Milagre
Eu caminhava entre árvores
E espremia nos dedos
O mudo cipreste, roçando
um acridoce olfato
Ao silêncio de meu nariz.
Ali entre cúmplices imagens,
Onde o vento me sabe
E o sem- fundo do lago me diz,
No frescor do mais contido sumo,
Cheirei a poesia, como do nada,
E caminhei sobre as águas,
O naufrágio por um triz.
Fernando Campanella
Lua
A proa reta abre no oceano
Um tumulto de espumas pampas.
Delas nascer parece a esteira
Do luar sobre as águas mansas.
O mar jaz como um céu tombado,
Ora é o céu que é um mar, onde a lua,
A só, silente louca, emerge
Das ondas-nuvens, toda nua.
Manuel Bandeira
Tempos de Reencontros
Chego a ti
em córregos de silêncio,
escuto tuas vontades
praiadas nos meus olhos
Entre o ser e o tempo,
nas margens do desamparo,
conheço teus acenos,
abrigo tua alma
reduzo meus riscos
para te proteger
Guardo tua dor em mim
acima de todas fadigas
num manancial de sons
onde o amor abrigas
Conceição Bentes
Velhas Tristezas
Diluências de luz, velhas tristezas
das almas que morreram para a luta!
Sois as sombras amadas de belezas
hoje mais frias do que a pedra bruta.
Murmúrios incógnitos de gruta
onde o Mar canta os salmos e as rudezas
de obscuras religiões — voz impoluta
de todas as titânicas grandezas.
Passai, lembrando as sensações antigas,
paixões que foram já dóceis amigas,
na luz de eternos sóis glorificadas.
Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
velhas tristezas que se vão embora
no poente da Saudade amortalhadas! ...
Cruz e Souza
À noite
todas as palavras são pretas
todos os gatos são tardos
todos os sonhos são póstumos
todos os barcos são gélidos
à noite são os passos todos trôpegos
os músculos são sôfregos
e a máscaras, anêmicas
todos pálidos, os versos
todos os medos são pânicos
todas as frutas são pêssegos
e são pássaros todos os planos
todos os ritmos são lúbricos
são tônicos todos os gritos
todos os gozos são santos
Antonio Carlos Secchin
Nos caminhos da Ilha
Da janela vejo ruas sem nome
casas coloridas abrigadas em montanhas,
da janela sinto a brisa e cheiro dos eucaliptos,
o cheiro das ruas sem nome
onde vento balança verdes folhas
e nascem flores em pedras.
Estas ruas tem silêncios mágicos
como poemas ainda imaginados,
acabam no pé da montanha
mas seguem a caminho do mar…
Ruas de casas pequeninas e pequenos jardins.
Ruas sem nomes, sem números
que da janela vejo encantada
enquanto as flores crescem
agarradas às saliências das duras pedras.
O verão pinta o quadro
e eu aqui, o vejo
pela janela emoldurado…
Sônia Schmorantz
Flumen, Fluminis
Ouçamos o fluir deste curso de rio
entre velhos muros imóveis de fadiga
não apenas meras lajes limitadas e cinzentas
mas pedras tristes e calmas
entre as quais escorre o límpido silêncio
da água que flui sobre a nudez
pura da morte
em nenhuma outra fonte, o cansaço
de ser manhã quando a noite se debruça
sobre nós, sofreremos
pois tão estranhos seremos ao murmúrio
de suas águas veladas
à música que nada anuncia a não ser primaveras
como agora sôfregos, nos reclinamos
sobre o líquido móvel deste rio que leva
para o mar distante e irrevelado
estas formas maduras e tranqüilas
este sopro perfeito
daquilo que foi apenas o fugidio e precário pó.
Alberto da Costa e Silva
Feliz Aniversário - 1 ANO - Nossa Poesia de cada Dia
Quero agradecer pelas mais de 5000 visitas, e por meus 36 seguidores nesta viagem.
Foram 1012 postagens e vários comentários de amigos, leitores e visitantes.
Começamos no dia 15 de março de 2009 sem muito saber na blogosfera, mas através de blogs amigos que segui e conheci fomos aprendendo. Nosso primeiro nome 'Cul-de-sac' (beco sem saída em francês), até pensar mais do que um blog de idéias, um blog de poesia, reflexão e escolhas.
Obrigado a Todos!
Deixo um Sêlo Comemorativo fotografia de Antonio Carlos Januário e criado por Reggina Moon, para todos blogueiros amigos e seguidores.
Henrique Rodrigues Soares.
Que minha solidão
Que a minha solidão me sirva de companhia,
que eu tenha coragem de me enfrentar,
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir, como se
estivesse plena de tudo".
Clarice Lispector
Soneto da Saudade
O céu desperta triste, em tom cinzento,
qual lhe fora penoso um novo dia;
aos poucos, verte, em gotas, seu lamento...
Um pranto ensimesmado, de agonia.
Um rouco trovejar, pesado, lento,
parece suplicar por alforria,
num rogo já exangue, sem alento...
A chuva... O cinza... A dor... A nostalgia...
O céu despertou triste... O céu sou eu,
perdida num sonhar que feneceu,
sou prisioneira à espera de mercê.
Sonhando conquistar a liberdade
desta prisão, que existe na saudade...
Saudade, tanta, tanta... De você!
Patrícia Neme
O Parque
O tempo a fonte estanca e o torso apaga.
Este de formas puras de pedra, quase carne,
despojado de ternura e de tristeza, imóvel
entre as sombras das árvores e o silêncio,
o fluir das águas frescas da fonte tão próxima
e a doce transfiguração da noite em morte.
Nas antigas lajes os passos dos meninos
gravados no passado remoto e, bem marcado,
o trotar dos burricos que flores carregavam.
As águas correm e, contudo, permanecem.
Quantas palavras não guardaram as cousas!
Quantos gestos nas pedras se perderam?
Os cântaros jamais recolherão as águas
pelas outras fontes abandonadas como
esquecemos um pouco de nós por toda parte.
Este rumor tão distante e tão próximo
que as nossas mãos acariciam, cuidadosas,
é o mesmo fluir do chafariz antigo,
o mesmo soluço nos recantos de sombra
do inviolável jardim, a mesma chegada
infantil das bicicletas nos domingos brancos.
A fonte, embora o tempo exista, existe
ainda e, embora seca, o seu rumor ouvimos,
tão distinto, tão perfeito, tão diverso.
Antes que o tempo estanque a vida, antes
que o torso antigo, calmo e puro como
as lajes de um templo lavadas de prece,
seja apenas um bloco desfigurado e efêmero
de pedra, apagado pela chuva e pela brisa,
sem sopro algum de inocência ou pensamento,
acenderemos a memória e, na calma das luzes,
descobriremos um homem sobre a fonte reclinado,
o punho sustentando uma feia cabeça.
Alberto da Costa e Silva
Anoitecer
Amiúdam-se as partidas...
Também morremos um pouco
No amargor das despedidas.
Cais deserto, anoitecemos
Enluarados de ausência.
Helena Kolody
Soneto das Luzes
Uma palavra, outra mais, e eis um verso,
doze sílabas a dizer coisa nenhuma.
Trabalho, teimo, limo, sofro e não impeço
que este quarteto seja inútil como a espuma.
Agora é hora de ter mais seriedade,
para essa rima não rumar até o inferno.
Convoco a musa, que me ri da imensidade,
mas não se cansa de acenar um não eterno.
Falar de amor, oh pastor, é o que eu queria,
porém os fados já perseguem teu poeta,
deixando apenas a promessa da poesia,
matéria bruta que não coube no terceto.
Se o deus frecheiro me lançasse a sua seta,
eu tinha a chave pra trancar este soneto.
Antonio Carlos Secchin
Soneto XLIX
Morrer, Senhor, de súbito, não quero!
Morrer como quem parte lentamente
Vendo o mundo perder-se pouco a pouco
E com o mundo as imagens da memória.
Morrer sabendo próxima e implacável
A hora de deixar o doce efêmero.
Morrer o olhar voltado para a altura
Para a Face de Deus, ardente e pura.
Morrer como quem vai se despedindo
A fixar as paisagens mais antigas
E os seres mais longínquos, já partidos.
Morrer levando a vida já vivida!
Morrer maduro, e não qual fruto verde
Por violência dos galhos arrancados.
Augusto Frederico Schmitd
Cavaleiro da Esperança
Sonhador que labuta na esperança
Nesta fé antiga por velhos horizontes
Caminhas sem provisão e sem descanso
Por ávidos desertos e longinquas estâncias
Procuras a pura e simples felicidade
Que está tanto tempo por vir
E sua mania resoluta de insistir
Faz parte de sua clara identidade
Receba um vivo e régio conselho
E acharás para vida todas respostas
Olhe para ti no espelho
E veja como tu brilha nos meus olhos.
Henrique Rodrigues Soares - O que é a Verdade?
Ao meu Irmão Branco - Adriano Rodrigues Soares
Inocência
O veredicto ?
Sou essa mulher que no quarto as escuras
deixa provas da mais pura inocência
que ela tanto desejou.
E como sempre acontece, envolveu-me toda a alma
e eu não não renunciei a nada.
Foi este momento que escolhi para roubar-lhe a calma .
Cibele Camargo
Salve Mulher!
Salve Mulher,
canção eterna de cada estrela
braços que acolhem tantas almas
e que embala muitas lágrimas
Salve toda manifestação
da nossa emancipação,
na melodia colorida
de cada suor derramado
onde proclamas a paz e harmonia
Lutas pelo amor à vida
redimindo a dor compadecida
na crença que abrange
o sol de cada um
Transformas perdas
em alimento aos deserdados,
com maestria acolhes filhos
que não geraste
e vestes teus vazios com renúncias
das tuas mãos abençoadas
Conceição Bentes
Ser mulher
Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida, a liberdade e o amor,
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior...
Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor,
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um Senhor...
Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...
Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!
Gilka Machado
De Alma Feminina
Deixa a alma espalhar-se pelo vento
deixa o tempo perder-te onde quiser
deixa a brisa seguir teu pensamento
e a menina encontrar-se na mulher.
Aos látegos do mar o sonho acalma
aos espinhos do só o bem-me-quer
se tu ficas no campo e pões a alma
naquela rosa em que te vês mulher.
Perder-me em ti o teu amor ensina
e tanto vou perder-me onde puder
o quanto houver tua alma feminina
de ser deusa com alma de mulher.
Afonso Estebanez
Pelas Mulheres Anônimas
Rogo hoje a Deus pelas mulheres esquecidas
que sempre foram ‘caso’ e nunca foram tema:
mulheres sem o amor das musas pertencidas
sem o nome lembrado ao menos num poema.
E penso nas mulheres nunca compreendidas
as que sofrem sozinhas porque sentem pena
das mulheres que choram porque suas vidas
são extremos entre o prazer e a dor suprema.
E Deus se apraza das mulheres sem história
que desistem do sonho sem deixar memória
ou vivem de ilusões dos sonhos já passados.
Rogo de Deus o amor de dias complacentes
eis porque todas as mulheres são nascentes
dos milagres de amor que foram realizados!
Afonso Estebanez - Pelo Dia Internacional da Mulher
Beatriz
Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se um arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida
Chico Buarque
Ariana
Ela é o tipo perfeito da ariana,
Branca, nevada, púbere, mimosa,
A carne exuberante e capitosa
Trescala a essência que de si dimana.
As níveas pomas do candor da rosa,
Rendilhando-lhe o colo de sultana,
Emergem da camisa cetinosa
Entre as rendas sutis de filigrana.
Dorme talvez. Em flácido abandono
Lembra formosa no seu casto sono
A languidez dormente da indiana,
Enquanto o amante pálido, a seu lado
Medita, a fronte triste, o olhar velado
No Mistério da Carne Soberana
Augusto dos Anjos
Balada dos Sonhos
Canto o amor dos sonhos
perdidos nos recantos
das rimas musicadas,
com sabor do impreciso
onde cada verso se desfaz
Do abandono absoluto,
fica o silêncio completo
do meu sorriso incompleto
na tua ausência que escuto
E a música entoa
claves de saudades,
sonhadas sem efeitos
sob o derradeiro azul da aurora
em esboços perfeitos
nas letras do sol
Conceição Bentes
O Homem que Volta
Quando fui, com o meu sonho ingênuo e lindo,
Pelas estradas amplas, luminosas,
Vinham as Graças desfolhando rosas.
Ergui os olhos para os céus, sorrindo,
A beleza da vida pressentindo...
Quando vim, com o meu tédio miserando,
Pelos estreitos e áridos caminhos,
Iam as Parcas espalhando espinhos...
Baixei o olhos para o chão, chorando,
E fiquei para sempre meditando...
Da Costa e Silva
A uma Flor
Hoje é dia de fotos.
Oh, delicada, universal vaidade,
seria impressão ou recolhes as pétalas
ocultando alguma ruga que mal desponta?
Mas não me respondas.
Alguns segredos melhor se guardam
no faz-de-conta.
Fernando Campanella
Soneto do impossível
Não ouvirás nem luz, nem sombra inquieta
das sílabas que beijam tuas asas,
nem a curva em que morre a ardente seta,
nem tanta eternidade em horas rasas.
Não medirás a bêbeda corola
que abriste no final do meu sorriso,
nem tocarás o mel que canta e rola
na insônia sem estradas onde piso.
Não saberás o céu construído a fogo,
que tua jovem chave cerra e empana,
nem os braços de espuma em que me afogo.
Não verão os teu olhos quotidiana
a minha morte de homem embebida
no flanco de ouro e luar da tua vida.
Abgar Renault
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