Em face dos últimos acontecimentos

















Oh! sejamos pornográficos
(docemente pornográficos)
Por que seremos mais castos
que o nosso avô português?

Oh! sejamos navegantes,
bandeirantes e guerreiros,
sejamos tudo que quiserem,
sobretudo pornográficos.

Teus amigos estão sorrindo
de tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados,
que o melhor é ser pornográfico.

Propõe isso a teu vizinho,
ao condutor do teu bonde,
a todas as criaturas
que são inúteis e existem,
propõe ao homem de óculos
e à mulher de trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,
não quereis ser pornográficos?

Carlos Drummond de Andrade

Se
























Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;
Se és capaz de pensar –sem que a isso só te atires,
De sonhar –sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;
Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: “Persiste!”;
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao minuto fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais –tu serás um homem, ó meu filho!

.

If


If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you
But make allowance for their doubting too,
If you can wait and not be tired by waiting,
Or being lied about, don’t deal in lies,
Or being hated, don’t give way to hating,
And yet don’t look too good, nor talk too wise;
If you can dream–and not make dreams your master,
If you can think–and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you’ve spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build ‘em up with worn-out tools;
If you can make one heap of all your winnings
And risk it all on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breath a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: “Hold on!”
If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings –nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you;
If all men count with you, but none too much,
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds’ worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that’s in it,
And –which is more– you’ll be a Man, my son


Rudyard Kipling 

[tradução Guilherme de Almeida]
LP Paulo Bonfim, Guilherme de Almeida. gravadora RGE. selo Prosa e Poesia, 1989. Poema “Si” | “If”, de Rudyard Kipling.

Escritura
















Quando sobre o papel a pena escreve,
a qualquer hora solitária,
quem a guia?
A quem escreve o que escreve por mim,
margem feita de lábios e de sonho,
colina quieta, golfo,
ombro para esquecer o mundo para sempre?

Alguém escreve em mim, move-me a mão,
escolhe uma palavra, se detém,
pende entre mar azul e monte verde.
Com um ardor gelado
contempla o que escrevo.
A tudo queima, fogo justiceiro.
Mas o juiz também é justiçado
e ao condenar-me se condena:
não escreve a ninguém, a ninguém chama,
escreve-se a si mesmo, em si se esquece,
e se resgata, e volta a ser eu mesmo.

.

Escritura
Cuando sobre el papel la pluma escribe,
a cualquier hora solitaria,
¿quién la guía?
¿A quién escribe el que escribe por mí,
orilla hecha de labios y de sueño,
quieta colina, golfo,
hombro para olvidar el mundo para siempre?

Alguien escribe en mí, mueve mi mano,
escoge una palabra, se detiene,
duda entre el mar azul y el monte verde.
Con un ardor helado
contempla lo que escribo.
Todo lo quema, fuego justiciero.
Pero este juez también es víctima
y al condenarme, se condena:
no escribe a nadie, en sí se olvida,
y se rescata, y vuelve a ser yo mismo.


Octavio Paz

em “Transblanco: em Torno a Blanco de Octavio Paz”. [tradução Haroldo de Campos]. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

Motivos














Por que a poeira da estrada já se faz pálida
Há um rumor clamando urgências.

Por que os olhos da noite já se tornaram glaucos
Há uma esteira iluminando ontens.

Por que as nuvens galopam desenhos do instinto
Há uma foice ceifando minutos.

Por que o presto está prestes a partir na aventura
Há grãos debulhando agoras.

Por que o desejo alimenta a lentidão
Há um pandeiro no ritmo de frevo.

Por que a fala já é rouca no eco das sílabas
Há um discurso rotulando verbos.

Por que a carícia se assola no solo da pele
Há uma partitura sem sons no silêncio da gruta.

Motivos existem circundando mandalas
Mandá-las soar as sete notas sem as pausas
Alimentar os ventos aventureiros
Cantar a canção de embalo da sesta
Preservar a sedução no horário do corpo
Soprar nuvens no céu dos neurônios
Bem assim o pedido para alongar a música.


Aníbal Beça

Pela liberdade viva

















Meu amor

no teu peito de coragem
feito de pedras e cardos
há um país de viagem
e vinhos de cada cor
verdes maduros bastardos.

Há uma pedra de cal
em cada olhar que respira
há uma dor que já dura
desde que dura a mentira
há um muro levantado
numa seara madura.

Verde mar
verde limão
são os teus olhos de medo
o vento é este segredo
que escreve em cada manhã
o nome dela na erva
numa folha numa pedra
nos bagos de uma romã.

Acendo-te uma fogueira
nas tuas mãos acordadas
dou-te flores de laranjeira
dou-te ruas dou-te estradas
dou-te palavras secretas
dou-te coragem e setas
dou-te os meus dedos crispados
ponho cravos amarelos
à volta dos teus cabelos
dou-te o meu sangue vermelho
e o meu canto proibido

Dou-te o meu nome
raíz
há muito tempo arrancada
dou-te esta calma guardada
nos homens do meu país
dou-te a fome
do meu canto
dou-te os meus braços em cruz
e as mãos feitas num crivo
dou-te os meus pulsos abertos

mas é por outra que vivo.

Joaquim Pessoa

Eu te Amo




















Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir

Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir

Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios inda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair

Não, acho que estás se fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir


Chico Buarque de Holanda

Inquisição















Ao poeta que nos nega

Enquanto a inquisição
Interroga
a minha existência
e nega o negrume
do meu corpo-letra
na semântica
da minha escrita,
prossigo.

Assunto não mais
o assunto
dessas vagas e dissentidas
falas.

Prossigo e persigo
outras falas,
aquelas ainda úmidas,
vozes afogadas,
da viagem negreira.

E apesar
de minha fala hoje
desnudar-se no cálido
e esperançoso sol
de terras brasis, onde nasci,
o gesto de meu corpo-escrita
Levanta em suas lembranças
Esmaecidas imagens
de um útero primeiro.
Por isso prossigo.
Persigo acalentando
nessa escrevivência
não a efígie de brancos brasões,
sim o secular senso de invisíveis
e negros queloides, selo originário,
de um perdido
e sempre reinventado clã.

Conceição Evaristo













debaixo
da pia
um par
de mágoas
envelhecem

ratos visitam
a caligrafia das estradas
grafadas na lamúria das solas

no
ato
da
fome

como se fossem restos
de estômagos nos pratos
roem cada parte sentimental do couro

devoram
o tempo
e os endereços
sem o esteio do retorno
da classe social
das
ordinárias
botas
tristes


Carlos Orfeu

Adultos


















Cai a chuva
Torrencialmente
E quero seguir...

Há tanta coisa
Que me submeto,
Tanta coisa
Que me prende.

Correr na chuva!
É coisa de criança...

Cai a chuva
Libertando a terra
E não posso prosseguir...

Há tanta coisa
Que me suja
Tanta coisa
Que não me escusa.

Brincar na chuva!
É coisa de criança...


Henrique Rodrigues Soares – Pra Fora/ Por Dentro

Labirinto

















Não haverá uma porta. Já estás dentro,
Mas o alcácer abarca o universo
E não tem nem anverso nem reverso
Nem muro externo nem secreto centro.

Não penses que o rigor do teu caminho
Que fatalmente se bifurca em outro,
Que fatalmente se bifurca em outro,
Terá fim. É de ferro o teu destino

Como o juiz. Não creias na investida
Do touro que é um homem cuja estranha
Forma plural dá horror a essa maranha

De interminável pedra entretecida.
Não virá. Nada esperes. Nem te espera
No escuro do crepúsculo uma fera.

.

LABERINTO

No habrá nunca una puerta. Estás adentro
Y el alcázar abarca el universo
Y no tiene ni anverso ni reverso
Ni externo muro ni secreto centro.

No esperes que el rigor de tu camino
Que tercamente se bifurca en otro,
Que tercamente se bifurca en otro,
Tendrá fin. Es de hierro tu destino

Como tu juez. No aguardes la embestida
Del toro que es un hombre y cuya extraña
Forma plural da horror a la maraña

De interminable piedra entretejida.
No existe. Nada esperes. Ni siquiera
En el negro crepúsculo la fiera.


Jorge Luis Borges, em “Quase Borges: 20 transpoemas e uma entrevista”. [traduções de Augusto de Campos]. São Paulo: Terracota, 2013.

Travar Conhecimento com a Noite













Sou um que travou conhecimento com a noite.
Eu fui passear na chuva – e na chuva voltei.
Deixei longe a luz mais distante da cidade.

Olhei a mais triste ruela da urbe.
Passei pelo vigia em sua ronda
E para não explicar baixei os olhos.

Fiquei imóvel sem o barulho dos meus passos
Quando de longe um grito interrompido
Veio, por sobre as casas, de outra rua,

Mas não era chamado ou despedida;
E mais longe ainda, numa altura incrível,
Contra o céu, havia um relógio iluminado

Proclamando que a hora não era certa nem errada.
Fui um que travou conhecimento com a noite.



em Inglês:

Acquainted with the Night

I have been one acquainted with the night.
I have walked out in rain – and back in rain.
I have outwalked the furthest city light.

I have looked down the saddest city lane.
I have passed by the watchman on his beat
And dropped my eyes, unwilling to explain.

I have stood still and stopped the sound of feet
When far away an interrupted cry
Came over houses from another street,

But not to call me back or say good-bye;
And further still at an unearthly height,
One luminary clock against the sky

Proclaimed the time was neither wrong nor right.
I have been one acquainted with the night.

Robert Frost

FROST, Robert. Travar conhecimento com a noite. Tradução de Marisa Murray. In: __________. Poemas escolhidos de Robert Frost. Tradução de Marisa Murray. 1. ed. Rio de Janeiro: Lidador, 1969. p. 80.

A Terra
















Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação!
Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois...
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.

Terra, minha mulher!
Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!

A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...
Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.

Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!


Miguel Torga

Travesseiro

















Não há nada que não possa encontrar lá embaixo.
Vozes nas árvores, as páginas desaparecidas
do mar.

Tudo exceto o sono.

E a noite é um rio a unir
os bancos da fala e da escuta,

uma fortaleza, indefesa e inviolável.

Não há nada que ali não se encaixe:
fontes obstruídas com lama e folhas,
as casas de minha infância.

E a noite começa quando os dedos de minha mãe
soltam o fio
que eles atam e desatam
para tocar a borda de nossa desgastada história.

A noite é a sombra das mãos do meu pai
ajustando o relógio para a ressurreição.

Ou está o relógio desenredado, os números esvoaçados?

Nada há que não tenha encontrado lá em casa:
asas descartadas, sapatos perdidos, um alfabeto em frangalhos.

Tudo exceto o sono. E a noite se inicia

com o primeiro jasmim
decepado, quando, enfim, sua fragrância cativa
libera-se das roupas mortuárias.




Pillow

There’s nothing I can’t find under there.
Voices in the trees, the missing pages
of the sea.

Everything but sleep.

And night is a river bridging
the speaking and the listening banks,

a fortress, undefended and inviolate.

There’s nothing that won’t fit under it:
fountains clogged with mud and leaves,
the houses of my childhood.

And night begins when my mother’s fingers
let go of the thread
they’ve been tying and untying
to touch toward our fraying story’s hem.

Night is the shadow of my father’s hands
setting the clock for resurrection.

Or is it the clock unraveled, the numbers flown?

There’s nothing that hasn’t found home there:
discarded wings, lost shoes, a broken alphabet.

Everything but sleep. And night begins

with the first beheading
of the jasmine, its captive fragrance
rid at last of burial clothes.



Li-Young Lee


LEE, Li-Young. Pillow. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book of contemporary american ‎poetry. 2nd ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House ‎Inc.), march 2003. p. 583-584.

Canção amiga
















Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.


Carlos Drummond de Andrade















diante da nudez do horizonte
estranha-se

desdobra-se no reflexo
disforme do mundo
em repouso na angústia

diante da nudez do horizonte
chega-se ao subterrâneo de si

olhando-se
mais
a fundo

reencontra o nada
de ser


Carlos Orfeu

Poema


A minha vida é o mar o abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada


Sophia de Mello Breyner Andresen

A instabilidade das cousas do mundo























Nasce o sol e não dura mais que um dia.
Depois da luz, se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém, se acaba o sol, porque nascia?
Se é tão formosa a luz, porque não dura?
Como a beleza assim se trasfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no sol e na luz falta a firmeza;
Na formosura, não se dê constância
E, na alegria, sinta-se tristeza.

Começa o mundo, enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza:
A firmeza somente na inconstância.

Gregório de Matos.Obra Completa.

O que Alécio vê













A voz lhe disse ( uma secreta voz):
- Vai, Alécio, ver.
Vê e reflete o visto, e todos captem
por seu olhar o sentimento das formas
que é o sentimento primeiro - e último - da vida.

E Alécio vai e vê
o natural das coisas e das gentes,
o dia, em sua novidade não sabida,
a inaugurar-se todas as manhãs,
o cão, o parque, o traço da passagem
das pessoas na rua, o idílio
jamais extinto sob as ideologias,
a graça umbilical do nu feminino,
conversas de café, imagens
de que a vida flui como o Sena ou o São Francisco
para depositar-se numa folha
sobre a pedra do cais
ou para sorrir nas telas clássicas de museu
que se sabem contempladas
pela tímida (ou arrogante) desinformação das visitas,
ou ainda
para dispersar-se e concentrar-se
no jogo eterno das crianças.

Ai, as crianças... Para elas,
há um mirante iluminado no olhar de Alécio
e sua objetiva.
(Mas a melhor objetiva não serão os olhos líricos de Alécio?)
Tudo se resume numa fonte
e nas três menininhas peladas que a contemplam,
soberba, risonha, puríssima foto-escultura de Alécio de Andrade,
hino matinal à criação
e a continuação do mundo em esperança.


Carlos Drummond de Andrade

A Paz



















A paz invadiu o meu coração
De repente, me encheu de paz
Como se o vento de um tufão
Arrancasse meus pés do chão
Onde eu já não me enterro mais

A paz fez um mar da revolução
Invadir meu destino, a paz
Como aquela grande explosão
Uma bomba sobre o Japão
Fez nascer o Japão da paz

Eu pensei em mim
Eu pensei em ti
Eu chorei por nós
Que contradição
Só a guerra faz
Nosso amor em paz

Eu vim
Vim parar na beira do cais
Onde a estrada chegou ao fim
Onde o fim da tarde é lilás
Onde o mar arrebenta em mim
O lamento de tantos "ais"


Compositores: Lucas Correa De Oliveira / Wilibaldo Neto

Intérprete: Gilberto Gil

O Tempo seca o Amor

O tempo seca a beleza, seca o amor, seca as palavras. Deixa tudo solto, leve, desunido para sempre como as areias nas águas. O tempo seca a ...

Nos últimos 30 dias.