Para Fazer Poesia













O que é preciso para fazer poesia?
Antes de tudo, como dizia o Gullar, sentir o assombro correndo em nossas veias. Somos mortais e cada dia é único. Pode ser o último. Com esse sentimento amarrado em nosso corpo, certamente não deixaremos escapar nada. Nosso espanto é nosso alimento.
Em seguida, já que não posso desperdiçar nada, tenho que afiar o olhar como se afia uma navalha. Meus olhos tampouco podem deixar escapar nada.
E meus outros sentidos. Sendo poeta tenho que usar meu corpo como um bicho. Farejar e sentir. Nada pode ser desperdiçado. Não posso desperdiçar sensações.
Eu vejo as imagens à medida que vou escrevendo o poema. Eu as vejo e tenho que correr para que elas não escapem.
A minha respiração é a música do poema.
Sem música dentro do poema, alguma coisa deixará de funcionar.
E mesmo que o poema seja muito triste, alguma alegria terá que habitá-lo, será, digamos, a sua luz.
Eu busco alegria em tudo. Foi um longo aprendizado. Mesmo na dor. O poeta tem que gostar das palavras, das suas possibilidades. Quanto mais aberto o poema, melhor. Se você entende desse jeito e o outro de outro jeito, que bom. Uma palavra que vai se abrindo em leque, vai levando o leitor para várias direções...
E também dar de comer aos medos. Os medos podem ser grandes aliados, pois temos que domá-los, são nossos lobos. O poema também tem que ser domado. Quantas vezes for preciso, há que recomeçar, refazer, limpar, cortar.
Enfim, fazer poesia é viver em estado de poesia.


Roseana Murray


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