Travar Conhecimento com a Noite













Sou um que travou conhecimento com a noite.
Eu fui passear na chuva – e na chuva voltei.
Deixei longe a luz mais distante da cidade.

Olhei a mais triste ruela da urbe.
Passei pelo vigia em sua ronda
E para não explicar baixei os olhos.

Fiquei imóvel sem o barulho dos meus passos
Quando de longe um grito interrompido
Veio, por sobre as casas, de outra rua,

Mas não era chamado ou despedida;
E mais longe ainda, numa altura incrível,
Contra o céu, havia um relógio iluminado

Proclamando que a hora não era certa nem errada.
Fui um que travou conhecimento com a noite.



em Inglês:

Acquainted with the Night

I have been one acquainted with the night.
I have walked out in rain – and back in rain.
I have outwalked the furthest city light.

I have looked down the saddest city lane.
I have passed by the watchman on his beat
And dropped my eyes, unwilling to explain.

I have stood still and stopped the sound of feet
When far away an interrupted cry
Came over houses from another street,

But not to call me back or say good-bye;
And further still at an unearthly height,
One luminary clock against the sky

Proclaimed the time was neither wrong nor right.
I have been one acquainted with the night.

Robert Frost

FROST, Robert. Travar conhecimento com a noite. Tradução de Marisa Murray. In: __________. Poemas escolhidos de Robert Frost. Tradução de Marisa Murray. 1. ed. Rio de Janeiro: Lidador, 1969. p. 80.

A Terra
















Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação!
Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois...
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.

Terra, minha mulher!
Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!

A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...
Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.

Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!


Miguel Torga

Travesseiro

















Não há nada que não possa encontrar lá embaixo.
Vozes nas árvores, as páginas desaparecidas
do mar.

Tudo exceto o sono.

E a noite é um rio a unir
os bancos da fala e da escuta,

uma fortaleza, indefesa e inviolável.

Não há nada que ali não se encaixe:
fontes obstruídas com lama e folhas,
as casas de minha infância.

E a noite começa quando os dedos de minha mãe
soltam o fio
que eles atam e desatam
para tocar a borda de nossa desgastada história.

A noite é a sombra das mãos do meu pai
ajustando o relógio para a ressurreição.

Ou está o relógio desenredado, os números esvoaçados?

Nada há que não tenha encontrado lá em casa:
asas descartadas, sapatos perdidos, um alfabeto em frangalhos.

Tudo exceto o sono. E a noite se inicia

com o primeiro jasmim
decepado, quando, enfim, sua fragrância cativa
libera-se das roupas mortuárias.




Pillow

There’s nothing I can’t find under there.
Voices in the trees, the missing pages
of the sea.

Everything but sleep.

And night is a river bridging
the speaking and the listening banks,

a fortress, undefended and inviolate.

There’s nothing that won’t fit under it:
fountains clogged with mud and leaves,
the houses of my childhood.

And night begins when my mother’s fingers
let go of the thread
they’ve been tying and untying
to touch toward our fraying story’s hem.

Night is the shadow of my father’s hands
setting the clock for resurrection.

Or is it the clock unraveled, the numbers flown?

There’s nothing that hasn’t found home there:
discarded wings, lost shoes, a broken alphabet.

Everything but sleep. And night begins

with the first beheading
of the jasmine, its captive fragrance
rid at last of burial clothes.



Li-Young Lee


LEE, Li-Young. Pillow. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book of contemporary american ‎poetry. 2nd ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House ‎Inc.), march 2003. p. 583-584.

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