Soneto XXXVI












Deixa-me confessar que devemos ser iguais,
Embora nossos amores indivisos sejam um;
Da mesma forma que as manchas que ficam comigo,
Sem teu auxílio, para que eu as suporte sozinho.

Em nossos amores, há o mesmo respeito,
Embora em nossas vidas o mal nos separe,
Que, mesmo sem alterar os efeitos únicos do amor,
Consegue subtrair doces horas do amoroso prazer.

Eu jamais poderia te reconhecer,
A menos que minha culpa te envergonhe;
Nem tu publicamente com gentilezas me honrarias,
A menos que tire essa honra de teu nome.

Mas não faças isso; amo-te de tal modo,
Pois, sendo minha, de ti só direi o bem.


Sonnet

Let me confess that we two must be twain,
Although our undivided loves are one:
So shall those blots that do with me remain,
Without thy help, by me be borne alone.

In our two loves there is but one respect,
Though in our lives a separable spite,
Which though it alter not love's sole effect,
Yet doth it steal sweet hours from love's delight.

I may not evermore acknowledge thee,
Lest my bewailed guilt should do thee shame,
Nor thou with public kindness honour me,
Unless thou take that honour from thy name:

But do not so, I love thee in such sort,
As thou being mine, mine is thy good report.

William Shakespeare - Tradução de Thereza Christina Rocque da Motta.

Ausência
















Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num País sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Tempo acabado


















Castelos do tempo, calabouço da dor
A poeira fina e cinza
Adentra ao peito como orvalho da manhã
Da mais fria e deletéria manhã
Já não me faz bem olhar adiante
Pois no passado encontro a resposta
Ela sempre esteve lá!
Por entre ruínas úmidas e tristes
Luz medrosa e tímida aparece
Como gume de espada polida
Que rasga a retina acostumada à escuridão
E soca o peito pálido
Parcialmente coberto por trapos encardidos
Pobre vassalo do tempo
Que vive o tempo
Habita o tempo
Até que não haja mais o que contar
Pois não há mais a quem contar
Tudo se foi
Tudo acabou


Charles de Campos

A paleta do poeta

















Tortura do desenho! Horas a fio,
seguindo o risco ideal de um vivo traço
que está dentro de mim, faço e desfaço,
e sinto-o cada vez mais fugidio...

A cor e a luz! Encher de vida o espaço
nu da tela, retângulo vazio,
sol interior que o visionário viu
e o pincel torna cada vez mais baço...

Fecho os olhos; no escuro tumultua
todo um formigamento furta-cor:
arco-íris, aureolado astro violeta...

E tudo o que eu não pus na tela nua
vejo-o de novo em luz, em linha, em cor,
nas manchas coloridas da paleta!

Augusto Meyer, em “Poesias (1922-1955)". Rio de Janeiro: Livraria São José, 1957.

Calmaria















Água estagnada
nuvem parada,
folha perdida,
pássaro de asa
partida.

¾ Ó vento que morreis,
de leve, de leve,
despertai!

Luz que se apaga,
sombra diluída,
névoa que vaga,
voz que se cala,
ferida.

¾ Ó voz que adormeceis
de manso, de manso,
gritai, gritai!

Tímida esperança,
pálido desejo:
a tarde tão mansa,
tão lânguida a noite
que vem.

¾ Ó alma náufraga,
como tudo o mais:
desesperai!


Emílio Moura

Mãos esculturais













Além deste olhar vencido
cheio dos mares negreiros
fatigado
e das cadeias aterradoras que envolvem lares
além do silhuetar mágico das figuras
nocturnas
após cansaços em outros continentes dentro de África

Além desta África
de mosquitos
e feitiços sentinelas
de almas negras mistério orlado de sorrisos brancos
adentro das caridades que exploram e das medicinas
que matam

Além África dos atrasos seculares
em corações tristes

Eu vejo
as mãos esculturais
dum povo eternizado nos mitos
inventados nas terras áridas da dominação
as mãos esculturais dum povo que contrói
sob o peso do que fabrica para se destruir

Eu vejo além África
amor brotando virgem em cada boca
em lianas invencíveis da vida espontânea
e as mãos esculturais entre si ligadas
contra as catadupas demolidoras do antigo

Além deste cansaço em outros continentes
a África viva
sinto-a nas mãos esculturais dos fortes que são povo
e rosas e pão
e futuro.


Agostinho Neto

Premeditado










Saí de casa adulta
pra morar na rua
quer dizer
não exatamente na rua
asfalto ou calçada
Moro no telhado

Eu, os gatos, o violinista
nessa inclinação boa
acima do edifício
Aqui, nada de sonhar
e a água escoa


Lilian Aquino - Daqui (Patuá, 2017).

Canção do Amor Armado














Vinha a manhã no vento do verão,
e de repente aconteceu.
Melhor
é não contar quem foi nem como foi,
porque outra história vem, que vai ficar.
Foi hoje e foi aqui, no chão da pátria,
onde o voto, secreto como o beijo
no começo do amor, e universal
como o pássaro voando — sempre o voto
era um direito e era um dever sagrado.

De repente deixou de ser sagrado,
de repente deixou de ser direito,
de repente deixou de ser, o voto.
Deixou de ser completamente tudo.
Deixou de ser encontro e ser caminho,
deixou de ser dever e de ser cívico,
deixou de ser apaixonado e belo
e deixou de ser arma — de ser a arma,
porque o voto deixou de ser do povo.

Deixou de ser do povo e não sucede,
e não sucedeu nada, porém nada?

De repente não sucede.
Ninguém sabe nunca o tempo
que o povo tem de cantar.
Mas canta mesmo é no fim.
Só porque não tem mais voto,
o povo não é por isso
que vai deixar de cantar,
nem vai deixar de ser povo.

Pode ter perdido o voto,
que era sua arma e poder.
Mas não perdeu seu dever
nem seu direito de povo,
que é o de ter sempre sua arma,
sempre ao alcance da mão.

De canto e de paz é o povo,
quando tem arma que guarda
a alegria do seu pão.
Se não é mais a do voto,
que foi tirada à traição,
outra há de ser, e qual seja
não custa o povo a saber,
ninguém nunca sabe o tempo
que o povo tem de chegar.

O povo sabe, eu não sei.
Sei somente que é um dever,
somente sei que é um direito.
Agora sim que é sagrado:
cada qual tenha sua arma
para quando a vez chegar
de defender, mais que a vida,
a canção dentro da vida,
para defender a chama
de liberdade acendida
no fundo do coração.

Cada qual que tenha a sua,
qualquer arma, nem que seja
algo assim leve e inocente
como este poema em que canta
voz de povo — um simples canto
de amor.
Mas de amor armado.

Que é o mesmo amor. Só que agora
que não tem voto, amor canta
no tom que seja preciso
sempre que for na defesa
do seu direito de amar.

O povo, não é por isso
que vai deixar de cantar.

Rio, 6 de fevereiro, 1966

Thiago de Mello


Publicado no livro Faz Escuro Mas Eu Canto. A Canção do Amor Armado (1966).

In: MELLO, Thiago de. Vento geral, 1951/1981: doze livros de poemas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 198

Dispersão






















Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
E hoje, quando me sinto.
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar,
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).

Pobre moço das ânsias...
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que me abismastes nas ânsias.

A grande ave doirada
Bateu asas para os céus
Mas fechou-se saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que protejo:
Se me olho a um espelho, erro
Não me acho no que projeto.

Regresso dentro de mim
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
Eu nunca vi... mas recordo

A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que sonhei!... )

E sinto que a minha morte —
Minha dispersão total —
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.

Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas. . .

Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas pra se dar
Ninguém mas quis apertar
Tristes mãos longas e lindas

Eu tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!

Desceu-me nalma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em, uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida
Eu sigo-a, mas permaneço ...

...............................................
Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba...
..............................................


Mário de Sá-Carneiro

Sala de Espera














(Ah, os rostos sentados
numa sala de espera.
Um "Diário Oficial" sobre a mesa.
Uma jarra com flores.
A xícara de café, que o contínuo
vem, amável, servir aos que esperam a audiência
[marcada.

Os retratos em cor, na parede,
dos homens ilustres
que exerceram, já em remotas épocas,
o manso ofício
de fazer esperar com esperança.
E uma resposta, que será sempre a mesma: só amanhã.
E os quase eternos amanhãs daqueles rostos sempre
[adiados
e sentados
numa sala de espera.)

Mas eu prefiro é a rua.
A rua em seu sentido usual de "lá fora".
Em seu oceano que é ter bocas e pés
para exigir e para caminhar.
A rua onde todos se reúnem num só ninguém coletivo.
Rua do homem como deve ser:
transeunte, republicano, universal.

Onde cada um de nós é um pouco mais dos outros
do que de si mesmo.
Rua da procissão, do comício,
do desastre, do enterro.
Rua da reivindicação social, onde mora
o Acontecimento.

A rua! uma aula de esperança ao ar livre.


Cassiano Ricardo

Publicado no livro Um dia depois do outro, 1944/1946 (1947).

In: RICARDO, Cassiano. Poesias completas. Pref. Tristão de Athayde. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1957. p.263-26

A felicidade


















Tristeza não tem fim
Felicidade sim…

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar.

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei, ou de pirata, ou da jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira.

Tristeza não tem fim
Felicidade sim…

A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor.

A felicidade é um coisa louca
Mas tão delicada, também
Tem flores e amores de todas as cores
Tem ninhos de passarinhos
Tudo isso ela tem
E é por ela ser assim tão delicada
Que eu trato sempre dela muito bem.

Tristeza não tem fim
Felicidade sim…

Vinicius de Moraes

Em louvor do Grande Camões












Sobre os contrários o terror e a morte
Dardeje embora Aquiles denodado,
Ou no rápido carro ensanguentado
Leve arrastos sem vida o Teuco forte:

Embora o bravo Macedónio corte
Coa fulminante espada o nó fadado,
Que eu de mais nobre estímulo tocado,
Nem lhe amo a glória, nem lhe invejo a sorte:

Invejo-te, Camões, o nome honroso;
Da mente criadora o sacro lume,
Que exprime as fúrias de Lieu raivoso:

Os ais de Inês, de Vénus o queixume,
As pragas do gigante proceloso,
O céu de Amor, o inferno do Ciúme.


Bocage

Lembra















Lembra o tempo
em que você sentia

e sentir
era a forma
mais sábia de saber

E você nem sabia?


Alice Ruiz

Idílio
















Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos dum fôlego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;

Ou, vendo o mar das ermas cumeadas
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longo, no horizonte, amontoadas:

Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão e empalideces

O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.


Antero de Quental

Leite de cabra














mamãe me deu leite de cabra,
não quis dar do peito pro bico continuar durinho

leite de cabra era doce
distante dos meus amargos

mamãe bebia, fumava, dançava até ficar doida
me prendia de castigo num quarto sem janelas
castigo por eu ter aquela cara de marmota
- enjoada que nem devia ter nascido - ela dizia

um dia me chamou de manso: parecia carinho
- pega lá, menina, aquela tesoura
peguei, achei que era gesto pra ficar bonita que nem ela
esse cabelo aqui você gosta? O bafo da bebida me aquecia o rosto
gosto sim, mãezinha. Então passou a tesoura, tão rente do casco
que estremi, cortou a franja, não deixou notícia de menina na cabeça
assim fica melhor, disse entre a fumaça do cigarro
não vai pegar piolho
parece menino, que era o que devia ser

leite de cabra veio quente na boca,
tão doce que aguei


Patrícia Porto - Cabeça de Antígona (Reformatório,2017)

Manifesto













Senhoras e senhores
Esta é nossa última palavra
— Nossa primeira e última palavra —:
Os poetas baixaram do Olimpo.

Para os mais velhos
A poesia foi um objeto de luxo
Mas para nós
É um artigo de primeira necessidade:
Não podemos viver sem poesia.

Diferentemente dos mais velhos
— E digo isso com todo respeito —
Nós sustentamos
Que o poeta não é um alquimista
O poeta é um homem qualquer
Um pedreiro que constrói seu muro:
Um construtor de portas e janelas.

Nós conversamos
Na linguagem do dia a dia
Não acreditamos em signos cabalísticos.

E tem mais:
O poeta está aí
Para que a árvore não cresça torta.

Esta é a nossa mensagem.
Nós denunciamos o poeta demiurgo
O poeta Barata
O poeta Rato de Biblioteca.

Todos esses senhores
— E digo isso com muito respeito —
Devem ser processados e julgados
Por construir castelos no ar
Por desperdiçar espaço e tempo
Escrevendo sonetos à lua
Por agrupar palavras ao acaso
À última moda de Paris.
Para nós, não:
O pensamento não nasce na boca
Nasce no coração do coração.

Nós repudiamos
A poesia de óculos escuros
A poesia de capa e espada
A poesia de chapéu de aba larga.
Por outro lado, propiciamos
A poesia de olhos abertos
A poesia de peito aberto
A poesia de cabeça descoberta.

Não acreditamos em ninfas nem tritões.
A poesia tem que ser isto:
Uma garota rodeada de espigas
Ou não ser absolutamente nada.

Agora sim, no plano político
Eles, nossos avós imediatos,
Nossos bons avós imediatos!
Se refrataram e se dispersaram
Ao passar pelo prisma de cristal.
Uns poucos se tornaram comunistas.
Bom, não sei se o foram de fato.
Suponhamos que foram comunistas
O que sei é o seguinte:
Não foram poetas populares
Foram veneráveis poetas burgueses.

Há que dizer as coisas como são:
Apenas um ou outro
Soube chegar ao coração do povo.
Cada vez que puderam
Se declararam em palavras e ações
Contra a poesia engajada
Contra a poesia do presente
Contra a poesia proletária.

Aceitemos que foram comunistas
Mas a poesia foi um desastre
Surrealismo de segunda mão
Decadentismo de terceira mão
Tábuas velhas devolvidas pelo mar.
Poesia adjetiva
Poesia nasal e gutural
Poesia arbitrária
Poesia copiada dos livros
Poesia baseada
Na revolução da palavra
Quando deveria se fundar
Na revolução das ideias.
Poesia de círculo vicioso
Para meia dúzia de eleitos:
“Liberdade absoluta de expressão”.

Hoje nos persignamos perguntando
Para que escreveriam essas coisas —
Para assustar o pequeno-burguês?
Tempo perdido miseravelmente!
O pequeno-burguês não reage
Senão quando se trata do estômago.

Como vão assustá-lo com poesias!

A situação é esta:
Enquanto eles defendiam
Uma poesia do crepúsculo
Uma poesia da noite
Nós propugnamos
A poesia do amanhecer.
Esta é a nossa mensagem
Os resplendores da poesia
Devem chegar a todos igualmente
A poesia é bastante para todos.

É isso, companheiros
Nós condenamos
— E isto, sim, digo com respeito —
A poesia de pequeno deus
A poesia de vaca sagrada
A poesia de touro furioso.

Contra a poesia das nuvens
Nós opomos
A poesia da terra firme
— Cabeça fria, coração quente
Somos terrafirmistas convictos —
Contra a poesia dos cafés
A poesia da natureza
Contra a poesia de salão
A poesia da praça pública
A poesia de protesto social.

Os poetas baixaram do Olimpo.



Manifiesto

Señoras y señores
Ésta es nuestra última palabra
— Nuestra primera y última palabra —:
Los poetas bajaron del Olimpo.

Para nuestros mayores
La poesía fue un objeto de lujo
Pero para nosotros
Es un artículo de primera necesidad:
No podemos vivir sin poesía.

A diferencia de nuestros mayores
— Y esto lo digo con todo respeto —
Nosotros sostenemos
Que el poeta no es un alquimista
El poeta es un hombre como todos
Un albañil que construye su muro:
Un constructor de puertas y ventanas.
Nosotros conversamos
En el lenguaje de todos los días
No creemos en signos cabalísticos.

Además una cosa:
El poeta está ahí
Para que el árbol no crezca torcido.

Este es nuestro mensaje.
Nosotros denunciamos al poeta demiurgo
Al poeta Barata
Al poeta Ratón de Biblioteca.

Todos estos señores
— Y esto lo digo con mucho respeto —
Deben ser procesados y juzgados
Por construir castillos en el aire
Por malgastar el espacio y el tiempo
Redactando sonetos a la luna
Por agrupar palabras al azar
A la última moda de París.
Para nosotros no:
El pensamiento no nace en la boca
Nace en el corazón del corazón.

Nosotros repudiamos
La poesía de gafas obscuras
La poesía de capa y espada
La poesía de sombrero alón.
Propiciamos en cambio
La poesía a ojo desnudo
La poesía a pecho descubierto
La poesía a cabeza desnuda.

No creemos en ninfas ni tritones.
La poesía tiene que ser esto:
Una muchacha rodeada de espigas
O no ser absolutamente nada.

Ahora bien, en el plano político
Ellos, nuestros abuelos inmediatos
¡Nuestros buenos abuelos inmediatos!
Se refractaron y se dispersaron
Al pasar por el prisma de cristal.
Unos pocos se hicieron comunistas.
Yo no sé si lo fueron realmente.
Supongamos que fueron comunistas
Lo que sé es una cosa:
Que no fueron poetas populares
Fueron unos reverendos poetas burgueses.

Hay que decir las cosas como son:
Solo uno que otro
Supo llegar al corazón del pueblo.
Cada vez que pudieron
Se declararon de palabra y de hecho
Contra la poesía dirigida
Contra la poesía del presente
Contra la poesía proletaria.

Aceptemos que fueron comunistas
Pero la poesía fue un desastre
Surrealismo de segunda mano
Decadentismo de tercera mano
Tablas viejas devueltas por el mar.
Poesía adjetiva
Poesía nasal y gutural
Poesía arbitraria
Poesía copiada de los libros
Poesía basada
En la revolución de la palabra
En circunstancias de que debe fundarse
En la revolución de las ideas.
Poesía de círculo vicioso
Para media docena de elegidos:
“Libertad absoluta de expresión”.

Hoy nos hacemos cruces preguntando
Para qué escribirían esas cosas
¿Para asustar al pequeño burgués?
¡Tiempo perdido miserablemente!
El pequeño burgués no reacciona
Sino cuando se trata del estómago.

¡Qué lo van a asustar con poesías!

La situación es ésta:
Mientras ellos estaban
Por una poesía del crepúsculo
Por una poesía de la noche
Nosotros propugnamos
La poesía del amanecer.
Este es nuestro mensaje
Los resplandores de la poesía
Deben llegar a todos por igual
La poesía alcanza para todos.

Nada más, compañeros
Nosotros condenamos
— Y esto sí que lo digo con respeto —
La poesía de pequeño dios
La poesía de vaca sagrada
La poesía de toro furioso.

Contra la poesía de las nubes
Nosotros oponemos
La poesía de la tierra firme
— Cabeza fría, corazón caliente
Somos tierrafirmistas decididos —
Contra la poesía de café
La poesía de la naturaleza
Contra la poesía de salón
La poesía de la plaza pública
La poesía de protesta social.

Los poetas bajaron del Olimpo.

Nicanor Parra - traduzidos por Joana Barossi e Cide Piquet, pela Editora 34.

Batucada na noite


















Bissau cresce
quando o sol desce
vem com o fio da noite
e só adormece
quando amanhece

O álcool
e o week-end
inflamam corpos
cheios de adornos

Na noite
há insónias
e sónias de muitos nomes
não é só o mote
aqui há funky
há merengada
e antilhesas na madrugada
Lufadas de amor
moldam corpos
suarentos de ardor
há um saracoteio
permanente
na passarelle da noite
sedas flutuantes
coxas remexendo
num sincopado
que dá síncope

O odor
mastiga o ar
sem pudor mistura-se
confunde-se
catinga
chanel
paco rabane
água cheiro
suor
e dior
ça va comme ça…
O old scotch
dá o toque final
É fatal
afinal porque não…

A batucada cresce
abre o espaço
a cidade não dorme

Tony Tcheca - pseudônimo de António Soares Lopes

Cantiga de lavadeira
















Libertos de trouxa tremem
as calça e os paletós.
Doem na pedra pano e carne
sem anotações no rol.

Canto azul da lavadeira
lavado na ventania.
Mistura de corpos gastos,
de sabão, espuma e anil.

O suor da blusa operária
(chora o lenço de Maria).
Transita o amor pela anágua,
geme o lençol da agonia.

O sonho dorme na fronha,
a camisa precordial,
nódoas da fome da criança
na toalha da mesa oval.

Nas água têxteis do rio,
há sabor de sangue e sal.


Mauro Mota

Curiosidade



















O que se ouve? O que não se ouve?
E quando se ouve, o que se ouve?
E quando não se ouve, o que não se ouve?
E quem ouve, quando se ouve?
E para que se ouve?
E até quando?

Por que se ouve uma coisa e não outra?
Não ouça mais o que se ouve!
O que eu ouvi como se ouve?
Mas até quando?



Curiozitate

Ce se aude? Ce nu se mai aude?
Şi când se aude, ce se aude?
Şi când nu se aude, ce nu se aude?
Şi de ce nu s-aude, când nu s-aude?
Şi cine aude, când se aude?
Şi pentru ce se aude?
Şi până când?

De ce se aude ceva şi nu altceva?
Ia să nu se mai audă, ce se aude!
Ce-am auzit că s-aude?
Dar până când?

Marin Sorescu - Tradução de Beethoven Alvarez

Eterna Presença






















Este feliz desejo de abraçar-te,
Pois que tão longe tu de mim estás,
Faz com que te imagine em toda a parte
Visão, trazendo-me ventura e paz.

Vejo-te em sonho, sonho de beijar-te;
Vejo-te sombra, vou correndo atrás;
Vejo-te nua, oh branco lírio de arte,
Corando-me a existência de rapaz…

E com ver-te e sonhar-te, esta lembrança
Geratriz, esta mágica saudade,
Dá-me a ilusão de que chegaste enfim;

Sinto alegrias de quem pede e alcança
E a enganadora força de, em verdade,
Ter-te, longe de mim, juntinho a mim.


Mário de Andrade

Um deus foragido olha do cimo da destruição















Um círio infindo de punhos acesos
coturnos raivosos em marcha
um rebanho desembesta em fúria e a esmo
uma revoada de abutres sobre um campo
coalhado de ossos e vísceras
À margem esquerda
olhos atônitos nem sequer esboçam mínima reação
nem sequer vicejam a luta
e sucumbem à opressão
toda vociferação converte-se em murmúrio
imprecação e silêncio
No abrasar das horas
o tempo reflui num leito de açoites
No pouso do medo
toda réstia de luz coabita o breu
o medo cai como pedra no fundo de cada dia
e a desesperança cintila à boca de cada noite
O poder no cio
fecha as janelas de um passado
fincado em irremovível paisagem
— o poder tem os olhos de uma noite sem fim
A violência é a ordem do dia — o veneno
que entorpece e contagia
abre fendas radioativas onde corre a larva do ódio
Algo inominável deflagra a combustão das horas
interdita o tempo
o tempo partido
o país partido
a cidade partida
o humano partido ao meio
Toda gente se extingue para além das casas
e dos muros
a sobrevida pulsa em ilhas dentro de ilhas
Sob a mira do fuzil
a carne negra
a carne índia
a cor vermelha
A descrença é a ferida aberta
o cancro incurável
A segregação é a flor sanguínea de verbo coagulado
e toda esperança desfolha aos ventos
que chicoteiam brancas bandeiras
A intolerância forja a gangrena
seus raios de dor são o traçado
que revela a geometria do terror
No átrio espelhado de ocasos
a besta de esporas e chifres faz a festa
dança — gargalha
e vomita sobre a clareira côncava
que engole os cânones dos justos
Nesse reino escuro o frio arde
e queima ao estio do sol
vergam-se os girassóis
e gárgulas saem de seus buracos de sangue
para lamber as feridas da paz
Mulheres e homens que teimam
reinar em si a íntima liberdade de pensar
decretam o autoexílio
todas ilhadas
todos ilhados
ilhados e tristes
terrivelmente tristes
Um deus foragido olha do cimo da destruição
contempla o ataúde da fé
e chora sobre as ruínas do humano
em seus gestos finais de autofagia
a sobrehumana desordem de sentidos precede o golpe fatal:
a morte da liberdade.

Wanda Monteiro

Obras publicadas: O beijo da chuva (Editora Amazônia, 2008), Anverso (Editora Amazônia, 2011), Duas mulheres entardecendo (em parceria com a escritora Maria Helena Latinni, Editora Tempo, 2015), Aquatempo (Editora Literacidade, 2016), A liturgia do tempo e outros silêncios (Editora Patuá, 2019).

Sê Rei de Ti Próprio


















Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?
Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?
Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra
Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.
Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.

Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa

Independência












Recuso-me a aceitar o que me derem.
Recuso-me às verdades acabadas;
recuso-me, também, às que tiverem
pousadas no sem-fim as sete espadas.

Recuso-me às espadas que não ferem
e às que ferem por não serem dadas.
Recuso-me aos eus-próprios que vierem
e às almas que já foram conquistadas.

Recuso-me a estar lúcido ou comprado
e a estar sozinho ou estar acompanhado.
Recuso-me a morrer. Recuso a vida.

Recuso-me à inocência e ao pecado
como a ser livre ou ser predestinado.
Recuso tudo, ó Terra dividida!


Jorge de Sena, in 'Coroa da Terra'

O Grito do Ipiranga












Liberdade!… Farol divinizado! –

Sob o teu brilho a humanidade e os séculos

Caminham ao porvir. Roma as algemas

Quebrou dos filhos que a opressão lançara

Dentre a sombra de púrpura dos Césares,

Que envolvia Tarquínio em fogo e sangue,

Cheia de tua luz e estimulada

Por teu nome divino – essa palavra

Imensa como as vozes do Oceano.

Sublime como a ideia do infinito!

Tal como Roma a terra americana,

Um dia alevantando ao sol dos trópicos

A fronte que domina os estandartes,

Saudou teu nome majestoso e belo –

E o brado imenso – Independência ou morte! –

Soltado lá das margens do Ipiranga.

Foi nos campos soar da eternidade.

Desenrola nas turbas populares

Dos livres a bandeira o herói tão nobre,

Digno dos louros festivais que outrora

Roma dava aos heróis entre os aplausos

Do povo que os levava ao Capitólio!

Ele foi como o César de Marengo;

Sua voz como a lava do Vesúvio

Levada pela voz da imensidade

Foi do Tejo soar nas margens, onde

Estremeceu de susto o lusitano!

Ipiranga!… Ipiranga!… A voz das brisas

Este nome repete nas florestas!

Caminhante! Eis ali onde primeiro

Soou o brado – Independência ou morte! –

O homem secular levando as águias

Por entre os turbilhões de pó, de fumo,

Ostentando nos livres estandartes

O lúcido farol de um século ovante,

Mais sublime não foi nem mais valente

Que Pedro o herói, da América travando

Do farol da sagrada liberdade,

E acordando o Brasil, escravizado,

Sob férreos grilhões adormecido.

Somos livres! – Nas paginas da história

Nosso nome fulgura – ali traçado

Foi por Deus, que do herói guiando o braço,

Nas folhas o escreveu do eterno livro.

Somos livres! – No peito brasileiro

A ideia da opressão não se acalenta!

Somos já livres como a voz do oceano,

Somos grandes também como o infinito,

Como o nome de Pedro e dos Andradas!

Seja bendito o dia em que Colombo

César dos mares, afrontando as ondas,

À Europa revelou um Novo Mundo;

Ele nos trouxe o cetro das conquistas

Nas mãos de Pedro – o fundador do Império!

O herói calcando os pedestais da história,

Ergue soberbo aos séculos vindouros

A fronte majestosa! Imenso vulto!

É ele o sol da terra brasileira!

Neste dia de esplêndidas lembranças

No peito brasileiro se reflete

O nome dele – como um sol ardente

Brilha dourado no cristal dos prismas!

Tomando o sabre, dominou dois mundos

O herói libertador, valente e ousado!

Ele, o tronco da nossa liberdade,

Foi como o cedro secular do Líbano,

Que resiste ao tufão e às tempestades!

Ipiranga! Inda o vento das florestas

Que as noites tropicais respiram frescas

Parecem murmurar nos seus soluços

O brado imenso – Independência ou morte!

Qual o trovão nos ecos do infinito!

Disse ao guerreiro o Deus da Liberdade:

Liberta o teu Brasil num brado augusto,

E o herói valente libertou num grito!


Machado de Assis
Poema de autoria de Joaquim Maria Machado de Assis, 7 de setembro de 1856.
Publicado em 9 de setembro de 1856 na página 2 do Correio Mercantil.
Transcrição atualizada ortograficamente por Wilton Marques, professor da UFSCar.

Olhos verdes















São uns olhos verdes, verdes,
Uns olhos de verde-mar,
Quando o tempo vai bonança;
Uns olhos cor de esperança,
Uns olhos por que morri;
Que ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Como duas esmeraldas,
Iguais na forma e na cor,
Têm luz mais branda e mais forte,
Diz uma — vida, outra — morte;
Uma — loucura, outra — amor.
Mas ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

São verdes da cor do prado,
Exprimem qualquer paixão,
Tão facilmente se inflamam,
Tão meigamente derramam
Fogo e luz do coração;
Mas ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

São uns olhos verdes, verdes,
Que podem também brilhar;
Não são de um verde embaçado,
Mas verdes da cor do prado,
Mas verdes da cor do mar.
Mas ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Como se lê num espelho,
Pude ler nos olhos seus!
Os olhos mostram a alma,
Que as ondas postas em calma
Também refletem os céus;
Mas ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Dizei vós, ó meus amigos,
Se vos perguntam por mi,
Que eu vivo só da lembrança
De uns olhos cor de esperança,
De uns olhos verdes que vi!
Que ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Dizei vós: Triste do bardo!
Deixou-se de amor finar!
Viu uns olhos verdes, verdes,
Uns olhos da cor do mar:
Eram verdes sem esp’rança,
Davam amor sem amar!
Dizei-o vós, meus amigos,
Que ai de mi!
Não pertenço mais à vida
Depois que os vi!

Gonçalves Dias, no livro “Últimos cantos”. Série ‘Poesias diversas’. 1851.

Retrospectiva















Porque a vida é feita de proibições,
eu não compus todas as canções,
não percebi a brisa suspirar,
eu esqueci cantigas de ninar,
dei chances demais à voz dos credos,
não rompi de vez todos os medos,
roubei do tempo um tanto de carinho,
não vi a flor amar o passarinho,
perdi o trem na curva do vertente
e não deixei o mel melar completamente.

Porque a vida é feita de proibições,
larguei o fio, soltaram-se os balões
deixei que o pião revirasse sozinho,
mandei que o zangão se zangasse baixinho,
desprezei a bruma que baixou o véu,
permiti à palavra dormir no papel,
evitei o desvio que atravessa a estrada,
não quis o desafio da ronda embriagada,
não li o poema do poeta maldito,
e não tive o dilema do beijo infinito.

Porque ainda há tempo para o encantamento,
quebre-se o vidro do sermão absoluto,
rompa-se a teia, reveja-se o estatuto,
que a primavera quer amar o chão de vento.


Flora Figueiredo

Marinha

















Grito teu nome aos ventos.
Olha: há uma revoada marítima.
O horizonte se afasta, há um ritmo largo
de ondas que se espreguiçam.

Velas esguias,
para onde voam?

Sulcos de prata,
para onde levam?
Amiga, amiga! Ah, dize-me depressa:
Quem grita aos ventos o teu nome?
O mar, ou eu,
o grande mar que o está cantando?


Emílio Moura

Tristeza















Esta noite eu durmo de tristeza.
(O sono que eu tinha morreu ontem
queimado pelo fogo de meu bem.)
O que há em mim é só tristeza,
uma tristeza úmida, que se infiltra
pelas paredes de meu corpo
e depois fica pingando devagar
como lágrima de olho escondido.

(Ali, no canto apagado da sala,
meu sorriso é apenas um brinquedo
que a mãozinha da criança quebrou.)

E o resto é mesmo tristeza.


Ivan Junqueira

Café-Expresso
















1

Café-expresso — está escrito na porta.
Entro com muita pressa. Meio tonto,
por haver acordado tão cedo...
E pronto! parece um brinquedo...
cai o café na xícara pra gente
maquinalmente.

E eu sinto o gosto, o aroma, o sangue quente de São Paulo
nesta pequena noite líquida e cheirosa
que é a minha xícara de café.
A minha xícara de café
é o resumo de todas as coisas que vi na fazenda e me vêm à memória
[apagada...

Na minha memória anda um carro de bois a bater as porteiras da
[estrada...
Na minha memória pousou um pinhé a gritar: crapinhé!
E passam uns homens
que levam às costas
jacás multicores
com grãos de café.

E piscam lá dentro, no fundo do meu coração,
uns olhos negros de cabocla a olhar pra mim
com seu vestido de alecrim e pés no chão.

E uma casinha cor de luar na tarde roxo-rosa...
Um cuitelinho verde sussurrando enfiando o bico na catléia cor de
[sol que floriu no portão...
E o fazendeiro, calculando a safra do espigão...

Mas acima de tudo
aqueles olhos de veludo da cabocla maliciosa a olhar pra mim
como dois grandes pingos de café
que me caíram dentro da alma
e me deixaram pensativo assim...

2

Mas eu não tenho tempo pra pensar nessas coisas!
Estou com pressa. Muita pressa.
A manhã já desceu do trigésimo andar
daquele arranha-céu colorido onde mora.
Ouço a vida gritando lá fora!
Duzentos réis, e saio. A rua é um vozerio.
Sobe-e-desce de gente que vai pras fábricas.

Pralapracá de automóveis. Buzinas. Letreiros.
Compro um jornal. O Estado! O Diário Nacional!
Levanto a gola do sobretudo, por causa do frio.
E lá me vou pro trabalho, pensando...

Ó meu São Paulo!
Ó minha uiara de cabelo vermelho!
Ó cidade dos homens que acordam mais cedo no mundo!


Cassiano Ricardo
In: RICARDO, Cassiano. Martim Cererê: o Brasil dos meninos, dos poetas e dos heróis. Ed. crít. Marlene Gomes Mendes, Deila Conceição Perez e Jayro José Xavier. Pref. Telê Ancona Lopez. Rio de Janeiro: Antares; Brasília: INL: Fundação Pró-Memória, 198.

À Minha Mulher


















Com um exemplar de meus “Poemas”

Escrever não posso um proêmio imponente
Como um prelúdio ao meu cantar;
“De um poeta a um poema”
Só a dizer me atreveria.

Pois se dessas pétalas caídas
Alguma te parecer bela,
O amor a soprará até que pouse
Nos teus cabelos.

E quando o vento e o inverno devastarem
A terra toda sem amor,
Ela há de falar, do jardim, em surdina,
E tu compreenderás.



To my Wife


With a copy of my “Poems”

I can write no stately proem
As a prelude to my lay ;
From a poet to a poem
I would dare to say.

For if o f these fallen petals
One to you seem fair,
Love will waft it till it settles
On your hair.

And when wind and winter harden
All the loveless land,
It will whisper of the garden,
You will understand.


Oscar Wilde. À minha mulher. Tradução de Oscar Mendes. In: __________. Obra completa: volume único. 1. ed.; 7. reimp. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar, 2007. p. 947-948. (“Biblioteca de Autores Universais”)

O Tempo seca o Amor

O tempo seca a beleza, seca o amor, seca as palavras. Deixa tudo solto, leve, desunido para sempre como as areias nas águas. O tempo seca a ...

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