Ideia de Deus















À voz de Jeová infindos mundos 
Se formaram do nada; 
Rasgou-se o horror das trevas, fez-se o dia, 
E a noite foi criada, 

Luziu no espaço a lua! 
Sobre a terra 
Rouqueja o mar raivoso, 
E as esferas nos céus ergueram hinos
Ao Deus prodigioso 

Hino de amar a criação, que soa 
Eternal, incessante, 
Da noite no remanso, no ruído 
Do dia cintilante! 

A morte, as aflições, o espaço, o tempo, 
O que é para o Senhor? 
Eterno, imenso, que lh’importa a sanha 
Do tempo roedor? 

Como um raio de luz, percorre o espaço, 
E tudo nota e vê – 
O argueiro, os mundos, o universo, o justo; 
E o homem que não crê. 

E Ele que pode aniquilar os mundos, 
Tão forte como Ele é, 
E vê e passa, e não castiga o crime, 
Nem o ímpio sem fé!

Porém quando corrupto um povo inteiro 
O Nome seu maldiz, 
Quando só vive de vingança e roubos, 
Julgando-se feliz; 

Quando o ímpio comanda, quando o justo 
Sofre as penas do mal, 
E as virgens sem pudor, e as mães sem honra. 
E a justiça venal; 

Ai da perversa, da nação maldita, 
Cheia de ingratidão, 
Que há de ela mesma sujeitar seu colo 
A justa punição. 

Ou já terrível peste expande as asas, 
Bem lenta a esvoaçar; 
Vai de uns a outros, dos festins conviva, 
Hóspede em todo o lar! 

Ou já torvo rugir da guerra acesa 
Espalha a confusão; 
E a esposa, e a filha, de tenor opresso, 
Não sente o coração. 

E o pai, e o esposo, no morrer cruento, 
Vomita o fel raivoso; - 
Milhões de insetos vis que um pé gigante 
Enterra em chão lodoso. 

E do povo corrupto um povo nasce 
Esperançoso e crente. 
Como do podre e carunchoso tronco 
Hástea forte e virente. 


II 
Oh! Como é grande o Senhor Deus, que os mundos 
Equilibra nos ares; 
Que vai do abismo aos céus, que susta as iras 
Do pélago fremente, 
A cujo sopro a máquina estrelada 
Vacila nos seus eixos, 
A cujo aceno os querubins se movem 
Humildes, respeitosos, 
Cujo poder, que é sem igual, excede 
A hipérbole arrojada! 
Oh! Como é grande o Senhor Deus dos mundos, 
O Senhor dos prodígios. 


III 
Ele mandou que o sol fosse princípio, 
E razão de existência, 
Que fosse a luz dos homens – olho eterno 
Da sua providência. 

Mandou que a chuva refrescasse os membros, 
Refizesse o vigor 
Da terra hiante, do animal cansado 
Em praino abrasador. 

Mandou que a brisa sussurrasse amiga, 
Roubando aroma à flor; 
Que os rochedos tivessem longa vida, 
E os homens grato amor! 

Oh! Como é grande e bom o Deus que manda 
Um sonho ao desgraçado, 
Que vive agro viver entre misérias, 
De ferros rodeado; 

O Deus que manda ao infeliz que espere 
Na sua providência; 
Que o justo durma, descansado e forte 
Na sua consciência! 

Que o assassino de contínuo vele, 
Que trema de morrer; 
Enquanto lá nos céus, o que foi morto, 
Desfruta outro viver! 

Oh! Como é grande o Senhor Deus, que rege 
A máquina estrelada, 
Que ao triste dá prazer; descanso e vida 
À mente atribulada!


Gonçalves Dias

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