Amo as horas noturnas























Amo as horas noturnas do meu ser em
que se me aprofundam os sentidos;
nelas fui eu achar, como em cartas velhíssimas,
já vivida a vida dos meus dias
e como lenda longínqua e superada.

Delas eu aprendi que tenho espaço
para uma segunda vida, vasta e sem tempo.

E por vezes me sinto como a árvore
que, madura e rumorosa, sobre uma campa
realiza o sonho que o menino foi
(em volta do qual apertam suas raízes quentes)
e perdeu em tristezas e canções.


Em alemão:

Ich liebe meines Wesens Dunkelstunden


Ich liebe meines Wesens Dunkelstunden,
in welchen meine Sinne sich vertiefen;
in ihnen hab ich, wie in alten Briefen,
mein täglich Leben schon gelebt gefunden
und wie Legende weit und überwunden.

Aus ihnen kommt mir Wissen, daß ich Raum
zu einem zweiten zeitlos breiten Leben habe.

Und manchmal bin ich wie der Baum,
der, reif und rauschend, über einem Grabe
den Traum erfüllt, den der vergangne Knabe
(um den sich seine warmen Wurzeln drängen)
verlor in Traurigkeiten und Gesängen.


Rainer Maria Rilke, 
em "Poemas, As elegias de Duíno e Sonetos a Orfeu". [tradução Paulo Quintela]. Lisboa: Edições Asa, 2001.

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