação
nas plantas e nos seres;
o homem recurvado
com a pálpebra nos joelhos.
As lavas soprarão,
enquanto nós vivermos.


Carlos Nejar

Aos senhores da ocasião e da guerra


























A vós, que me despejastes
nesta loucura sem telhas
e neste chão de desastres,
acaso devo ajoelhar-me
e bendizer as cadeias ?

E ser aquele que acata
as ordens e ser aquele,
apaziguado e cordado,
preso às aranhas e às teias.

Levando o sim em uma das mãos
e o não noutra, rastejante
aos senhores da ocasião
e da guerra. Ser no chão,
o inseto e sua caverna ?

Corrente serei
no recuo das águas.
Resina aos frutos do exílio.
Espúrio entre as bodas.
Resíduo.

Até poder elevar-me
com a força de outras asas,
para os meus próprios lugares.

A vós, que me despejastes
nesta loucura sem telhas
e neste chão de desastres,
com a resistência das penas,
aceitarei o combate.


Carlos Nejar

regresso aos teus braços
tal qual fluxo marinho,
que sedento e com frio,
se deixa embeber
pela saudade da areia.
Tu me absorves as lacunas do tempo,
em busca de colo e lençol
para embalar memórias doídas.
Mas tu és o meu ninho.
com o sopro dos teus gestos,
eu, dente de leão,
me refaço ao léu,
lá onde nasce o riacho
do infinito. Me banho de ti.
lembro dos olhares
repletos de beijos.
Respiro a placidez de tuas broncas
como a dor da falta de fôlego
por amar até tuas cobranças.
suspiro uma pontada lancinante do teu som
é saudade de cada detalhe
das tuas imperfeições.
Teus retornos não têm partidas
Entendi que deixas teu coração
sempre pousado em meus ombros.
Voe com minha cor.


Paula Beatriz Albuquerque

Arte Poética





















Faço poema às vezes com a displicência
de um risco sem figura,
como a preguiça de um gesto
sem destino,
às vezes como o adormecimento
no mormaço,
como o tremor de uma lágrima
de espanto;
faço poema às vezes como a faina
de colher flores, de passar os dedos
nas águas, de voltar-me
por não ver nada mais do que sonhava;
faço poema às vezes como a máquina
registra, como o dedo segue
a linha da leitura, como a força
invisível de virar
a página de um livro casual;
mas às vezes faço poema como erguendo
um punhal contra a rosa, ou contra mim,
como quem morre e resiste e quer morrer
assim
faço poema, às vezes.
Faço poema sempre como vivo.


Walmir Ayala
Publicado no livro Poemas da Paixão (1967). Poema integrante da série Sangue na Boca.

In: AYALA, Walmir. Poesia revisada. Rio de Janeiro: Olímpica; Brasília: INL, 1972. p.34

Cidade Maravilhosa








Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa
Coração do meu Brasil
Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa
Coração do meu Brasil
Berço do samba e de lindas canções
Que vivem n'alma da gente
És o altar dos nossos corações
Que cantam alegremente
Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa
Coração do meu Brasil
Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa
Coração do meu Brasil
Jardim florido de amor e saudade
Terra que a todos seduz
Que Deus te cubra de felicidade
Ninho de sonho e de luz
Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa
Coração do meu Brasil
Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa
Coração do meu Brasil

André Filho

O Tempo seca o Amor

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