Nocaute












Longamente golpeado
Acuado, meio a escuridão.
De meus olhos em sangue
Sonhos com hematomas
Respiro o fundo do chão
E não tenho mais forças...


Reagir, deveria ser assim
Mas diante dos sintomas
Está vivo ou está morto?
Qual a diferença?
Quebraram até os pedaços
E não restou mais nada...


Restou sim, restou seqüelas.
Uma visão sem sonhos, turva.
Com respiração dolorida
Em meio à natureza colorida
Sou um silêncio em branco.


Henrique Rodrigues Soares

06/02/2012

amo esse ponto incessante
de loucura que nos aproxima
e nos distancia da normalidade

artificializada na cegueira plástica
da beleza crucificada no vazio
que rege as máquinas condenadas

dançamos livres de leis e conceitos
dançamos enlouquecidos e incendiados
unimos os horizontes de nossos lábios

o desejo que se constrói
nesse louco sentir é a certeza
desenvergonhada de viver


Carlos Orfeu

Tange o Sino


Tange o sino, tange
Tange doloroso.
Cai como quer um alfange
No meu sonhar de gozo...

E o sino tange, tange
Lento e ao longe amoroso.

E tange e plange ao longe
Aérea melodia...
Cada som é um monge
Na sua alva fria...
Tange o sino de bronze
No escurecer que esfria.

E em mim também
A tarde do meu ser
E plange em mim, na lonjura
Do meu vago esquecer
Um sino ao longe, a agrura
De me saber ser.


Fernando Pessoa - In Poesia - 1902-1917

CANÇÃO DE ESTAR EM TERRA




















Da sede meu amor farei um barco.
Uma vela no porto. E ao vê-la perto
eu direi meu amor que por ti parto
e fico e firo e faço e sigo e ardo.

Direi a rosa o cravo o trevo o cardo.
Darei o corpo, amor. Direi um astro.
Ai flor de quem está farto farto farto
de rimar contra a maré em pinho incerto.

Que mais direi amor? Eu que maldigo
eu que mal amo as coisas conquistadas
que mais direi? Anéis corais espadas?
Já mal me há-de bastar o que eu não digo.

É aqui, de bruços sobre a espuma
que o mar nos causa a dor de estar em terra.
E as palavras nos doem uma a uma.
E os homens em Lisboa fazem guerra.

Joaquim Pessoa

Signo

















A respiração de novembro e de sua véspera
(outubro) arde-me não no cérebro
nem no ombro
mas – anel de fogo – nas ancas
e nas entranhas.
Em ti eu amo os amores todos.
Eu não podia aceitar isto
mas aceito agora. A vida
não cessa, é eterno continuar.
Por mais que se queira
o ávido sangue não será saciado.
A tarde é quem está bebendo este desejo
conivente com a violência
da patada da fera amada.
E numa noite de novembro
é que fiquei pronta para a vida
ao ver o mar refletido no teu corpo
e ao meu rosto assomar todo o desastre.


Olga Savary, em "Magma". São Paulo: Massao Ohno; Roswitha Kempf, 1982.

A emigração dos poetas















Homero não tinha morada
E Dante teve que deixar a sua.
Li-Po e Tu-Fu andaram por guerras civis
Que tragaram 30 milhões de pessoas
Eurípides foi ameaçado com processos
E Shakespeare, moribundo, foi impedido de falar.
Não apenas a Musa, também a polícia
Visitou François Villon.
Conhecido como “o Amado”
Lucrécio foi para o exílio
Também Heine, e assim também
Brecht, que buscou refúgio
Sob o teto de palha dinamarquês.




Die Auswanderung der Dichter:

Homer hatte kein Heim
Und Dante mußte das seine verlassen.
Li-Po und Tu-Fu irrten durch Bürgerkriege
Die 30 Millionen Menschen verschlangen
Dem Euripides drohte man mit Prozessen
Und dem sterbenden Shakespeare hielt man den Mund zu.
Den François Villon suchte nicht nur die Muse
Sondern auch die Polizei.
“Der Geliebte” genannt
Ging Lukrez in die Verbannung
So Heine, und so auch floh
Brecht unter das danische Strohdach.


Bertolt Brecht: Gesammelte Werke in 20 Bänden (8-10), Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main, 1967.
Poemas 1913-1956, Bertolt Brecht, [seleção e tradução de Paulo César de Souza], Sâo Paulo, Editora 34, 2000, p. 121.

Para Sempre
















Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.


Carlos Drummond de Andrade, em 'Lição de Coisas'.

Amor Adiado












Desenhou, com traço fino,
num papel de seda perfumado,
as palavras mais bonitas
dos sentimentos mais secretos
existentes em si,
como homem apaixonado.

Esmerou-se na linguagem cuidada,
usando imagens maravilhosas
e, para bem completar a mensagem,
redigiu um pequeno poema,
onde cantava hinos à vida,
por amar e ser amado!

Falou do Sol e do sal da sua sede!
Falou do mal e do mel do seu amor!
Falou de flores e de beijos mordidos!
Falou deles, como de cristais
ou como de cerejas no ramo!
Terminou com beijos e saudades,
saudades e beijos!
Dobrou o papel cuidadosamente
e, tremendo, guardou-o na gaveta,
junto aos muitos outros…
e, uma vez mais, fechou-a...


Vitor.C

Mendigo Morto

Pieter Bruegel

















Foram encontrá-lo morto,
Hirto e rijo como um pau;
Toda aquela escura noite
O vento soprava mau,
Caíra neve, e o granizo
Fundia pelo chão liso.

Deitado sobre umas pedras ,
Foram encontrá-lo morto
Ao raiar da madrugada
Como os barcos naufragados
Quando partem as amarras…
Na terra, fundo, cravados,
Seus dedos lembravam garras!

Foi sob a mina do Enxidro:
Tinha os olhos muito abertos,
Tristes como os céus desertos…
E, dentre a barba cerrada,
Uma lágrima gelada
Como uma conta de vidro.


Fausto José, Obra do poeta Fausto José. Vol. I. – Armamar: Câmara Municipal, 1999.

À noite ser [materiais para...]























dedos quietos que crescem
pele nua
brincadeiras com o amor
pêndulo solto de sonhos
lógicas sacudidas
olhar de só-assim
modos de chegar como sementes
manobras de artesão contra o ego
desafio do «eu»
nudez de pele
de mãos
e (sob os teus olhos)
invenção de um sólido espanador de tristezas.


Ondjaki (01.04.03), em "Materiais para a confecção de um espanador de tristezas". Lisboa: Editorial Caminho, 2009.

Fluminense Football Club















Sou tricolor de coração 
Sou do clube tantas vezes campeão 
Fascina pela sua disciplina 
O Fluminense me domina 
Eu tenho amor ao tricolor 
Salve o querido pavilhão 
Das três cores que traduzem tradição 
A paz, a esperança e o vigor 
Unido e forte pelo esporte 
Eu sou é tricolor. 
  
Vence o Fluminense 
com o verde da esperança 
Pois quem espera sempre alcança 
 Clube que orgulha o Brasil 
Retumbante de glórias e vitórias mil. 
  
Vence o Fluminense 
com o sangue do encarnado 
Com amor e com vigor 
Faz a torcida querida vibrar com emoção 
o Tricampeão. 
  
Vence o Fluminense 
Com amor e fidalguia 
Branco é paz e harmonia 
Brilha ao sol da manhã 
ou à luz do refletor 
Salve o tricolor.  


Lamartine Babo





















Desde que nasci
te acompanhei
Fluminense eu sei
até minha morte
contigo estarei


Haja o que houver
aonde quer que eu vá
comigo vou levar
as cores que herdei
verde branco e grená


Da-lhe da-lhe ooo
da-lhe da-lhe ooo
vamos tricolor
da-lhe da-lhe ooo
vamos tricolor!! 

Amigos


















Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes devoto
e a absoluta necessidade que tenho deles.

A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor,
eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos,
enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.

E eu poderia suportar, embora não sem dor,
que tivessem morrido todos os meus amores,
mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos !

Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos
e o quanto minha vida depende de suas existências ...
A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem.

Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida.

Mas, porque não os procuro com assiduidade,
não posso lhes dizer o quanto gosto deles.
Eles não iriam acreditar.

Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem
que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos.

Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro,
embora não declare e não os procure.

E às vezes, quando os procuro,
noto que eles não tem noção de como me são necessários,
de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital,
porque eles fazem parte do mundo que eu,
tremulamente, construí,
e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.

Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.
Se todos eles morrerem, eu desabo!
Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles.
E me envergonho, porque essa minha prece é,
em síntese, dirigida ao meu bem estar.
Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.

Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.
Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos,
cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim,
compartilhando daquele prazer ...

Se alguma coisa me consome e me envelhece
é que a roda furiosa da vida
não me permite ter sempre ao meu lado,
morando comigo, andando comigo,
falando comigo, vivendo comigo,
todos os meus amigos, e, principalmente,
os que só desconfiam
- ou talvez nunca vão saber -
que são meus amigos!
A gente não faz amigos, reconhece-os.

Vinicius de Moraes

PELAS RUAS DE PÉ-DE-MOLEQUE

















Pela ampulheta do tempo
a gente marca o nosso trampo
Ao cruzar da ponte, as ruas de pedra
encenam que a poesia pode ser perpétua

O mesmo tempo
que se diz infinito
pra chegar demora tanto
e quando vem passa tão rápido

Nesse intervalo a gente age
Cortejo hoje é tudo aquilo que nos torna leve
É o nosso passo
pelas ruas de pé-de-moleque

Para te dizer
que um dia vale por um ano
Não há agasalho
contra a força do calor humano


Alan Salgueiro

O que é a loucura?


















O que é a loucura?
Um estado de espírito
Um desprender-se da alma, 
Um desvencilhar da calma 

O que é a loucura?

Se sentir perseguido, 
Um fugitivo do mundo, 
Um sem lugar na ordem da razão 

O que é a loucura? 

Não reconhecer quem se ama 
Não se amar 
Despertar de manhã e não entender 
Quem é aquele rosto no espelho 
Quem é o homem por trás da máscara 
Que se confunde, horas com o ilustre, 
Horas com o ladrão, o sem teto, o seu próprio irmão 

O que é a loucura, 

Ser Napoleão ou lixeiro 
Médico ou pedreiro

Afinal, o que é a loucura?

Talvez um surto de momento ou 
Mesmo uma vida inteira de sofrimento 

A verdade é que não dá para explicar 
Nem todo o dicionário poderia nos ajudar 
A loucura, só nos resta entendê-la, 
Aprecia-la e acolhe-la com se faz com um grande amor 

Se não podemos amá-la, 
Nos resta ao menos respeita-la 
Dar a quem possui o sentimento quase louco 
Da compreensão, da compaixão 

Aos que chamam de louco, o meu respeito 
Aos reconhecidos normais, o meu pedido: 
Respeitem o que não entendem, 
Tratem bem o que pode ser insano 
Porque assim, é só assim, seremos 
Todos capazes de vencer quem mais 
Nos assusta e nos tortura: 
Essa incomoda e inconseqüente loucura.



Claudia Maria

O dorso sob a luz o ar os dedos























a pele intensa de suor e fogo
o mar a primavera rompe o dorso
nocturno sob o fogo.

o dorso sob
um beijo a electricidade fria da noite
lábios subindo a encontrar o corpo
suor e água pó

humedecendo o dorso
o sentido da carne o frio
o rio aberto
vector
o dorso o olhar o fogo
o dorso todo humedecendo o beijo


Gastão Cruz, (Portugal 1941). em "Poemas".

Meu Epitáfio
















Morta... serei árvore
Serei tronco, serei fronde
E minhas raízes
Enlaçadas às pedras de meu berço
são as cordas que brotam de uma lira.

Enfeitei de folhas verdes
A pedra de meu túmulo
num simbolismo
de vida vegetal.

Não morre aquele
que deixou na terra
a melodia de seu cântico
na música de seus versos.


Cora Coralina, em "Meu livro de cordel". São Paulo: Global Editora, 1998.

Para mulher que fica






















Cantar a mulher que passa
É fácil...
Eu canto a mulher que fica
Pois no teu amor esqueço minhas tristezas.


Ontem, te amei com fome antiga.
Avistei tua carne como novidade
Teus seios tão poucos
Enchem minha visão.


Tua nudez uma pintura sem esboço
São absorvidos para minha memória
Devagar caminho por teu corpo
Não tenho pressa...  Revivo estórias!


Não uso mapas para achar teus segredos
Subo e desço montanhas e vales
E derramo desejos.
Com gosto degusto o gosto do teu beijo
E encontro paz nos teus Andes.


Henrique Rodrigues Soares

20/01/2012.

Porque o fim de um caminho



















Porque o fim de um caminho sempre me entregou
o limiar de outro caminho,
o verde de um campo ou de um corpo adolescente,
espero que regresse à minha voz
a luz que no primeiro dia a fecundou
e a terra que é o contorno dessa luz.
Porque espero ver crescer minhas mãos dessa terra
e de minhas mãos a água necessária à minha sede,
ergo de mim a noite residual do que vivi
e canto,
canto provocando a madrugada.

Porque outros entoarão meu requiem e outros cerrarão
minha pálpebras para defender meus olhos de suas lágrimas,
deixo essa glória aos outros
- e exalto o meu nascimento
e cada dia em que renasço e procuro
a boca ou o fruto onde se reflictam os meus lábios.

Porque, harmonizando-se no sangue o fogo e a água,
eu sou o fogo e a água:
por mim os cadáveres e quanto é feito de matéria dos cadáveres
libertar-se-ão em chamas, serão claridade
e chegarão a pão pela dádiva das cinzas,
a última dádiva, a total.


José Bento, em "Rosa do Mundo-2001 Poemas para o Futuro".

ABRAÇO GRÁTIS

















Que seja o abraço
a quebra do gelo
a expressão gratuita
de um afeto comedido

Comutatividade da energia
celebrada em um encontro
Colisão frontal da troca
que não traz abalo

E que seja belo
atitude plena
provocar o abraço

Que seja abrigo
uma espécie de caverna
e atenue nosso inverno
e que venha forte, farto
e que não haja abraço morno

A conexão mais fácil que se considere
anterior ao wi-fi, bluetooth ou SMS
Injeção de ânimo, não se cansa
pra que a esperança seja a casa do abraço


Alan Salgueiro








Velho Tema














Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.


Vicente de Carvalho

Entre a fé e a ansiedade






















A dor de um choro contido
Lágrimas internas pela alma
Sonhos sólidos agora derretidos
E o momento pede calma


O eu atônito e disperso
Esperando ser iluminado
Sair do sonho imerso
Que tem me esfacelado


A cabeça tonta dói
Sem entender o que esperar
A dúvida afronta, corrói.
Deus manda confiar


Fé pequena de mostarda
Acredita com medo de afundar
A hora que já tarda
Não posso me esgotar.


Henrique Rodrigues Soares
02/08/2011.
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Poetas...























Ai almas dos poetas
Não as entende ninguém,
São almas de violeta
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas.

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma para sentir
A dos poetas também!


Florbela Espanca

Escolha de túmulo























Onde os cavalos do sono
batem cascos matinais.

Onde o mundo se entreabre
em casa, pomar e galo.

Onde ao espelho duplicam-se
as anêmonas do pranto.
Onde um lúcido menino
propõe uma nova infância.

Ali repousa o poeta.

Ali um voo termina,
outro voo se inicia.

José Paulo Paes, em "Prosas Seguidas de Odes Mínimas".

Fim-do-começo-do-fundo























Deixo-me
tenho os passos apressados
meto-me para o fim do mundo
e chego ao começo de mim

Bebo-me
até esvaziar-se todo o líquido
eu sou um fim que espera a desiludida
verdade do fundo dos copos

(ó quão inútil é o fim ou o fundo
das coisas e do âmago, quando
o ser temeroso se nos impõe
seu vulto fantasmagórico).


Rogério Generoso, em "Noumenon". 2010.

Bolor


















Os versos
que te digam
a pobreza que somos
o bolor
nas paredes
deste quarto deserto,
os rostos a apagar-se
no frémito
do espelho
e o leito desmanchado
o peito aberto
a que chamaste
amor


Carlos de Oliveira. Trabalho poético. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003.

Ao Amanhecer
















Pela manhã acordar sem rotina
Andar sem sair do lugar
O vazio de uma incerta sina
Preocupação sem motivo encontrar

Como correr atrás dos pombos
Assustamos os nossos próprios medos
Cicatrizes que ficam dos tombos
São estórias de antigos segredos


Cabelos brancos raridade
O sol não aquece meus dias
A idade foi coberta de tinta
Me dê um instante de alegria.


Henrique Rodrigues Soares
15/07/2011.


Sonhadores













Almas – da natureza a execrada exceção –
Em que o Sonho ateou seu nefasto clarão,
Vós que, presas à terra, a asa do pensamento
Sentis sempre a voar, em livre movimento,
Para o distante azul dos mundos ideais,
Onde o bem que buscais não existiu jamais;
Vós que abris, procurando o mistério das coisas,
Ou do futuro os véus, ou do passado as lousas,
Vendo bem quanto é vão o que hoje se ergue, e só
Se ergueu para amanhã se desfazer em pó;

Vós, a quem acenou a dolosa esperança
Co’a ventura que atrai e que nunca se alcança,
E que, em sede, ao roçar pela fonte do amor
O lábio, a água sorveis do pântano da dor;
Vós todas pela terra arrastastes os dias,
Deixando após, no chão, um rastro de agonias,
E fazendo vibrar, no espaço, em torno a nós,
A vossa revoltada ou suplicante voz,
Que ora em murmúrios geme, ora em blasfêmias grita
Da vida que heis vivido a miséria infinita!



Júlia Cortines, em "Vibrações”. Rio de Janeiro: Laemmert & C. – Editores, 1905.

Conta-gotas




















Quando a dor fala mais alto que a voz
E as forças insuficientes para caminhar
Quando somente choras quando fica a sós
O interior sufocado precisa gritar


Aguarda desesperadamente uma porta
Se abrir como esperança para sonhar
Desastroso acordar sem resposta
E cansativo este tal de esperar


Os minutos que sucedem após
Contados com conta-gotas fiel
São como perfeito e vil algoz
Tu fita os olhos no céu


Como esperando repentina amostra
De um toque milagroso divino
Depositando uma única aposta
Naquele que te ama desde menino.


Henrique Rodrigues Soares


Aurora
















A poesia não é voz — é uma inflexão.
Dizer, diz tudo a prosa. No verso
nada se acrescenta a nada, somente
um jeito impalpável dá figura
ao sonho de cada um, expectativa
das formas por achar. No verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
E aos homens um sentido que não há
nos gestos nem nas coisas:

voo sem pássaro dentro.


Adolfo Casais Monteiro. "Vôo sem pássaro dentro". em:_____. Poesias completas. Lisboa: Casa da Moeda, 1993.

O nome do mistério
















Eu poderia dizer
Que agora é tarde e o nosso amor é outro
Que o nosso tempo agora
é o fim de tudo
e só nos resta alguns papéis
para rasgar
eu poderia dizer que agora é tarde e o nosso amor é morto
que o nosso amor agora é o fim do mundo
e não sobra nada mais
para esperar
eu poderia dizer mas eu não digo
o nome do mistério, o nome disso
e vou por mim aqui silencifrado
de volta ao lar, meu bem querendo ir


Torquato Neto, em "Os últimos dias de paupéria". [Organização Wally Salomão e Ana Maria Silva de Araújo Duarte]. São Paulo: Max Limonad, 1982. (musicado por Geraldo Azevedo).

O Tempo seca o Amor

O tempo seca a beleza, seca o amor, seca as palavras. Deixa tudo solto, leve, desunido para sempre como as areias nas águas. O tempo seca a ...

Nos últimos 30 dias.