Como nuvens pelo céu

















Como nuvens pelo céu
Passam os sonhos por mim.
Nenhum dos sonhos é meu
Embora eu os sonhe assim.


São coisas no alto que são
Enquanto a vista as conhece,
Depois são sombras que vão
Pelo campo que arrefece.


Símbolos? Sonhos? Quem torna
Meu coração ao que foi?
Que dor de mim me transtorna?
Que coisa inútil me dói?


Fernando Pessoa

Fiz do verde meu caminho
















Fiz do verde meu caminho,
fiz da vida plantação;
plantei flor e passarinho,
filhos, versos e oração.
Plantei pão e plantei vinho,
com o amor da minha mão.
Caminhei por verdes mares,
fiz sorrir verdes olhares,
verde foi o meu jardim.
Verde foi minha esperança
no verdor das minhas tranças...
Hoje restam só lembranças
com as quais brinco cantares
da ventura que há em mim.
O Senhor é meu pastor
e nas verdes pradarias
me regala paz sem fim!


Patricia Neme

Alguns conselhos





















Não despertes o amor silenciado e adormecido
Não lute com o que não pode ser vencido
Não tome dores de um desconhecido
Não encontre paz no almoço inimigo


Não rejeite a sombra do amigo
Não confie cegamente em teus sentidos
Não liberte o que pode ser escondido
Não entregue o brilho para o bandido.


Henrique Rodrigues Soares - O que é a Verdade?

O Amor de Agora





















O amor de agora é o mesmo amor de outrora
Em que concentro o espírito abstraído,
Um sentimento que não tem sentido,
Uma parte de mim que se evapora.


Amor que me alimenta e me devora,
E este pressentimento indefinido
Que me causa a impressão de andar perdido
Em busca de outrem pela vida afora.


Assim percorro uma existência incerta
Como quem sonha, noutro mundo acorda,
E em sua treva um ser de luz desperta.


E sinto, como o céu visto do inferno,
Na vida que contenho mas transborda,
Qualquer coisa de agora mas de eterno.


Dante Milano

Amo-te





















Amo-te quanto em largo, alto e profundo
Minh'alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser; a Graça entressonhada.


Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.


Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.


Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quisesse,
Ainda mais te amarei depois da morte.


Elizabet Browning

Os amantes sem dinheiro
















Tinham o rosto aberto a quem passava
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.


Tinha como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrenbdo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.


Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos,
mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.


Eugênio de Andrade

Deitas teu corpo em flor


















Deitas teu corpo em flor no campo claro
e toda ao sol te entregas, matinal.
Um perfume de luz se espalha qual
puro delírio, canto esquivo e raro.


Sorver o aroma, recolher o puro
estremecer de flor, ó pólen, ó mel
que irrompendo de tudo vibra em céu
de água a cair das coisas num futuro


instante de fantástica beleza
e de beijo e de afago e de um supremo
arfar de chama em límpida penugem.


Deitas teu corpo em flor, e a natureza
Funde-se em ti no alto silêncio extremo
de volúpia desfeita em brisa e nuvem.


Alphonsus de Guimaraens Filho

Linguagens





















Notei que o vôo negro da hipálage
não tinha o mel dos lábios da metáfora,
e mais notara, se não fora a enálage,
e mais voara, se não fosse a anáfora.


Chorei dois oceanos de hipérbole,
duas velas cortaram a metonímia.
O pé da catacrese já marchava
no compasso toante dessa rima.


Verteu prantos a anímica floresta,
mas entramos dentro do pleonasmo,
‘stamos em pleno oceano da aférese...


Vai-se um expletivo, outro e outro mais...
Os poetas somos muito silépticos;
os poemas, elípticos demais.


Antonio Carlos Secchin

Teimosia




















Se tenho um fio de esperança, um sonho teço,
para abrigar o sofrimento da saudade;
tantas laçadas - já nem sei fim ou começo,
qual se o agora fosse a própria eternidade.


Em cada malha de ilusão sutil, me aqueço,
talvez se acalme esse tormento que me invade;
ponto por ponto, pago sempre um alto preço,
meu fado é rude, sem mercê, sem caridade.


Hora após hora, passa o tempo, vai-se o dia,
a noite agita mil lembranças, me agonia...
Verso e reverso a tricotar, não esmoreço.


Então, de um fio de esperança... Um sonho teço!
No aqui, no agora, ou bem além do que se vê,
em cada ponto estou mais perto de você.


Patricia Neme

Soneto





















Os potros cavalgados por meninos
fazem os luares e as manhãs, e morrem
nas luas novas e, ao morrer, persistem
na solidão do sonho de quem dorme,


e na vigília enferma, e nos sorrisos
das moças nos coretos, e nos galos,
nos êxtases das balsas, nas origens
de teu corpo de vinha, linho e ave.


Longas crinas arrastam pela areia
e banham pedra e rio de girassóis
que os cascos pisam e as madonas colhem.


E, se agonizam com a lua, exaustos,
não se apagam das cousas, continuam
como a infância no amor e o amor na morte.


Alberto da Costa e Silva

Indiferença

















Hoje, voltas-me o rosto, se ao teu lado passo.


E eu, baixo os meus olhos se te avisto.


E assim fazemos, como se com isto,
pudéssemos varrer nosso passado.


Passo esquecido de te olhar, coitado!
Vais, coitada, esquecida de que existo.


Como se nunca me tivesses visto,
como se eu sempre não te houvesse amado


Mas, se às vezes, sem querer nos entrevemos,
se quando passo, teu olhar me alcança
se meus olhos te alcançam quando vais.


Ah! Só Deus sabe!


Só nós dois sabemos.


Volta-nos sempre a pálida lembrança.


Daqueles tempos que não voltam mais!


Guilherme de Almeida

Sopra-me

















Sopra-me
que ao de onde procedo
haverei com levezas
de, então, retornar.
Com o calor de teu sopro,
de teu insuflar,
meus versos,
como pelúcias e pétalas,
no regaço das tardes,
no jardim das estrelas,
haverão assim de cair,
haverão de pousar.


Fernando Campanella

Mentiras

















Nada ficou no lugar
Eu quero quebrar essas xícaras
Eu vou enganar o diabo
Eu quero acordar sua família...
Eu vou escrever no seu muro
E violentar o seu gosto
Eu quero roubar no seu jogo
Eu já arranhei os seus discos...
Que é pra ver se você volta,
Que é pra ver se você vem,
Que é pra ver se você olha,
Pra mim...


Nada ficou no lugar
Eu quero entregar suas mentiras
Eu vou invadir sua aula
Queria falar sua língua...
Eu vou publicar os seus segredos
Eu vou mergulhar sua guia
Eu vou derramar nos seus planos
O resto da minha alegria...
Que é pra ver se você volta,
Que é pra ver se você vem,
Que é pra ver se você olha,
Pra mim...


Adriana Calcanhotto

Das Rosas e dos Sonhos















"O sonho que se esvai na desventura"
do anoitecer das pétalas das rosas,
é sonho embevecido pela alvura
da mão entregue às tramas amorosas.


O sonho que se esvai... Sonho ou loucura?
No sonho habitam cores enganosas...
E na loucura habita a entrega pura
de quem sonhou venturas ardorosas.


As rosas... Sempre as rosas por pretexto
para ilustrar a forma e dar contexto
ao que a palavra anseia em demonstrar.


Os sonhos... São as rosas desfolhadas
ao vento de ilusões vãs, derrocadas...
Em busca de um alguém a quem amar!


Patricia Neme

Música





















Grave som de alegria, o violoncelo
Passa lento na alma, em ela freme:
Murmuremos então ao corpo duplo,
Às bocas e às mãos, e aos desmaios,
Às secretas pesquisas que não temem
Nem a vergonha , nem a dor, nem a verdade:
É isto amor, um arco de alegria
Sobre a corda retensa do orgasmo.


José Saramago

Amor




















Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!


Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!


Mas se isto puder contar-lhe,
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


Fernando Pessoa

Saudade




















Belos amores perdidos,
Muito fiz eu com perder-vos;
Deixar-vos, sim: esquecervos
Fora demais, não o fiz.


Tudo se arranca do seio,
— Amor, desejo, esperança...
Só não se arranca a lembrança
De quando se foi feliz.


Roseira cheia de rosas,
Roseira cheia de espinhos,
Que eu deixei pelos caminhos,
Aberta em flor, e parti:


Por me não perder, perdi-te:
Mas mal posso assegurar-me,
— Com te perder e ganhar-me,
Se ganhei, ou se perdi...


Vicente de Carvalho

Verso da Espera





















Uma espera infinda
faz inverno em mim
e um amor que sufoca
completa o vazio...

Fiz da tua espera
o ocaso dos meus dias
lentos como um outono
com sons monossilábicos...

Mas se o amor é paciente
A espera é finda!


Marçal Filho/Conceição Bentes

Folha murcha





















Para o fruto tende a flor,
para a tarde o amanhecer:
nada é eterno na terra
- salvo o mudar e o des-ser.


Mesmo o mais belo verão
há de em outono murchar:
tem paciência, folha, espera
vir o vento te buscar!


Faz teu papel sem teimar:
suceda o que suceder,
deixa o vento te arrancar
e em tua casa te deixar.


Hermann Hesse

My Quintessencial Blue





















(...quisera enxergar meus versos
com vistas de outro,
sem os olhos tacanhos de dentro...)


vou arrancar os sapatos
e ouvir
meu blue quintessenciado


despir-me de humores
e escapar, asas em som,
pelos portais dos sentidos
pelos desvãos do telhado


- não me lembrem então do mundo
este já me entope os poros
a cada esquina
e satura a pele feito pólipo -


vou desfazer as bagagens
armar a noite em blue


e ser assim alteridade
a mim imune
um corpo estranho
um vagalume


Fernando Campanella

Retirada













Retiro-me da tua vontade
que é exílio sobre mágoas acesas,
dentro das insônias
que seguem seu percurso de abandono


Serei a tua calma
traçando cantos não avistados
saciando tua gula de dor


Seguirei por caminhos
marcados por impasses
de incontroláveis senões,
desafiando palavras
encarnadas em minha idéia de ser


Conceição Bentes

A lágrima





















- Faça-me o obséquio de trazer reunidos
Cloreto de sódio, água e albumina...
Ah! Basta isto, porque isto é que origina
A lágrima de todos os vencidos!


-"A farmacologia e a medicina
Com a relatividade dos sentidos
Desconhecem os mil desconhecidos
Segredos dessa secreção divina"


- O farmacêutico me obtemperou. -
Vem-me então à lembrança o pai Yoyô
Na ânsia física da última eficácia...


E logo a lágrima em meus olhos cai.
Ah! Vale mais lembrar-me eu de meu Pai
Do que todas as drogas da farmácia!


Augusto dos Anjos

Gênese





















Há sempre uma hora,
uma hora densa,
uma hora inesperada,
em que a paisagem mais inocente
tem o fulgor de um fiat.
O tempo sonha que é espaço,
o espaço sonha que é tempo,
a realidade se compenetra de sua irrealidade.
O homem repensa o mundo.
O mundo se recompõe em sua nostalgia de Deus.


Emílio Moura

Esperança
















Só a leve esperança em toda a vida
disfarça a pena de viver, mais nada;
nem é mais a existência resumida
que uma grande esperança malograda.


O eterno sonho da alma desterrada,
sonho que a traz ansiosa e embevecida,
é uma hora feliz, sempre adiada
e que não chega nunca em toda a vida.


Essa felicidade que supomos
árvore milagrosa que sonhamos
toda arriada de dourados pomos


existe sim; mas nós não n´a encontramos,
porque está sempre apenas onde a pomos
e nunca a pomos onde nós estamos.


Vicente de Carvalho

A aeronave
















Cindindo a vastidão do Azul profundo,
Sulcando o espaço, devassando a terra,
A aeronave que um mistério encerra
Vai pelo espaço acompanhando o mundo.


E na esteira sem fim da azúlea esfera
Ei-la embalada n’amplidão dos ares,
Fitando o abismo sepulcral dos mares,
Vencendo o azul que ante si s’erguera.


Voa, se eleva em busca do infinito,
É como um despertar de estranho mito,
Auroreando a humana consciência.


Cheia da luz do cintilar de um astro,
Deixa ver na fulgência do seu rastro
A trajetória augusta da Ciência.


Augusto dos Anjos

A árvore da serra

















— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!


— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pos almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...


— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!»
E quando a árvore, olhando a pátria serra,


Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!


Augusto dos Anjos

O Tempo seca o Amor

O tempo seca a beleza, seca o amor, seca as palavras. Deixa tudo solto, leve, desunido para sempre como as areias nas águas. O tempo seca a ...

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