Daqui a alguns minutos será 2010, e desejo como todos realizações, paz, saúde para mim e para nossa humanidade, em que alguns tem esse direito e outros faltam até a sobrevivência.
Aos meus amigos leitores, aos colegas bloguistas, aos que passearam por aqui, conhecendo a minha poesia e os autores que me ensinam.
BOAS FESTAS! FELIZ 2010!
E JUNTO ESTAREMOS POR AQUI... AQUELE ABRAÇO!
Breve...
Tenho a brevidade nos meus dias
o instante nunca se repete
nossos atos nos enganam
na vaidade do livre arbítrio
os fatos cospem em nossa face
a força e o poder diminuídos.
De que nossos muros foram construídos?
De que vale tantos símbolos de juventude!
De que nossos ossos foram revestidos?
Para suportar o orgulho vencido.
Vamos correr por nossas pernas.
Vamos sorrir com improviso.
Deus alimenta minhas veias
com as palavras que preciso.
Henrique Rodrigues Soares - O que é a Verdade?
Morte... Vida...
Se existe um amanhã... Um "logo mais"...
Quem sabe, onde a certeza do momento?
Viver, morrer... É tudo tão fugaz...
Efêmero... Qual é o pensamento.
Se agora, aqui... Em breve o corpo jaz
em meio ao canto triste do lamento.
Os sonhos... São entregues ao jamais...
Os planos... Perdem-se em esquecimento.
O Agora é tua vida, teu instante,
traze bem junto a ti quem é distante,
quem dá sentido a tu'alma, ao teu amor.
Pois só o amor conduz à eternidade,
o mais... O mais é vão, tola vaidade,
que em si traz o vazio, angústia e dor!
Patricia Neme
Campo de Meditação
As estradas que sempre iam,
continuam indo, a despeito de mim
que por hora estou voltando...
Mas quando não houver
mais estradas para quem vai,
suave será a carona dos riachos
que são estradas feitas de lágrimas
de saudade dos amores viajados.
Continuarão, como os dias e as noites,
na direção do reino do nunca mais...
E como as rosas num leito de orvalho,
é possível que eu me reencontre comigo
em qualquer curva do crepúsculo
para o vasto espanto das manhãs
que terei deixado para trás...
E não posso evitar que seja assim:
as estradas levando a memória
do quanto eu ando de rosas
nas veredas do meu jardim...
Afonso Estebanez
La Vida es Sueño
A pedra
a pedra como o fogo
com suas resinas e ramas
a pedra como o fogo
é um sonho
de pálpebras abertas.
O sonho é quando
no veludo íntimo da noite
fogo e pedra se sonham:
— as pálpebras cerradas.
Hélio Pellegrino
Semântica
Chego mais fico ausente,
o triste é também o belo,
procuro o que não se perde
nem se pode encontrar.
Buscar respostas nos livros
é esconder-se entre linhas.
Não creio no que se enxerga,
mas nisso que se disfarça
por mais que se tente olhar:
assim me tem seduzida.
Eis o jogo que eu persigo,
meu jeito de ser feliz,
o desafio que me embala:
sempre que escrevo "morte"
estou falando de vida.
Lya Luft
'MANHÃ NO MEU JARDIM'
Há festas nas campo, ânsias que crescem
Sob a cortina verde da ramagem,
Enquanto as samambaias estremecem
Aos beijos brandos da sublime aragem!
Uns retalhos de sol sobre a folhagem
Tremeluzindo, das alturas, descem
E no fundo azulado da paisagem,
De várias cores, um tapete tecem . . .
Há mensagens de olências nos canteiros !
Chovem pétalas brancas, perfumadas,
Da fronde angelical dos jasmineiros . . .
E a manhã, como uma águia de marfim ,
Desce dos chapadões das madrugadas
E abre as asas de luz no meu jardim!
Miguel Jansen Filho
Poema para um Quase Verão
Nas noites de um quase verão
entre as nuvens de uma chuva fina,
de asas abertas sombras e vultos se movem
entre os zumbidos que ecoam na noite...
São murmúrios escondidos,
são caricias do vento na verde ramagem.
Chuva, nuvens, estrelas
lua que brinca de esconde-esconde,
brinca comigo, com meus pensamentos.
Vem vento, vai vento... devagar
desprende as palavras deste poema à toa.
Brinca comigo, com minha alma
leva para fora os sons rasteiros das tristezas,
desperta a brasa destes mornos versos,
vai nas ondas deste mar,
desenterra os sonhos náufragos lá do fundo,
e deixa-os voar nas asas de uma gaivota,
plainando entre o mar e o céu
em uma rubra noite de verão...
Sônia Schmorantz
Verdade Cristã
Quando em mim me procuro
Eu não me acho
Me perco no escuro
não encontro meus passos.
Me digo seguro
mas não controlo que faço
num pecador mais maduro
quase sempre me disfarço.
Sem o sangue de Cristo. Sou impuro
e retorno aos meus pecados.
Mas quando me deixo crucificado,
nele que é puro...
então estou libertado.
Henrique Rodrigues Soares - O que é a Verdade?
Nirvana
Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,
Sem amor, sem anseios, sem carinhos,
Livre de angústias e felicidades,
Deixando pelo chão rosas e espinhos;
Poder viver em todas as idades;
Poder andar por todos os caminhos;
Indiferente ao bem e às falsidades,
Confundindo chacais e passarinhos;
Passear pela terra, e achar tristonho
Tudo que em torno se vê, nela espalhado;
A vida olhar como através de um sonho;
Chegar onde eu cheguei, subir à altura
Onde agora me encontro - é ter chegado
Aos extremos da Paz e da Ventura!
Antero de Quental
'MADRUGADA EM MEU JARDIM '
Um divino clarão vem do nascente
E sobre o meu jardim calmo resvala!
Na graça deste quadro reluzente,
A aragem fria os meus rosais embala!
Tudo desperta misteriosamente!
E a luz cresce e se expande em doce escala,
Avivando o lençol resplandescente
Da brancura dos lírios cor de opala!
E o sol, doirando as franjas do horizonte,
Celebra a missa do romper da aurora
Na doce Eucaristia do levante!
Da passarada escuta-se o clarim !
E a madrugada estende-se sonora,
Na aleluia de luz do meu jardim !
Miguel Jansen Filho
Solidão
A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.
Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:
então, a solidão vai com os rios...
Einsamkeit
Die Einsamkeit ist wie ein Regen.
Sie steigt vom Meer den Abenden entgegen;
von Ebenen, die fern sind und entlegen,
geht sie zum Himmel, der sie immer hat.
Und erst vom Himmel fällt sie auf die Stadt.
Regnet hernieder in den Zwitterstunden,
wenn sich nach Morgen wenden alle Gassen
und wenn die Leiber, welche nichts gefunden,
enttäuscht und traurig von einander lassen;
und wenn die Menschen, die einander hassen,
in einem Bett zusammen schlafen müssen:
dann geht die Einsamkeit mit den Flüssen...
Rainer Maria Rilke, em "O livro de Imagens " (1902-1906) Primeiro Livro Parte I. In: CAMPOS, Augusto de (organização e tradução). Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2013, p. 54-55.
Montanhas dentro da noite
O lago está apagado,
escuro dorme o canavial
a resmungar em sonho.
Espalham-se terríveis sobre a terra
as longas ameaças das montanhas:
elas não tem descanso,
respiram fundo e ficam
umas de encontro às outras apertadas,
num surdo respirar,
carregadas de forças abafadas
sem remissão numa paixão insaciada.
Hermann Hesse
De um andar noturno
Tempestade, chuva oblíqua,
negreja a pradaria,
solenes sombras de nuvens
fazem-nos companhia.
De um vão entre escuras nuvens
súbito a se iluminar
a noite esgueira-se e espia
plena de luar.
Límpidas ilhas do céu,
estrelas sóbrias saúdam;
ao luar, fímbria de nuvens
em rios de prata ondula.
Alma, prepara-te, alma!
Das trevas do tempo,
irmãos de longe te acenam
com pisos de ouro.
Alma, responde ao sinal:
banha-te no espaço!
Deus guiará para a luz
teus obscuros passos.
Hermann Hesse
Concerto de Passos
Ouço passos
na calçada da ilusão
orquestra de um sonho.
Nuvens quentes
em concerto
brincam de Mozart, Chopin.
Em passos de concerto
o céu tornou-se cenário
palco festivo
de estrelas dançarinas
namorando a lua.
Solene e grave
a orquestra
veste-se de noite.
Há concertos de passos
passos de um concerto
a brincar de sonhos
-ela é nossa emoção.
Alvina Nunes Tzovenos
Canção da falsa adormecida
Se te pareço ausente, não creias:
Hora a hora o meu amor agarra-se aos teus braços,
Hora a hora o meu desejo revolve estes escombros
E escorrem dos meus olhos mais promessas.
Não acredites neste breve sono;
Não dês valor maior ao meu silêncio;
E se leres recados numa folha branca,
Não creias também: é preciso encostar
Teus lábios em meus lábios para ouvir.
Nem acredites se pensas que te falo:
Palavras
São o meu jeito mais secreto de calar.
Lya Luft
Deixei de ser aquele que esperava
Deixei de ser aquele que esperava,
Isto é, deixei de ser quem nunca fui...
Entre onda e onda a onda não se cava,
E tudo, em ser conjunto, dura e flui.
A seta treme, pois que, na ampla aljava,
O presente ao futuro cria e inclui.
Se os mares erguem sua fúria brava
É que a futura paz seu rastro obstrui.
Tudo depende do que não existe.
Por isso meu ser mudo se converte
Na própria semelhança, austero e triste.
Nada me explica. Nada me pertence.
E sobre tudo a lua alheia verte
A luz que tudo dissipa e nada vence.
Fernando Pessoa
AS FLORES ESTÃO CHORANDO
Os lilases murcharam . . . As roseiras,
Ao castigo do outono, estão despidas . . .
Hão de viver assim horas inteiras,
Mergulhadas nas sombras esquecidas . . .
Outrora foram elas mensageiras
Das alegres paisagens coloridas . . .
Hoje ostentam nas hastes agoureiras.
A tristeza das rosas fenecidas . . .
Desce a noite orvalhada sobre os mirtos,
A secura das plantas abrandando
Na frouxidão letal dos cravos hirtos!
Enquanto o orvalho se transforma em bolhas
Que pelos ramos murchos vão rolando
Como se fossem lágrimas das folhas! . . .
Miguel Jansen Filho
Brisa Leve
É uma brisa leve
Que o ar um momento teve
E que passa sem ter
Quase por tudo ser.
Quem amo não existe.
Vivo indeciso e triste.
Quem quis ser já me esquece
Quem sou não me conhece.
E em meio disto o aroma
Que a brisa traz me assoma
Um momento à consciência
Como uma confidência.
Fernando Pessoa
Se tu viesses ver-me...
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
Florbela Espanca
Explicações
O pensamento é triste; o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:
guardo o resto para mais tarde.
Deus não fala comigo - e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.
A estrela sobe, a estrela desce...
- espero a minha própria vinda.
(Navego pela memória
sem margens.
Alguém conta a minha história
E alguém mata os personagens.)
Cecília Meireles
O Fariseu
Para quem velas esta santidade?
Fraudulenta e covarde
De quem vive a vida pela metade
pelo medo de pecar.
Não vês o próprio inferno que criaste?
Quem te condena, não sabes?
Se o verdadeiro Deus ou o deus
que reina no seu calabouço.
Libertas o teu riso.
Libertas o teu gozo
do medo do santo disfarce
para que depois de tão louco
não venha julgar até Deus.
Henrique Rodrigues Soares - O que é a Verdade?
Soneto de Conciliação
Que o amor não me iluda, como a bruma
que esconde uma imprevista segurança.
Antes, sustente o chão em que descansa
o que se irá, perdido como a espuma.
Veja que eu me elegi, mas sem nenhuma
razão de assim fazer, e sem lembrança
de aproveitar apenas a esquivança
de que o amor não prescinde em parte alguma.
Que também não se alheie ao que esclarece
o motivo real, de uma oferta,
reunir o acessório e o imprescindível.
Antes, atente a tudo o que se tece
distante do seu dia inconsumível
que dá certeza à noite mais incerta.
Lêdo Ivo
Falência
o que falta pagar?
água, gás, eletricidade...
o que falta comprar?
roupas, comidas... ansiedade
você pode escolher
boleto bancário ou cartão de crédito
você pode até de vista perder
o valor, o tempo de débito
todo dia jogo tanta coisa fora
mas sempre me falta algo agora
qual o limite que preciso?
nunca dá! fico indeciso
qual a minha necessidade?
o fruto da vaidade
a busca da satisfação
da ribanceira sem direção.
Henrique Rodrigues Soares O que é a Verdade?
História do Brasil - parte 1
I
os filhos de Tupã e de Jaci
puro como as florestas. O guarani
colorido como as plumas de um colibri
despido da ambição dos inimigos
assustou-se com tanta ostentação e luxo
do forte, conquistador luso
que nas terras tupis avistou o uso
para enriquecer seus umbigos
destruiu a inocência e a religião
catequisando suas matas e seus corações
com seu deus que escraviza irmãos
mas o nativo com seu orgulho viril
não entregou-se ao dominio servil
do falso irmão branco hostil
II
lá vem as caravelas lusitanas
com toda cultura humana
que o mundo pode revelar
lá vem as cruzes católicas
com as correntes apócrifas
para salvar e conquistar
Trouxe sua língua, suas vestes,
suas armas e suas pestes
se autodeterminou o descobridor
se embrenharam pelo nordeste,
norte, sul e sudeste
o que pode usurpou...
Henrique Rodrigues Soares - O que é a Verdade?
Predileção
Amo os gestos estáticos, plasmados
numa atitude lenta de abandono;
certos olhares bêbedos de sono
e a poesia dos muros desbotados...
Amo as nuvens longínquas... o reflexo
na água dos foscos lampiões...as pontes...
a sufocação ríspida das fontes
e as palavras poéticas sem nexo.
Mas, sobretudo, eu amo esses instantes
em que, como dois presos foragidos,
os meus olhos se embrenham, distraídos,
na natureza - como dois amantes...
Onestaldo de Pennafort
Quando era jovem
Quando era jovem, eu a mim dizia:
Como passam os dias, dia a dia,
E nada conseguido ou intentado!
Mais velho, digo, com igual enfado:
Como, dia após dia, os dias vão,
Sem nada feito e nada na intenção!
Assim, naturalmente, envelhecido,
Direi, e com igual voz e sentido:
Um dia virá o dia em que já não
Direi mais nada.
Quem nada foi nem é não dirá nada.
Fernando Pessoa
Na Ilha
Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.
José Saramago
Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar!E não amar ninguém!
Recordar?Esquecer?Indiferente!...
Prender ou desprender?É mal?É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
Florbela Espanca
Presença
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.
Mario Quintana
Amo-te...
"AMO-TE...como a planta que não floriu
e tem dentro de si,
escondida, a luz das flores,
e, graças ao teu amor,
vive obscuro em meu corpo
o denso aroma que subiu da terra.
Amo-te sem saber como,
nem quando, nem onde,
amo-te diretamente
sem problemas nem orgulho:
amo-te assim porque não sei amar
de outra maneira
a não ser deste modo
em que nem eu sou nem tu és,
tão perto que a tua mão
no meu peito é minha,
tão perto que os teus olhos
se fecham com meu sono."
Pablo Neruda
Em Meditação Introspectiva
Do fundo de meu ser, num arremesso
longo, parte uma voz turva e fremente.
Escuto-a já bramir, quando, em começo,
balbuciava uma prece, lentamente.
Acendo o lume da Razão, e desço
às cavernas profundas do Inconsciente.
A luz vacila e fuma; eu estremeço,
vendo só treva acumulada em frente.
Clamo, interrogo... Em vão. Silêncio em tudo.
Aos poucos, num luar distante, agora,
rondam vultos de sonho e de pecado.
E aflita, o colo branco a arfar desnudo,
uma princesa acorrentada chora
junto a um fosco antropóide acorrentado.
Amadeu Amaral
Gôndola
No alto, o azul e o fogacho do sol;
em baixo, o rio eternamente calmo;
sobre a quilha ligeira e graciosa,
coisas de amor e instrumentos de cordas.
Recatados e escuros são teus bordos,
mas com doçura o momento se curte;
estranho e doce é o sonho da morte,
do fim do amor e da juventude.
Rumo a desconhecidos objetivos
meus jovens anos deslizando vão
-como tu, leve e graciosa gôndola,
por luminosa e amável amplidão.
Hermann Hesse
Velejar...
Velejar para onde?
Para que mundo, acaso,
se esse mundo se esconde
ou nos chega com atraso?
Velejar para que,
se essa mesma distancia
que o coração antevê
com tão profunda ânsia
a nada mais conduz
que ao grande desalento
de ver que tudo é luz
dispersa em água e vento?
Alphonsus de Guimaraens Filho
Cair da noite
Cai a noite a mudar devagar os vestidos
que uma franja de árvores velhas lhe segura;
olhas: e separam-se de ti as terras:
uma que vai para o céu, outra que cai;
e deixam-te, sem pertenceres de todo a qualquer delas,
não tão escuro como a casa silenciosa,
não tão seguro a evocar o eterno
como a que cada noite se faz estrela e sobe;
e deixam-te (indizível de desenredar!)
a tua vida, angustiada, gigantesca, a amadurar, tal
que, ora limitada ora compreensiva,
alterna em ti - ou pedra ou astro.
Rainer Maria Rilke
Canção como aviso...
As minhas emoções estão intactas
como antes de acordar: serenas
nesta solidão, nem sei se esperam.
Será preciso alimentar de novo
a chama adormecida
do amor que armou incêndios na penumbra
e me apagou.
Estou aqui ainda, enriquecida a mais
com as memórias doces da alegria.
Para me alumiar, quem venha agora
terá de compreender o meu receio
de que seja longa só a fantasia
e breve a permanência de quem veio.
Lya Luft
Lembranças...
Nessa minha vida vou caminhando,
Por vezes, sem destino, me deixo ser levada...
Pessoas passam, deixam as suas marcas,
Compartilhamos sonhos, segredos, sentimentos.
Eis que um dia, elas se vão, levadas pelo destino,
Não mais seguimos no mesmo e antigo sonho,
Restam apenas as marcas, hoje saudades, no coração,
Algo se torna etéro, distante, ficam no passado.
E assim seguimos em frente, agora a solidão ao lado,
A vida nos espera, austera e fria, no presente,
As pegadas dos que se foram, se dissipam com o tempo.
E nesses caminhos que a vida nos reserva,
As marcas de tudo, lá no fundo, gravadas na alma,
Um novo tempo nos aguarda, restando as lembranças...
Reggina Moon
Testamento
O que não tenho e desejo
é o que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros - perdi-os...
Tive amores - esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!
Manuel Bandeira
Penso tanto!
Eu procuro me manter distraída
Versos, sonhos, a toda hora: poesia!
E meus passos rápidos pelas avenidas
Vão sempre calmos nos caminhos da vida
E eu te olho, (re)olho, depois eu penso:
Penso em quantas formas te posso pensar
Eu danço no meio do destino
Vendo se ele consegue me pegar
Deslizo, escapo, sou pássaro no ar
E eu te desejo amar tanto
Mais do que qualquer humano
Já ousou amar
Eu procuro me manter distraída
Pra de vez em quando não lembrar
De tanto sentimento que carrego
E que deposito em teu olhar
Cáh Morandi
Velha interrogação
Passa a vida? Continua…
Porque o tempo é que flutua,
como um rio de veludo,
sobre todos, sobre tudo...
À sua imagem sonhamos:
de onde vimos? aonde vamos?
E o destino indiferente
vai impedindo a torrente...
Passa a vida? Continua...
Com o tempo quem passa é a gente.
Mas, vida, se nós passamos,
de onde vimos? aonde vamos?
Da Costa e Silva
Vi nascer um Deus
Em novembro chegaram os signos.
O céu nebuloso não filtrava
estrelas anunciantes
nem os bronzes de São José junto ao Palácio Tiradentes
tangiam a Boa-Nova.
Eram outros os signos
e vinham na voz de iaras-propaganda
páginas inteiras de refrigerador e carro nacional
mas vinham.
O governo destinou só 210 mil dólares
à importação de artigos natalinos
avelãs figos castanhas ameixas amêndoas
sóis luas outonos cristalizados
orvalho de uísque em ramo de pinheiro
champagne extra-sec pour les connaisseurs
mas vinham
a fome sambava entre caçarolas diversas
e o amor dormia na entressafra
mas vinham
e petroleiros jatos caminhões nas BR televisores transistores corretores
descobriram subitamente
Jesus.
(Quem adquire a big cesta de natal Tremendous
no ato de pagamento da primeira prestação
recebe prêmio garantido
e concorre
na última quarta-feira de cada mês
- números correspondentes aos da Loteria Federal -
a visões como um apartamento
um jipe
uma lambreta
um lunik
um anjo eletrônico
e mais:
ajuda quinhentos velhinhos
a provar alegria
pois a Obra de Senectude Evangélica
tem comissão em cada cesta vendida).
...na manjedoura?
no presépio?
no chão, diante do pórtico arruinado, como em Siena o pintou Francesco Giorgio?
na capelinha torta de São Gonçalo do Rio Abaixo?
na big cesta de natal?
...repousa o Infante esperado.
As luzes em que o esculpiram tornam-lhe o corpo dourado.
O Cristo é sempre novo, e na fraqueza deste menino
há um silencioso motor, uma confidência e um sino.
Nasce a cada dezembro e nasce de mil jeitos.
Temos de pesquisá-lo até na gruta de nossos defeitos.
Ministros deputados presidentes de sindicatos
prosternam-se, estabelecendo os primeiros contatos.
Preside (mal), as assembléias de todas as sociedades
anônimas, anônimo ele próprio, nas inumerabilidades
de sua pobritude. E tenta renascer a cada hora
em que se distrai nossa política, assim como uma flora
sem jardineiro apendoa, e sem húmus, no espaço
restaura o dinamismo das nuvens. Sua pureza arma um laço
à astúcia terrestre com que todos nos defendemos
da outra face do amor, a face dos extremos.
Inventou-se menino para ser ao menos contemplado,
senão querido (pois amamos a nosso modo limitado,
e de criança temos pena, porque submersos garotos
ainda fazem boiar em nós seus barcos rotos,
e a tristeza infantil, malva seca no catecismo, nunca se esquece).
Assim o Cristo vem numa cantiga sem rumo, não na prece
com pandeiros alegres tocando
com chapéus de palhinha amarela
companheiros alegres cantando.
Ó lapinha,
menino de barro,
deus de brinquedo,
areia branca de córrego,
musgo de penhasco,
Belém de papel,
primeira utopia,
primeira abordagem
de território místico,
primeiro tremor.
Vi nascer um deus.
Onde, pouco importa.
Como, pouco importa.
Vi nascer um Deus
em plena calçada
entre camelôs;
na vitrine da boutique
sorria ou chorava,
não sei bem ao certo;
a luz da boate
mal lhe debuxava
o mínimo perfil.
Vi nascer um deus
entre embaixadores
entre publicanos
entre verdureiros
entre mensalistas,
no Maracanã ou Para-lá-do-mapa,
quando os gatos rondam
a espinha da noite
os mendigos espreitam
os inferninhos
e no museu acordam as telas
informais
e o homem esquece
metade da ciência atômica:
vi nascer um deus.
O mais pobre,
o mais simples.
Carlos Drummond de Andrade
Aquarela poética
no criar
artífice do verso sem dor ou não
declina-se num gesto materno demais.
círculos de brisa outonal
descrevem seus deuses em canto
em oração vigília
em abandono de paz.
alarga-se todos os azuis
e as estrelas custam a acordar
as pedras começam a falar
e o homem adquire alma.
arco-iris de todos os verbos
na beleza da fragilidade flor
a aquarela poética, geração-fruto
veste regatos sem a angustia dos tristes.
não há secos lagos
nem mortes desejando perfumes
nem manhãs sem ausência de estórias
nem fealdade na vida
porque o artista criou sem sombras.
Ele desenhou seus painéis sem falsidade
na crença de suas aquarelas fieis
na concordância de seus mares
sem mascara de mistérios libertos
na intenção das brisas sem disfarces.
Alvina Nunes Tzovenos
A Máscara
Eu sei que há muito pranto na existência,
Dores que ferem corações de pedra,
E onde a vida borbulha e o sangue medra,
Aí existe a mágoa em sua essência.
No delírio, porém, da febre ardente
Da ventura fugaz e transitória
O peito rompe a capa tormentória
Para sorrindo palpitar contente.
Assim a turba inconsciente passa,
Muitos que esgotam do prazer a taça
Sentem no peito a dor indefinida.
E entre a mágoa que a máscara eterna apouca
A Humanidade ri-se e ri-se louca
No carnaval intérmino da vida.
Augusto dos Anjos
Fanatismo
Minhálma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és se quer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio do Fim!..."
Florbela Espanca
“As Vozes Eternas”
Oh, doces e perenes vozes, permaneçam;
Vão até aos guardiões das hostes celestiais
E os ordene que vagueem obedecendo à Tua vontade,
Chamas sob chamas, até o tempo deixar de existir;
Não tem você ouvido que nossos corações estão cansados,
Que você tem chamado por eles nos pássaros,
no vento sobre as colinas,
Em balançantes gallhos nas árvores,
nas marés pela beira-mar?
Oh, doces e perenes vozes, permaneçam.
William Yeats
Entrada de Primavera
O vento quente zune toda noite,
pesadamente rufla a sua asa molhada.
Aves pernaltas titubeiam no ar.
Nada mais dorme:
toda a terra está acordada,
a primavera chama.
Fica quieto, coração, fica quieto!
Mesmo que densa e íntima no sangue
agite-se a paixão
e caminhos antigos te seduzam:
de volta à juventude jamais te levarão.
Hermann Hesse
Depois do Vendaval
Obumbra-se a manhã ! O céu fechado
Desenrola-se em forma de sudário!
O meu pobre jardim desmoronado,
Quase se transformou num triste herbário!
Há em cada amaranto desbotado,
Uma desolação de campanário !
Como se houvesse por ali passado
O espetro de um tufão incendiário!
Num segundo o jardim se recompõe!
O sol desponta e sobre as plantas põe
Miríades de cores luminosas !
A primavera se renova enfim!
Como se Deus descesse em meu jardim,
Benzendo as flores e crismando as rosas! . . .
Miguel Jansen Filho
O Guarda-Chuva
Meses e meses recolhida e murcha,
sai de casa, liberta-se da estufa,
a flor guardada (o guarda-chuva). Agora,
cresce na mão pluvial, cresce. Na rua,
sustento o caule de uma grande rosa
negra, que se abre sobre mim na chuva.
Mauro Mota
Poças d’água
. . . poesia dançando nos campos da alma
na evocação da presença lagrima
a dormir na prece do vento irrequieto.
. . . murmúrio do amor que se deitou sozinho
na cama fria da desesperança
com saudade do abraço que aquece os corpos
do beijo a sussurrar promessas presença.
. . . procissão de vozes a se fazerem mar verde
de versos que o vento beija sem chorar
de ilhas virgens a não se deixarem tocar.
Poças d’agua
em meus olhos pisados de paisagens alagadas
inundados de todas as vivencias
vivencias de meus horizontes timidos
a repousarem sobre estradas gritantes.
Alvina Nunes Tzovenos
Propósito
Mais que anseio, ou libelo,
Seja a poesia devoção ,
O que se escuta e se resguarda,
O que das impossibilidades ainda resvala
E dos deuses tem a unção.
Mais que o que me transcende,
O ser ideal,
Seja o poema um desvelo,
O ajuste de um espelho
Um melhor se mirar.
E assim, pespontando meu tecido do mundo,
Ora me apanhe , ora me escape, o verso,
Sem nunca, irrevogavelmente, me deixar.
Ouvido das palavras duras e mansas,
E boca de acordes sem fim,
Seja o poema o saldo
Dos frutos remidos, e ruins,
e mar que me alivia
enquanto vazando de mim.
Meu reino, tenham os versos
O valor dos cânticos de êxtases
E de miséria ,em louvor...
Riso e pena, transubstanciação,
Sombra em luz, e toda intrínseca cor.
Mais que milagre ou dom,
Traga a poesia , malgrado artifício,
O natural ‘per se’,
O fundamento dos orbes,
leveza abismal,
O sonido,
o sal......
Fernando Campanella
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