Legenda dos dias

























O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas... e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada...

As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao poente, o Homem, com a sombra recolhida
Volta, pensando: "Se o Ideal da Vida
Não vejo hoje, virá na outra jornada...

Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera;

E a Vida passa... efêmera e vazia:
Um adiantamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...


Raul de Leoni

Apesar de Você



























Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu

Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro

Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal
Lá lá lá lá laiá



Chico Buarque

Despedida



















Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranquilo:
quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? – me perguntarão.
– Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? – Tudo. Que desejas? – Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação…
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra…)

Quero solidão.



Cecília Meireles

Paisagem
















Passavam pelo ar aves repentinas,
O cheiro da terra era fundo e amargo,
E ao longe as cavalgadas do mar largo
Sacudiam na areia as suas crinas.

Era o céu azul, o campo verde, a terra escura,
Era a carne das árvores elástica e dura,
Eram as gotas de sangue da resina
E as folhas em que a luz se descombina.

Eram os caminhos num ir lento,
Eram as mãos profundas do vento
Era o livre e luminoso chamamento
Da asa dos espaços fugitiva.

Eram os pinheirais onde o céu poisa,
Era o peso e era a cor de cada coisa,
A sua quietude, secretamente viva,
E a sua exalação afirmativa.

Era a verdade e a força do mar largo,
Cuja voz, quando se quebra, sobe,
Era o regresso sem fim e a claridade
Das praias onde a direito o vento corre.


Sophia de Mello Breyner Andresen - in Poesia, 1944

Não Passou


Passou?
Minúsculas eternidades
deglutidas por mínimos relógios
ressoam na mente cavernosa.

Não, ninguém morreu, ninguém foi infeliz.
A mão- a tua mão, nossas mãos-
rugosas, têm o antigo calor
de quando éramos vivos. Éramos?

Hoje somos mais vivos do que nunca.
Mentira, estarmos sós.
Nada, que eu sinta, passa realmente.
É tudo ilusão de ter passado.


Carlos Drummond de Andrade

Roda Viva


















Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá
Roda mundo (etc.)

A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a viola pra lá
Roda mundo (etc.)

O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a saudade pra lá
Roda mundo (etc.)


Chico Buarque

Este é o Prólogo






















Deixaria neste livro
toda a minha alma.
este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que pena dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam !

Que tristeza tão funda
é olhar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta !

Ver passar os espectros
de vida que se apagam,
ver o homem desnudo
em Pégaso sem asas,

ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se olham e se abraçam.

Um livro de poesias
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes incute nos peitos
- entranháveis distâncias.

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chamas.

Sabe que as veredas
são todas impossíveis,
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristes
e eternas caravanas

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia é amargura,
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia é o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
corações e chamas.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
sem rumo a nossa barca.

Livros doces de versos
sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
suas estrofes de prata.

Oh ! que penas tão fundas
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam !

Deixaria neste livro
toda a minha alma...



Federico Garcia Lorca -  tradução: William Agel de Melo 

Soneto VI


















Assim, não deixemos a mão rota do inverno desfigurar
De ti o teu verão antes que sejas destilada;
Adoça teus sumos; orna um lugar
Que tenha o valor da beleza antes de sucumbires.

Este uso não é a proibida usura
Que alegra os que pagam os devidos juros –
Para que cries, para ti mesma, um novo ser,
Ou sejas dez vezes mais feliz do que és

Serias dez vezes mais alegre,
Se em dez de ti dez vezes te transmudasses;
Então, o que poderia fazer a Morte se partisses,
Passando a viver na posteridade?

Não sejas turrona, pois és por demais bela
Para que a Morte vença e os vermes te consumam.



Sonnets VI

Then let not winter's ragged hand deface,
In thee thy summer ere thou be distilled:
Make sweet some vial; treasure thou some place,
With beauty's treasure ere it be self-killed:

That use is not forbidden usury,
Which happies those that pay the willing loan;
That's for thy self to breed another thee,
Or ten times happier be it ten for one,

Ten times thy self were happier than thou art,
If ten of thine ten times refigured thee:
Then what could death do if thou shouldst depart,
Leaving thee living in posterity?

Be not self-willed for thou art much too fair,
To be death's conquest and make worms thine heir.

William Shakespeare - Tradução de Thereza Christina Rocque da Motta

Inevitabilidade






















Escrevo...
Por motivo de sobrevivência
Recebo...
Os depreciativos por minha aparência.


Resisto...
Ativo contra a demência
Despisto...
Os curativos da inocência.


Devolvo...
Os incentivos das carências
Revolvo...
Nos especulativos das indolências.


Percebo...
O imperativo da impotência
Concebo...
O sedativo da convivência.


Henrique Rodrigues Soares – Canibais Urbanos


O Fim do Aqui



















Amanheci ontem. E preparo-me
para abocanhar o futuro com
a minha boca de tigre.
Desafio-te a morrer, se for
preciso, para que o possas alcançar.
Traz contigo apenas a esperança
e a lucidez das tuas mãos. Traz
a lição da história, esse belo pavão
que serve também
para comer.

Procurar a liberdade
é castigo para um ser livre. Não
jures perante nada. Não te comprometas
a não ser com o Livro da Vida.
Os teus bens são o poderes passar
sem eles. Na verdade, ninguém detém
a riqueza, apenas a pode utilizar para
transformar o rosto, o corpo, o perfil das
cidades; transformar a boca dos livros,
os olhos agudos dos poetas, os elementos nus
que depositam a chuva no coração do
pássaro que transforma o canto
em azul puro
de modo a transformar o brilho das moedas
num eterno discurso de paixão.

Transformar. E transformar. E transformar.
Transformar sempre. E transformar
depois, o sempre. Fazer o fim
do aqui.

E transformar o agora.


Joaquim Pessoa

Vida Humana



















Quantas partidas eu assisti
algumas sem importância
algumas sem despedidas
apenas lágrimas e memórias.


Quantas saudades que senti
algumas de uma infantil infância
algumas ainda são duras feridas
que escreveram e marcaram história.


Quantas dádivas eu recebi
pais, filhos e irmãos
sem sangue ou sobrenomes
apenas por escolhas amigos.


Quantas chegadas eu consenti
no coração tocou-me velhas canções
avisos, profecias e sonhos com nomes
e certezas que me servem de abrigo.


Quantas coisas eu parti
com minhas dúvidas e perguntas
com meu silêncio e inércia
com meu egoísmo e fraternidade.


Quantos sentirão eu parti
com uma dolorosa permuta
com uma incomoda moléstia
que abandonou sua humanidade.


Henrique Rodrigues Soares – Canibais Urbanos

Novembro 2016.

Bálsamo
















O amor é triste — proclamariam minhas viúvas.
mas disse o filósofo: a alegria corteja
a mais profunda eternidade.
Todas as vertentes consideradas,

abandono o vale
onde as sombras compõem a enormidade.
Os grilos agora tilintam, e a luz da lua
impregna as árvores de um bálsamo —
Meu amor, se possível, me aguarda,
retorno a ti, clara a trilha
que agora a meus olhos se abre.


Fernando Campanella

Poema da Despedida


















Não saberei nunca
dizer adeus

Afinal,
só os mortos sabem morrer

Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser

Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo

Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos

Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca

Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo.


Mia Couto

Acredito na Rapaziada























Eu acredito é na rapaziada
Que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
Que não foge da fera e enfrenta o leão
Eu vou à luta com essa juventude
Que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade
Que não tá na saudade e constrói
A manhã desejada

Aquele que sabe que é negro
o coro da gente
E segura a batida da vida o ano inteiro
Aquele que sabe o sufoco de um jogo tão duro
E apesar dos pesares ainda se orgulha de ser brasileiro
Aquele que sai da batalha
Entra no botequim, pede uma cerva gelada
E agita na mesa logo uma batucada
Aquele que manda o pagode
E sacode a poeira suada da luta e faz a brincadeira
Pois o resto é besteira
E nós estamos por aí...


Gonzaguinha

Amanhecer


















Levanta a cortina
dos teus olhos,
contempla a maravilha
do teu lindo amanhecer,
a vida é uma criança,
esperta, bonita, inteligente,
passa correndo, é preciso ver...
Acredita, enquanto há tempo:
não existe dor sem alento
nem tristeza tão longe da alegria,
quando a luz de cada dia,
acende a vida,
iluminando o amanhecer
não vacile, toma posse


da imensa alegria de viver.


Ivone Boechat

Flamengo
















Nasceste em disputas populares de regatas.
Das senhorinhas aos rapazolas de gravatas.
Do imbróglio tricolor ficaste com o antigo vencedor
Que no primeiro Fla-Flu foi perdedor


Uma dolorida derrota para um destino lutador.
Tens a cara do povo que te aceitou
Que tua história de vitórias abraçou
Sendo eles teu patrimônio e esplendor.


Entre outras épocas representavas contra Portugal o nacional
Hoje todos brasileiros que não são teus te entendem como rival.
Com teu vôo alcançaste tuas fronteiras de paixão
No território nacional, dentro do Brasil, uma nação


Com suas bandeiras e suas fileiras,
Com sua multidão e seu canto,
Com sua raça e seu manto,
Com toda diversidade brasileira.


Henrique Rodrigues Soares – Canibais Urbanos

Homenagem aos amigos rubro-negros – 15/11/2016.

O Poema






















Não sou eu que escrevo o meu poema:
ele é que se escreve e que se pensa,
como um polvo a distender-se, lento,
no fundo das águas, entre anêmonas
que nos abismos do mar despencam.

Ele é que se escreve com a pena
da memória, do amor, do tormento,
de tudo o que aos poucos se relembra:
um rosto, uma paisagem, a intensa
pulsação da luz manhã adentro.

Ela se escreve vindo do centro
de si mesmo, sempre se contendo.
É medido, estrito, minudente,
música sem clave ou instrumentos
que se escuta entre o som e o silêncio.

As palavras com que em vão ao invento
não são mais que ociosos ornamentos,
e nenhuma gala lhe acrescentam.
Seja belo ou, ao invés, horrendo,
a ele é que cabe todo engenho,

não a mim, que apenas o contemplo
como um sonho que se sustenta
sobre o nada, quando o mito e a lenda
eram as vísceras de que o poema
se servia para ir-se escrevendo.


Ivan Junqueira

Não deixa o Samba morrer






















Quando eu não puder
Pisar mais na avenida
Quando as minhas pernas
Não puderem aguentar
Levar meu corpo
Junto com meu samba
O meu anel de bamba
Entrego a quem mereça usar

Eu vou ficar
No meio do povo espiando
Minha Escola perdendo ou ganhando
Mais um carnaval
Antes de me despedir
Deixo ao sambista mais novo
O meu pedido final

Antes de me despedir
Deixo ao sambista mais novo
O meu pedido final

Não deixe o samba morrer
Não deixe o samba acabar
O morro foi feito de samba
De Samba, pra gente sambar


Edson Conceição - Aloísio - Interprete: Alcione

NOVELOS COM OS QUAIS O GATINHO BRINCOU

















Minha cabeça
Emaranhado de lembranças
Turvas
Pensamentos toscos

Difícil convertê-los
Em versos:
São novelos diversos
Com os quais
O gatinho do tempo
Brincou

Água do café
Pulando na chaleira
Fumegando
Secando no fogo
E eu
Campeando maneira
De pôr ordem
No barraco mental
E/ou psicológico
[Tanto faz
Dá no mesmo]

Se ao menos
Abrisse
A flor da flor-de-cera

Se ao menos
Abrisse
A flor
Da flor- de- são-miguel

Ai
Este papel em branco
A encarar-me
Olhando feio

[Socorro:
Onde
Mesmo
O tal caminho do meio?]


Zélia Guardiano















Meu começo mesmo
assim de memória
é quando criança bem pequena
segurando na mão pai
caminhando sobre o trapiche
...
lembro dos olhos do pai
lembro dos olhos do rio
...
e da voz do pai
_ Filha! Não larga a mão do pai senão tu podes cair no rio

Ahh...
Mas tudo que eu queria era
c
a
i
r

no
rio


Wanda Monteiro

"O Perfume"























Para cada mulher existe sempre um perfume
que agrada ao seu gosto
ou ao desejo que a inspira,
e que lhe é revelado pelo dom do instinto.

Cada mulher traz em si,
entranhado em seu corpo,
um perfume.

A cada espécie de amor
um perfume é mister,
seja amor puro,
infiel,
sacrossanto,
carnal.

Há uma busca eterna à mulher ...

E quem sabe essa busca
se resume
na procura de um quê,
algo estranho, insondável,
quem sabe um perfume. 



Carlos Marighella

Jornal

















O mundo é só notícia
Acordo o café sem açúcar
Entre denúncias de
Facebook
E ofensas aos
Poetinhas de merda
As crianças no Iraque
Morrendo em sexo
Aos oito anos
Uma família abraçada
Em alto mar
Perde a Síria
Bem perto
Os ladrões discursam
Enquanto prendem
Todos os palhaços
Legalize já
Legalize já
O amor.


Adriane Garcia

A VOZ E O VENTO

















com palavras faço a voz
e o vento
de que viajam e são

insistente desejo a lucilar
sobre a pele morna
de girassóis filtrando
teu rosto
seios
paisagem nua de ventre
com palavras a voz do que faço

estes dias infensos
a pendor de gume


Luís Carlos Patraquim

Confiteor

















Se mentiras explicasse o necessário
Se a única verdade estivesse no obituário
Se a alegria transpirasse no teu vestuário
Se cura derramasse do prontuário


Como se perdoar fosse automático
Almas ingênuas, puras e segredos enigmáticos
Com meus conflitos internos emblemáticos
Com a dureza fria dos cálculos matemáticos


Para desembarcar minhas circunstâncias
Preciso de um porto
Para descarregar minhas insignificâncias
Possuo um corpo


Que fé tem sido o meu forte?
Nestas ondas salgadas que me tocam
Não há braços e abraços que conforte
Desta ausência que me marcam.




Henrique Rodrigues Soares – Canibais Urbanos

Soneto V

















As horas que suavemente emolduraram
O olhar amoroso onde repousam os olhos
Serão eles o seu próprio tirano,
E com a injustiça que justamente se excede;

Pois o Tempo incansável arrasta o verão
Ao terrível inverno, e ali o detém,
Congelando a seiva, banindo as folhas verdes,
Ocultando a beleza, desolada, sob a neve.

Então, os fluidos do estio não restaram
Retidos nas paredes de vidro,
O belo rosto de sua beleza roubada,
Sem deixar resquícios nem lembranças do que fora;

Mas as flores destilaram, sobreviveram ao inverno,
Ressurgindo, renovadas, com o frescor de sua seiva.



Sonnets V

Those hours that with gentle work did frame
The lovely gaze where every eye doth dwell
Will play the tyrants to the very same,
And that unfair which fairly doth excel:

For never-resting time leads summer on
To hideous winter and confounds him there,
Sap checked with frost and lusty leaves quite gone,
Beauty o'er-snowed and bareness every where:

Then were not summer's distillation left
A liquid prisoner pent in walls of glass,
Beauty's effect with beauty were bereft,
Nor it nor no remembrance what it was.

But flowers distilled though they with winter meet,
Leese but their show, their substance still lives sweet.


William Shakespeare - Tradução de Thereza Christina Rocque da Motta























pálpebras frias
do abajur de carne

envolvem
o corpo

mínima
luz

sob o escuro
pasto

do sonho que o corpo
rumina

e
pela
manhã

esquece!



Carlos Orfeu

A Revolta dos Dândis II















Já não vejo diferença entre os
dedos e os anéis
Já não vejo diferença entre a
crença e os fiéis
Tudo é igual quando se pensa em
como tudo deveria ser
Há tão pouca diferença e há tanta
coisa a fazer

Esquerda e direita, direitos e deveres,
os 3 patetas, os 3 poderes
Ascensão e queda, são os dois
lados da mesma moeda
Tudo é igual quando se pensa em
Como tudo poderia ser
Há tão pouca diferença
e tanta coisa a escolher

Nossos sonhos são os mesmos há muito tempo
Mas não há mais muito tempo pra sonhar
Nossos sonhos são os mesmos há muito tempo
Mas não há mais muito tempo pra sonhar

Pensei que houvesse um muro
entre o lado claro e o lado escuro
Pensei que houvesse diferença entre
gritos e sussurros
Mas foi engano, foi tudo em vão
Já não há mais diferença entre a raiva e a razão

Esquerda e direita, direitos e deveres,
os 3 porquinhos, os 3 poderes
Ascensão e queda, são os dois lados da mesma moeda
Tudo é igual quando se pensa em
como tudo poderia ser
Há tanto sonhos a sonhar
há tantas vidas a viver


Humberto Gessinger - Engenheiros do Hawaii

Soneto para calendário

















Eis a boca de dentes escancarada
Não sorrindo, aberta, esperando a vida
Como se preciso fosse esperar o nada
Como se possível fosse dispensar a lida

Vem o vento, sopra minha porção alada
E eu escrevo versos como quem duvida
Gero feito ainda estivesse grávida
Tendo ossos duros, pera calcinada

Neste chão que planto frutas que consumo
Nem me saberei qual gosto ainda tenho
Já que todo tédio é feito dessa pressa

Todos gritam, ouço: o amor é póstumo!
E a minha língua é lápis que desenho
A vida com que sonho, enquanto perco essa

Na carnificina de todo dia útil.
.

Adriane Garcia

O Tempo seca o Amor

O tempo seca a beleza, seca o amor, seca as palavras. Deixa tudo solto, leve, desunido para sempre como as areias nas águas. O tempo seca a ...

Nos últimos 30 dias.