Convívio

Theo-Szczepanski-Jornal-Rascunho


















Cada dia que passa incorporo mais esta verdade, de que eles não vivem senão em nós
e por isso vivem tão pouco; tão intervalado; tão débil.
Fora de nós é que talvez deixaram de viver, para o que se chama tempo.
E essa eternidade negativa não nos desola.
Pouco e mal que eles vivam, dentro de nós, é vida não obstante.
E já não enfrentamos a morte, de sempre trazê-la conosco.

Mas, como estão longe, ao mesmo tempo que nosso atuais habitantes
e nossos hóspedes e nossos tecidos e a circulação nossa!
A mais tênue forma exterior nos atinge.
O próximo existe. O pássaro existe,
E eles também existem, mas que oblíquos! e mesmo sorrindo, que disfarçados…

Há que renunciar a toda procura.
Não os encontraríamos, ao encontrá-los.
Ter e não ter em nós um vaso sagrado,
um depósito, uma presença contínua,
esta é nossa condição, enquanto,
sem condição, transitamos
e julgamos amar
e calamo-nos.

Ou talvez existamos somente neles, que são omissos, e nossa existência,
apenas uma forma impura de silêncio, que preferiram.


Carlos Drummond de Andrade, 

em “A família que me dei”, no livro “Carlos Drummond de Andrade – Antologia poética” [organizada pelo autor]. 54ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 98.

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