Janelas
Em todas as janelas
me debruço,
em todos os abismos
estendo uma corda
e caminho sobre as águas,
subo em nuvens,
galgo intermináveis escadas.
Abro todas as portas
e cavernas com um sopro
ou três palavras mágicas.
Mergulho em torvelinhos,
danço no meio do vento,
pulo dentro da tempestade.
Em cada encruzilhada me sento
e tento arrumar o destino,
estranho castelo de areia.
Roseana Murray
Sob o Céu tão Azul
Sob o céu tão azul que se espiritualiza,
o jardim vai fechar as pétalas das rosas
como alguém que cerrasse as pálpebras medrosas
para ver o que só no sonho se divisa...
Tudo adormece em torno...E a paisagem, mais lisa
que um esmalte, desfaz em sombras vaporosas...
Passam apenas no ar, vêm das moitas cheirosas
perfumes doces, sons de frauta pela brisa...
A noite desce e apaga as cores... E a vida
do jardim silencioso onde as luzes se enfeixam,
sobrevive somente a voz d´água, esquecida.
E sob o céu azul que se prolonga além,
fecham-se as flores, como os olhos, lentos, fecham
para ver o que só no sonho os olhos vêem...
Onestaldo de Pennafort
Rio do Tempo
A sisudez do tempo não esconde o cansaço,
o desassossego da alma, mas
o lamento das coisas dissolve-se em lembranças,
que ainda guardam a limpidez das águas da infância,
reparando conquistas e derrotas ao redor dos dias.
Memória serena como a dos rios
que seguem eterna viagem para o mar,
mar que também é pura vivência,
sentinela de sonhos,
a guardar os segredos do vento.
Rio e mar são preces a decantar o tempo,
na vigília da memória e das trilhas percorridas,
um ofício íntimo a experimentar maturidades,
que fio por fio vai tecendo um poema de vida.
Não há pranto que aqui se demore,
assim como não há felicidade perene,
mas a vida é assim, esta água cristalina
a escorrer no leito dos rios,
lavando as ruínas deixadas pelo caminho,
espelhando amor de diferentes quimeras.
Sônia Schmorantz
Preciso Amar!
Preciso novamente amar...
Amar com versos esquecidos
Preciso encontrar aquele olhar
Antigo e adormecido.
Amar de corpos aquecidos
De suor e odores atrevidos
Beijar perdendo os sentidos
Os limites e a libido.
Preciso novamente amar...
Amar como proibido
Saqueando e sendo perseguido
Comendo e sendo comido
Um lutar e ser vencido.
Amar como enlouquecido
Mar bravio que não pode ser contido
Perdendo respeito pelo temido
Num se pegar que nos deixa combalido.
Preciso Amar... Preciso Amar...
Ressuscitando a pegada do que foi falecido
Reanimando os beijos que estão adoecidos
Reatando os votos prometidos.
Henrique Rodrigues Soares – O que é a Verdade?
Sensibilidade
Meu coração,
É um quarto de espelhos,
Que reflete e multiplica,
Infinitamente,
Uma impressão.
É como o eco
Dos longos corredores desertos,
Que repete e amplifica,
Misteriosamente,
Uma palavra.
É como um frasco de perfume raro
Que guardou,
Para sempre,
Um leve aroma da essência que encerrou.
Helena Kolody
Verso em Canção
Talvez mais um sonho se acabe,
Quando o amor que se cala...
Levando um pedaço da alma,
É luz de estrela que apaga!
Os dias são linhas em branco,
O brilho nos olhos se finda,
É quase viver meia vida...
Quando o desejo termina!
Nos vagos minutos dos dias,
Espaços que nada preenche,
Eu tenho somente palavras...
Apenas pra quem compreende!
Eu fiz esse verso em canção,
Apelo suave em meus olhos,
Num eco de meu coração...
Encontro a metade perdida!
Reggina Moon
Soneto de Papel
"Por escrito sou mais do que respiro”
Antônimo de mim, há sinonímias
Em eu querer já não querer mais nada,
Senão a minha ausência de mãos postas.
Por escrito! E a escrever que ninguém pode!
Contudo, que descanso em que pudesse!
A única viagem que é só minha
Mora na asa infinita da palavra!
Há muitas vozes neste vôo e entanto
O meu suspeito coração consegue
Amealhar fortunas de silêncio!
Natureza concreta que rabisco
De almas, à custa de buscar-me um outro
Nos dicionários que anoiteço em mimm...
Homero Frei
Análise
Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.
Fernando Pessoa
Recomeçar
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…
Miguel Torga
Caminho
Há mentiras demais e compromissos
(Poemas são palavras recompostas)
E por tantas perguntas sem respostas
Mascara-se a verdade com postiços.
Não vida, nem sombra, nem razão,
É jaula de doidice furiosa,
Eriçada de gritos, angulosa,
Com estilhaços de vidro pelo chão.
E carrego demais esta jornada
E protestos não servem, nem suores,
Já mordidos os membros de tremores,
Já vencida a bandeira e arrastada.
Depois se me apagaram os amores
Que a viagem fizeram desejada.
José Saramago
Trapezista
A vida chega em silêncio;
desenvolve reflexos,
interroga esfinge
que responde ou nega
num espelho baço.
(A resposta nunca é clara
nem é pequena.)
Não é a mim que vejo:
é o outro, num misto de incerteza
e esperança de que não seja
mais um rosto virado,
uma boca cerrada
- mais um desgosto
a cada passo.
Desejo, sonho e medo,
o amor é salto em rede
entre a razão e a magia,
(E só assim vale a pena.)
Lya Luft
Murmúrio
Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!
Canção
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
Cecília Meireles
Ilhas
Somos ilhas no mar desconhecido.
O grande mar nos une e nos separa.
Fala de longe o aceno leve das palmeiras.
Mensagens se alongam nas líquidas veredas.
Cada penhasco é tão sozinho e diferente!
Ninguém consegue partilhar a solidão.
Ilhas no grande mar, aprisionadas,
Apenas o perfil das outras ilhas vemos.
Só Deus conhece nossa exata dimensão...
Helena Kolody
O Tempo
Indomável, invencível, arrogante
Como um rio a correr vertiginoso
Não te condoes nem mesmo por instante
Aos clamores dc um coração choroso.
Passageiro do mundo, incessante,
Num desafio bruto, desdenhoso,
Vais rasgando num gesto delirante
As entranhas da vida, impetuoso.
Conduzindo aos abismos do passado
Tudo quanto te surge no caminho,
Ó Tempo, não conheces a piedade!
Nada te faz parar. No triste fado
De não retroceder, seguir sozinho,
Só quem te faz deter é a Saudade.
Bernardina Vilar
Recordação
E tu esperas, aguardas a única coisa
que aumentaria infinitamente a tua vida;
o poderoso, o extraordinário,
o despertar das pedras,
os abismos com que te deparas.
Nas estantes brilham
os volumes em castanho e ouro;
e tu pensas em países viajados,
em quadros, nas vestes
de mulheres encontradas e já perdidas.
E então de súbito sabes: era isso.
Ergues-te e diante de ti estão
angústia e forma e oração
de certo ano que passou.
Rainer Maria Rilke
Poema à boca fechada
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
José Saramago
Palavras
Palavras, atirei-as
Como quem joga pedras, lança flores.
Abriram fendas nas areias,
Suscitaram carícias e furores.
Sobre mim recaíram
Pesada de multíplices sentidos.
Tenho os lábios que um dia as proferiram
E os dedos que as gravaram - já feridos.
Tintas de sangue as restituo aos ventos,
Prestidigitador que sou de sons, palavras.
Dá-lhes novos alentos,
Fogo sonoro que em mim lavras!
Errantes lá pra solidões imensas
Com asas no seu peso, à recaída,
Me tragam, ágeis, densas,
A resposta final que me é devida.
José Régio
Velha Canção
Não penses que não te espero
na aparente indiferença.
Esta fingida descrença
só disfarça desespero.
Se a falsa máscara fria
pudesse quebrar esta ânsia
saberias que a constância
é meu pão de cada dia.
Um pudor duro e severo
esperar desesperado
é o que nutre este pecado
de querer como te quero.
Destarte - tímido louco -
não ouso sondar tua alma
e nesta insofrida calma
dia a dia morro um pouco.
Menotti del Picchia
MÃE
Como falar do que é humanamente divino?
Como falar do que nos é tão substancial?
De ovozigoto a menino
este cordão umbilical.
Como falar do meu destino?
Fitalos num olhar maternal
Uma voz suave de ensino
que fala em mim tão natural
Ainda te amo como menino
num amor febril, sobrenatural
No teu colo meu ninho
para ver teu sorriso angelical
Como começo ou como termino
Neste teu calor sem igual
Serei sempre um pequenino
E tu um ser celestial.
Henrique Rodrigues Soares - O que é a Verdade?
Soneto
A uma réstia de sonho chamam vida.
A uma sombra maior chamam-lhe morte.
Vida e morte, não mais, pouso e suporte,
sopro de permanência e despedida.
Uma treva febril noite é chamada.
A uma luz mais febril chamam-lhe dia.
E entre elas se põe a estrela fria
que irrompe como flor da madrugada.
Paira em tudo um silêncio que anoitece,
que amanhece, e que vence todo ruído,
e como sol não visto num perdido
horizonte se esfaz e se retece
Tudo é longe demais, por demais perto.
E a alma, que faz neste feroz deserto?
Alphonsus de Guimaraens Filho
O Silêncio
Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,
quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.
Eugênio de Andrade
Espaço Curvo e Finito
Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças
E ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe,
Um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.
José Saramago
A primeira vez
A primeira vez que entendi do mundo alguma coisa,
foi quando na infância cortei o rabo de uma lagartixa
e ela continuou se mexendo.
De lá pra cá fui percebendo
que as coisas permanecem vivas e tortas,
que o amor não acaba assim,
que é difícil extirpar o mal pela raiz.
A segunda vez que entendi do mundo alguma coisa,
foi quando na adolescência me arrancaram do lado esquerdo
três certezas e eu tive que seguir em frente.
De lá pra cá aprendi a achar no escuro o rumo
e sou capaz de decifrar mensagens,
seja nas nuvens ou no grafite de qualquer muro.
Affonso Romano de Sant'Anna
Venham enfim
Venham enfim as altas alegrias,
As ardentes auroras, as noites calmas,
Venha a paz desejada, as harmonias,
E o resgate do fruto, e a flor das almas.
Que venham, meu amor, porque estes dias
São morte cansada,
De raiva e agonias
E nada.
José Saramago
A Canção do Mar
À sombra dos imensos coqueirais,
Ouço as queixas infindas e os tormentos
Do mar que entre gemidos espectrais,
Confessa à solidão seus sofrimentos!
Gosto de ouvir os mares turbulentos,
Que nas suas canções sentimentais,
Tem a monotonia dos lamentos
Que os sinos soltam pelas catedrais. . .
Escuto ao longe entre profundas magoas,
Os soluços monótonos das águas
Que vão aos poucos para o céu crescendo!
Num cenário de dor e convulsão,
Enquanto as ondas preguiçosas vão
Pela areia da praia se estendendo. . .
Miguel Jansen Filho
Canção para um Desencontro
Deixa-me errar alguma vez,
porque também sou isso: incerta e dura,
e ansiosa de não te perder agora que entrevejo
um horizonte.
Deixa-me errar e me compreende
porque se faço mal é por querer-te
desta maneira tola, e tonta, eternamente
recomeçando a cada dia como num descobrimento
dos teus territórios de carne e sonho, dos teus
desvãos de música ou vôo, teus sótãos e porões
e dessa escadaria de tua alma.
Deixa-me errar mas não me soltes
para que eu não me perca
deste tênue fio de alegria
dos sustos do amor que se repetem
enquanto houver entre nós essa magia.
Lya Luft
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