Magia das Cores
De quando em quando um sopro divino,
Céu em cima, céu no fundo,
Mil canções canta a luz,
No multicolor Deus se fez mundo.
Branco para o preto, quente para o frio
Sentem-se sempre atraídos.
Do eterno turbilhar desse caótico rio
Filtra-se novo o arco-íris.
Pela nossa alma assim se transforma mil vezes em
tortura e encontro
A luz de Deus criada, forma
E como sol a enaltecemos.
Hermann Hesse
O Cisne
Este sacrifício de avançar
pelos feixes do irrealizado
lembra um cisne, altivo a caminhar.
E a morte – esse nada mais buscar
do chão diariamente repisado –
lembra a sua angustia de pousar
sobre as águas que o recebem mansas
e cedem sob ele, em suaves tranças
de marolas que cercá-lo vem;
enquanto ele, calmo e independente,
segue sempre majestosamente
como ao seu capricho lhe convém.
Rainer Maria Rilke
"Oceano Nox "
Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo dum pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,
Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...
Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que ideia gravitais?
Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...
Antero de Quental
Canteiros
Quando penso em você
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Já me dá contentamento
Pode ser até manhã
Sendo claro, feito o dia
Mas nada do que me dizem
me faz sentir alegria
Eu só queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moço
pra tanta tristeza ...
E deixemos de coisa,
cuidemos da vida
Senão chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moço
Sem ter visto a vida
Cecília Meireles
O sol de nossas vidas...
“Cada minuto é apenas um momento musical,
sem memória.. E a saudade não vem de
longe, é como uma cor outonal na paisagem
e muda como um poente...Não há futuro.
Tudo é paisagem para os nossos olhos
calmos e líricos.
Sentimos a intimidade das coisas
impossíveis”.
Cristovam Pavia
Infinito interior...
trago dentro de mim um mar imenso
feito de vagas tristes
e sonhos vagos
o horizonte é uma manhã
que eu quis minha para ser eu
e para porto de abrigo escolhi uma tarde
que soubesse chorar a morte do sol
José Rui Teixeira
Romantismo
Seremos ainda românticos
- e entraremos na densa mata,
em busca de flores de prata,
de aéreos,invisíveis cânticos.
Nas pedras, à sombra,sentados,
respiraremos a frescura
dos verdes reinos encantados
das lianas e da fonte pura.
E tão românticos seremos
de tão magoado romantismo,
que as folhas dos galhos supremos
que se desprenderem no abismo
pousarão na nossa memória
- secas borboletas caídas -
e choraremos sua história,
- resumo de todas as vidas.
Cecília Meireles
A Canção da Vida
A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)
Mario Quintana
O Auto-retrato
No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
Mario Quintana
XII
Para Érico Veríssimo
O dia abriu seu pára-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.
Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua - a Lua! - em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado...
Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo... Céu é que lhes falta
Pra suportarem a existência rude!
E eles sonham, imóveis, deslumbrados,
Que são dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranqüila de um açude...
Mario Quintana
“Metáfora”
Já não tento reter do dia
a luz que por exata concede
a chama alquímica dos amantes
a doçura de pétalas breves.
O tempo tem o galope das Fúrias
ventos que jamais enternecem.
Melhor correr da memória o labirinto,
drenar os aquíferos fundos
e aguardar: o que restar
será na noite a forma intáctil,
o espectro redivivo.
(Mais no mundo me vivo,
mais no comando de sombras me esmero.)
Deus conceda que me baste
este último consolo de náufrago,
a metáfora,
pétala incorpórea com que me visto.
Fernando Campanella
Como um embalo
Fosse uma chama, crepitaria
sob meus dedos, na solidão.
Nada mais quero, nada queria.
As noites chegam, os dias vão.
Fosse uma chama, breve arderia,
brasa de sonho, na escuridão.
Já nada quero da luz do dia...
Queima uma estrela na minha mão.
Mas nada quero da luz da estrela...
(Chegam as noites, os dias vão.)
Por que sonhá-la, se vais perdê-la,
alma perdida na solidão?
Alphonsus de Guimaraens Filho
Canção de barco e de olvido
Para Augusto Meyer
Não quero a negra desnuda.
Não quero o baú do morto.
Eu quero o mapa das nuvens
E um barco bem vagaroso.
Ai esquinas esquecidas...
Ai lampiões de fins de linha...
Quem me abana das antigas
Janelas de guilhotina?
Que eu vou passando e passando,
Como em busca de outros ares...
Sempre de barco passando,
Cantando os meus quintanares...
No mesmo instante olvidando
Tudo o de que te lembrares.
Mario Quintana
Sopro do Vento
Soltei palavras ao vento...
Palavras soltas como
Pássaros de asas abertas
Que não possuem destino,
Nem desatino, apenas pulsam em vôos livres...
Pois que voem livres as palavras,
Que ecoem em canções e gemidos.
Em pranto e prece, até que se calem
Todas as feridas, todas as iras...
Que a palavra finalmente expressa,
Seja livre, doce e calma
Definitivamente liberta, pois...
Hoje quero esta calma,
Azul e mar,
Sono e cama,
Silêncio e carinho...
Sonia Schmorantz
Depois da Chuva
Tudo o que vires é teu.
A seiva que lutou em cada folha,
E a fé que teve medo e se perdeu.
Abre a janela, e colhe!
É o que quiser a tua mão atenta:
Água barrenta,
Água que molhe,
Água que mate a sede...
Abre a janela, quanto mais não seja
Para que haja um sorriso na parede!
Miguel Torga
Jogo
Eu, sabendo que te amo,
e como as coisas do amor são difíceis,
preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
uma em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez, uma hipótese
de entendimento.
É então que chegas,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.
Nuno Júdice
Esperança
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
Mario Quintana
Os degraus
Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...
Mario Quintana
Livre Arbítrio
Os meus erros e acertos
As razões e as probalidades
As emoções e as familiaridades
Os enganos e os concertos
As falhas e os defeitos
As mentiras e os abrigos
Os caminhos e os amigos
Em nada sou perfeito
As escolhas e os endereços
Atitudes e verdades
Os inimigos e as adversidades
Na nossa apoteose são adereços
As desconfianças e as culpas
'O ser ou não ser', as temeridades
Se aventurar ou a ociosidades
As confianças e as desculpas
Como humano a ingratidão
É qualidade maior que nos veste
O nosso Senhor nos concede
Depois da liberdade! A Salvação!
Henrique Rodrigues Soares - Oque é a Verdade?
Procura da Poesia
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Carlos Drummond de Andrade
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!
Mario Quintana
Inscrição para um portão de cemitério
Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
"Ponham-me a cruz no princípio...
E a luz da estrela no fim!"
Mario Quintana
Poemagem
Tudo como aconteceu
- Poesia !
Pelo mal que me fez feliz
e por saber de seus pensamentos
preenchem páginas, muros e manifestos
os seres vivos e fantasias que lhe deram um nome
o costume de ser apenas a você, os merecimentos
por nunca terem sido verdadeiros
longe do que não pode ser por estarmos sempre juntos
longe do talento de criar alguém, por nunca ter existido.
o que se vê em um novo horizonte,
está ausente de velhos sentimentos
perto do que de mehor fizemos, perto de tocar você
e se conseguisse, diria que não foi amor...
somos apenas poesia
é isso...
até você ficar em páginas, muros e manifestos.
Cibele Camargo
Inconstância
Procurei o amor, que me mentiu.
Pedi à vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!
Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!
Passei a vida a amar e a esquecer...
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...
E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há-de partir também... nem eu sei quando...
Florbela Espanca
"Decifra-me"
A lua é um criptograma.
Decifra-me, diz ela
à minha metade analítica
E trôpega.
À minha outra porção,
Mais precavida
Ante o mistério das coisas,
Ela sussurrra-me apenas:
bebe de meu vinho e sonha.
Fernando Campanella
Blues Fúnebres
Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás.
Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto — um laço no pescoço —
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.
Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.
É hora de apagar estrelas — são molestas —
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante.
Wystan Hugh Auden
Tradução de Nelson Ascher
Do azul, num soneto
Verificar o azul nem sempre é puro.
Melhor será revê-lo entre as ramadas
e os altos frutos de um pomar escuro
- azul de tênues bocas desoladas.
Melhor será sonhá-lo em madrugadas,
fresco, inconstante azul sempre imaturo,
azul de claridades sufocadas
latejando nas pedras – nascituro.
Não este azul, mas outro e dolorido,
evanescente azul que na orvalhada
ficou, pétala ingênua, torturada.
Recupero-o, sem ter, e ei-lo perdido,
azul de voz, de sombra envenenada,
que em nós se esvai sem nunca ter vivido.
Alphonsus de Guimaraens Filho
Perder sem se perder
Foram-se, os amores que tive;
ou me tiveram.
Partiram.
Num cortejo silencioso e iluminado.
A solidão me ensina a não acreditar na morte,
nem demais na vida:
cultivo segredos num jardim,
onde estamos eu,
os sonhos idos,
os velhos amores e os seus recados,
e os olhos deles que ainda brilham,
como pedras de cor entre as raízes.
Lya Luft
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