O Parque
O tempo a fonte estanca e o torso apaga.
Este de formas puras de pedra, quase carne,
despojado de ternura e de tristeza, imóvel
entre as sombras das árvores e o silêncio,
o fluir das águas frescas da fonte tão próxima
e a doce transfiguração da noite em morte.
Nas antigas lajes os passos dos meninos
gravados no passado remoto e, bem marcado,
o trotar dos burricos que flores carregavam.
As águas correm e, contudo, permanecem.
Quantas palavras não guardaram as cousas!
Quantos gestos nas pedras se perderam?
Os cântaros jamais recolherão as águas
pelas outras fontes abandonadas como
esquecemos um pouco de nós por toda parte.
Este rumor tão distante e tão próximo
que as nossas mãos acariciam, cuidadosas,
é o mesmo fluir do chafariz antigo,
o mesmo soluço nos recantos de sombra
do inviolável jardim, a mesma chegada
infantil das bicicletas nos domingos brancos.
A fonte, embora o tempo exista, existe
ainda e, embora seca, o seu rumor ouvimos,
tão distinto, tão perfeito, tão diverso.
Antes que o tempo estanque a vida, antes
que o torso antigo, calmo e puro como
as lajes de um templo lavadas de prece,
seja apenas um bloco desfigurado e efêmero
de pedra, apagado pela chuva e pela brisa,
sem sopro algum de inocência ou pensamento,
acenderemos a memória e, na calma das luzes,
descobriremos um homem sobre a fonte reclinado,
o punho sustentando uma feia cabeça.
Alberto da Costa e Silva
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