Mar



















Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.

Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.

E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas.
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.


Vinícius de Moraes

Verdade, Amor, Razão, Merecimento

















Verdade, Amor, Razão, Merecimento
Qualquer alma farão segura e forte,
Porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte
Têm do confuso mundo o regimento.

Efeitos mil resolve o pensamento,
E não sabe a que causa se reporte;
Mas sabe que o que é mais que vida e morte
Que não o alcança humano entendimento.

Doutos varões darão razões sumidas,
Mas são experiências mais provadas,
E por isso é melhor ter nunca visto.

Cousas há i que passam sem ser cridas,
e cousas cridas há sem ser passadas.
Mas o melhor de tudo é crer em Cristo.


Luís Vaz Camões

Na Mão de Deus














Na mão de Deus, na sua mão direita 
Descansou afinal meu coração. 
Do palácio encantado da Ilusão 
Desci a passo e passo a escada estreita. 

Como as flores mortais, com que se enfeita 
A ignorância infantil, despojo vão, 
Depus do Ideal e da Paixão 
A forma transitória e imperfeita. 

Como criança, em lôbrega jornada, 
Que a mãe leva no colo agasalhada 
E atravessa, sorrindo vagamente, 

Selvas, mares, areias do deserto... 
Dorme o teu sono, coração liberto, 
Dorme na mão de Deus eternamente!


Antero de Quental

Chagas de amor


Esta luz, este fogo que devora.
Esta paisagem gris que me rodeia.
Esta dor por uma só ideia
Esta angústia de céu, mundo e hora.

Este pranto de sangue que decora
lira já sem pulso, lúbrica teia.
Este peso do mar que me golpeia
Esta lacraia que em meu peito mora.

São grinaldas de amor, cama de ferido,
onde sem sono, sonho tua presença
entre as ruínas de meu peito oprimido.

E ainda que busque o cume da prudência,
me dá teu coração vale estendido
com cicuta e paixão de amarga ciência.
.

Llagas de amor


Esta luz, este fuego que devora.
Este paisaje gris que me rodea.
Este dolor por una sola idea.
Esta angustia de cielo, mundo y hora.

Este llanto de sangre que decora
lira sin pulso ya, lúbrica tea.
Este peso del mar que me golpea.
Este alacrán que por mi pecho mora.

Son guirnalda de amor, cama de herido,
donde sin sueño, sueño tu presencia
entre las ruinas de mi pecho hundido.

Y aunque busco la cumbre de prudencia,
me da tu corazón valle tendido
con cicuta y pasión de amarga ciencia.

Federico García Lorca, 
em “Federico García Lorca: Antologia poética”‘. [tradução, seleção e apresentação de William Agel de Melo]. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2011.

Sonhando



















É noite pura e linda. Abro a minha janela
E olho suspirando o infinito céu,
Fico a sonhar de leve em muita coisa bela
Fico a pensar em ti e neste amor que é teu!

D’olhos fechados sonho. A noite é uma elegia
Cantando brandamente um sonho todo d’alma
E enquanto a lua branca o linho bom desfia
Eu sinto almas passar na noite linda e calma.

Lá vem a tua agora… Numa carreira louca
Tão perto que passou, tão perto à minha boca
Nessa carreira doida, estranha e caprichosa

Que a minh’alma cativa estremece, esvoaça
Para seguir a tua, como a folha de rosa
Segue a brisa que a beija… e a tua alma passa!…




Florbela Espanca, no livro “O Livro D’Ele”. 1915.

AR PÉTREO


















carregar na carne
esse ar pétreo

inventar no pulmão
outra saída

desobedecer o labirinto
dos músculos

coexistir no fôlego
que erige movimento

contra a asfixia
sussurrando o gatilho
no escuro dos tímpanos


Carlos Orfeu















ao esquecimento
o tempo não resiste

a memoria guarda o presente
na mesma tessitura do passado

reter o presente
dele ter imediata consciência
uma impossibilidade humana

viver é um tudo de lembrança e espera


Wanda Monteiro -A LITURGIA DO TEMPO e outros silêncios, 2019, Editora Patuá.

Carpe diem















Enquanto competindo com seu cabelo, o
ouro polido no sol brilha em vão;
enquanto com desprezo no meio da planície
olhe sua testa branca, o belo lilio;

enquanto a cada lábio, por cogello, eles
seguem mais olhos do que ao primeiro cravo;
e enquanto ele triunfa com exuberante desdém
do cristal brilhante, seu pescoço gentil;

Desfrute de pescoço, cabelo, lábio e testa,
antes do que estava em sua idade de
ouro ouro, lilio, cravo, cristal luciente,

não só em prata ou viola troncada
se torna, mas você e isto junto
em terra, em fumaça, em pó, em sombra, em nada.


Em espanhol


Mientras por competir con tu cabello,
oro bruñido al sol relumbra en vano,
mientras con menosprecio en medio el llano
mira tu blanca frente al lilio bello;

mientras a cada labio, por cogello,
siguen más ojos que al clavel temprano,
y mientras triunfa con desdén lozano
del luciente cristal tu gentil cuello;

goza cuello, cabello, labio y frente,
antes que lo que fué en tu edad dorada
oro, lilio, clavel, cristal luciente,

no sólo en plata o viola troncada
se vuelva, mas tú y ello juntamente
en tierra, en humo, en polvo, en sombra, en nada.


Luís de Góngora
(GONGORA Y ARGOTE, Luis de. Poemas de Góngora. Tradução, introdução e notas de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Art Editora, 1988.)

Soneto VIII















Lês um romance. Eu te contemplo. Ondeia, 
lá fora, um vento muito leve e brando; 
cheira a jasmins o varandim, brilhando 
ao doentio clarão da lua cheia. 

Vais lendo. E, enquanto tua mão folheia 
o livro, eu vejo que, de quando em quando, 
estremecendo, sacudindo, arfando, 
teu corpo todo num delírio anseia. 

Lês. São cenas de amor: — o encontro, o ciúme, 
idílios, beijos ao luar… Perfume 
que sobe da alma, e gira, e se desfaz… 

Vais lendo. E tu não sabes que, sozinho, 
eu te sigo, eu te sinto, eu te adivinho, 
lendo em teus olhos o que lendo estás. 


Guilherme de Almeida
Da obra original “Nós” (1914-1917). Extraído de Sonetos/ Guilherme de Almeida, Imprensa Oficial, São Paulo (SP) Brasil, 2ª edição, pág. 28.



















As orações dos homens 
Subam eternamente aos teus ouvidos; 
Eternamente aos teus ouvidos soem 
Os cânticos da terra. 

No turvo mar da vida, 
Onde aos parcéis do crime a alma naufraga, 
A derradeira bússola nos seja, 
Senhor, tua palavra. 

A melhor segurança 
Da nossa íntima paz, Senhor, é esta; 
Esta a luz que há de abrir à estância eterna 
O fulgido caminho. 

Ah! feliz o que pode, 
No extremo adeus às cousas deste mundo, 
Quando a alma, despida de vaidade, 
Vê quanto vale a terra; 

Quando das glórias frias 
Que o tempo dá e o mesmo tempo some, 
Despida já, - os olhos moribundos 
Volta às eternas glórias; 

Feliz o que nos lábios, 
No coração, na mente põe teu nome, 
E só por ele cuida entrar cantando 
No seio do infinito.


Machado de Assis

Ideia de Deus















À voz de Jeová infindos mundos 
Se formaram do nada; 
Rasgou-se o horror das trevas, fez-se o dia, 
E a noite foi criada, 

Luziu no espaço a lua! 
Sobre a terra 
Rouqueja o mar raivoso, 
E as esferas nos céus ergueram hinos
Ao Deus prodigioso 

Hino de amar a criação, que soa 
Eternal, incessante, 
Da noite no remanso, no ruído 
Do dia cintilante! 

A morte, as aflições, o espaço, o tempo, 
O que é para o Senhor? 
Eterno, imenso, que lh’importa a sanha 
Do tempo roedor? 

Como um raio de luz, percorre o espaço, 
E tudo nota e vê – 
O argueiro, os mundos, o universo, o justo; 
E o homem que não crê. 

E Ele que pode aniquilar os mundos, 
Tão forte como Ele é, 
E vê e passa, e não castiga o crime, 
Nem o ímpio sem fé!

Porém quando corrupto um povo inteiro 
O Nome seu maldiz, 
Quando só vive de vingança e roubos, 
Julgando-se feliz; 

Quando o ímpio comanda, quando o justo 
Sofre as penas do mal, 
E as virgens sem pudor, e as mães sem honra. 
E a justiça venal; 

Ai da perversa, da nação maldita, 
Cheia de ingratidão, 
Que há de ela mesma sujeitar seu colo 
A justa punição. 

Ou já terrível peste expande as asas, 
Bem lenta a esvoaçar; 
Vai de uns a outros, dos festins conviva, 
Hóspede em todo o lar! 

Ou já torvo rugir da guerra acesa 
Espalha a confusão; 
E a esposa, e a filha, de tenor opresso, 
Não sente o coração. 

E o pai, e o esposo, no morrer cruento, 
Vomita o fel raivoso; - 
Milhões de insetos vis que um pé gigante 
Enterra em chão lodoso. 

E do povo corrupto um povo nasce 
Esperançoso e crente. 
Como do podre e carunchoso tronco 
Hástea forte e virente. 


II 
Oh! Como é grande o Senhor Deus, que os mundos 
Equilibra nos ares; 
Que vai do abismo aos céus, que susta as iras 
Do pélago fremente, 
A cujo sopro a máquina estrelada 
Vacila nos seus eixos, 
A cujo aceno os querubins se movem 
Humildes, respeitosos, 
Cujo poder, que é sem igual, excede 
A hipérbole arrojada! 
Oh! Como é grande o Senhor Deus dos mundos, 
O Senhor dos prodígios. 


III 
Ele mandou que o sol fosse princípio, 
E razão de existência, 
Que fosse a luz dos homens – olho eterno 
Da sua providência. 

Mandou que a chuva refrescasse os membros, 
Refizesse o vigor 
Da terra hiante, do animal cansado 
Em praino abrasador. 

Mandou que a brisa sussurrasse amiga, 
Roubando aroma à flor; 
Que os rochedos tivessem longa vida, 
E os homens grato amor! 

Oh! Como é grande e bom o Deus que manda 
Um sonho ao desgraçado, 
Que vive agro viver entre misérias, 
De ferros rodeado; 

O Deus que manda ao infeliz que espere 
Na sua providência; 
Que o justo durma, descansado e forte 
Na sua consciência! 

Que o assassino de contínuo vele, 
Que trema de morrer; 
Enquanto lá nos céus, o que foi morto, 
Desfruta outro viver! 

Oh! Como é grande o Senhor Deus, que rege 
A máquina estrelada, 
Que ao triste dá prazer; descanso e vida 
À mente atribulada!


Gonçalves Dias

Jesus














Senhor, ao teu desejo elevo a taça
Transbordante de fel do meu tormento!
Tua vontade sobre mim se faça
E seja o teu amor meu pensamento!

Que a minha fé, Jesus, não se desfaça,
Das perversões ante o deslumbramento!
Por mim passe a maldade como passa
O grão de poeira no fragor do vento!

Mártir da Cruz, ó símbolo da Mágoa!
Dá-me a cumprir sereno a minha pena
— Chagado o corpo e os olhos rasos d’água.

E faze que esta boca humilde e boa
Nunca maldiga ao que disser — Condena!
Mas beije os pés ao que disser — Perdoa!


Junquilho Lourival

Soneto a Cristo Crucificado















Não me move, meu Deus, para querer-Te
O céu que me tens prometido,
Nem me move o inferno tão temido
Para deixar por isso de ofender-Te.

Tu me moves, Senhor, move-me ver-Te
Cravado em uma Cruz e escarnecido,
Move-me ver teu Corpo tão ferido,
Movem-me tuas afrontas e tua morte.

Move-me, enfim, o teu amor, e de tal maneira,
Que a não haver céu, ainda Te amara,
E a não haver inferno Te temera.

Nada tens que me dar porque Te queira,
Pois mesmo que eu não esperasse o que espero,
O mesmo que Te quero Te quereria.


Em espanhol:


No me mueve, mi Dios, para quererte
el cielo que me tienes prometido;
ni me mueve el infierno tan temido
para dejar por eso de ofenderte.

Tú me mueves, señor; muéveme el verte
clavado en una cruz y escarnecido;
muéveme ver tu cuerpo tan herido;
muévenme tus afrentas y tu muerte.

Muéveme, en fin, tu amor, y en tal manera
que aunque no hubiera cielo, yo te amara,
y aunque no hubiera infierno, te temiera.

No me tienes que dar porque te quiera,
pues aunque cuanto espero no esperara,
lo mismo que te quiero te quisiera.


Tem havido tentativas de atribuição deste soneto a um ou outro autor, sem que a crítica tenha comprovado a autoria.

Talvez São João da Cruz ou Santa Teresa de Jesus (Sec.XVI). A atribuição aos dois Carmelitas corresponde ao tema do amor altruísta, muito presente naqueles Santos.

A Morte de Cristo















Pregado estava o Cristo à cruz que nos salvou; 
Aproximou-se a Morte e, no auge do suplício, 
Parecia hesitar e o braço retirou, 
Temendo praticar o seu nefando ofício. 

Mas Jesus, a cabeça inclinando, acenou 
À executora atroz para que, sem flagício 
Contra o filho de Deus, que Deus nos enviou, 
Pudesse consumar o negro sacrifício. 

Dando um tremendo golpe a Morte obedeceu, 
Abalou-se a natura e o sol empaleceu, 
Qual se próximo fosse o termo deste mundo. 

Tudo, tudo gemeu na terra e na amplidão; 
Somente o homem mostrou ter do peito no fundo 
Uma pedra, e na pedra arfava um coração!


Artur de Azevedo

Oh! Rei dos reis















Oh Rei dos reis, oh Árbitro do mundo,
Cuja mão sacrossanta os maus fulmina,
E a cuja voz terrífica, e divina
Lúcifer treme no seu caos profundo!

Lava-me as nódoas do pecado imundo,
Que as almas cega, as almas contamina:
O rosto para mim piedoso inclina,
Do eterno império Teu, do Céu rotundo:

Estende o braço, a lágrimas propício,
Solta-me os ferros, em que choro e gemo
Na extremidade já do precipício:

De mim próprio me livra, oh Deus supremo!
Porque o meu coração propenso ao vício
É, Senhor, o contrário que mais temo.


Bocage

Via Crucis
















A Via Crucis foi uma selvageria,
a Crucifixão uma brutalidade;
mas em três, quatro horas, acabou a agonia,
baixou a eternidade.

Eu vivo aqui, crucificada noite e dia,
carrego da manhã à tarde
o meu lenho de opróbrio e a noite me excrucia,
lenta, fria, covarde.

Ah, como eu preferia
que me crucificassem de uma vez, sem o alarde
de algum terceiro dia!

Mas toca-me seguir nessa monotonia,
a agonia de alçar-me do catre
e abrir de novo os braços, vazia.

Bruno Tolentino - As Horas de Katharina

Incompletude


















humano
atomizado
na arritmia dos passos
perdeu o compasso
desaprendeu a pausa
de demorar-Se
no tudo do todo
no todo de si

não mais sabe contemplar
nem de outros seres sentir a valia
comisera-se em ser
efêmera
miragem

o tempo lhe escapa na incompletude


Wanda Monteiro - A liturgia do tempo e outros silêncios, Editora Patuá

A umas saudades


















Parti, coração, parti,
navegai sem vos deter,
ide-vos, minhas saudades
a meu amor socorrer.

Em o mar do meu tormento
em que padecer me vejo
já que amante me desejo
navegue o meu pensamento:
meus suspiros, formai vento,
com que me façais ir ter
onde me apeteço ver;
e diga minha alma assim:
Parti, coração, parti,
navegai sem vos deter.

Ide donde meu amor
apesar desta distância
não há perdido constância
nem demitido o rigor:
antes é tão superior
que a si se quer exceder,
e se não desfalecer
em tantas adversidades,
Ide-vos minhas saudades
a meu amor socorrer.



Gregório de Matos. "Seleção de Obras Poéticas".

SonetoXXXI



















Teu peito contém todos os corações,
Que eu, por não os ter, supus mortos;
E onde reina o amor, e tudo o que o amor mais ama,
E todos os amigos que pensei jazidos.


Quantas lágrimas santas e obsequiosas
Roubaram o amor sagrado de meus olhos,
Como maldição dos mortos, que agora ressurge
Entre coisas invisíveis que em ti se ocultam!

Tu és a tumba onde o amor enterrado vive,
Preso aos trunfos dos amores que partiram,
Que entregaram a ti tudo que pertence a mim;
E, por isso, tudo agora é apenas teu:

Tudo que neles amei, eu vejo em ti,
E tu (todos eles) me tens em tudo o que sou.


Sonnet

Thy bosom is endeared with all hearts,
Which I by lacking have supposed dead,
And there reigns love and all love's loving parts,
And all those friends which I thought buried.

How many a holy and obsequious tear
Hath dear religious love stol'n from mine eye,
As interest of the dead, which now appear,
But things removed that hidden in thee lie.

Thou art the grave where buried love doth live,
Hung with the trophies of my lovers gone,
Who all their parts of me to thee did give,
That due of many, now is thine alone.

Their images I loved, I view in thee,
And thou (all they) hast all the all of me.



William Shakespeare - Tradução de Thereza Christina Rocque da Motta

Arcos














Quem canta nas ourelas do papel?
De bruços, inclinado sobre o rio
de imagens, me vejo, lento e só,
ao longe de mim mesmo: 6 letras puras,
constelação de signos, incisões.
na carne do tempo, ó escritura,
risca na água!

Vou entre verdores
enlaçados, adentro transparências,
entre ilhas avanço pelo rio,
pelo rio feliz que se desliza
e não transcorre, liso pensamento.
Me afasto de mim mesmo, me detenho
sem deter-me nessa margem, sigo
rio abaixo, entre arcos de enlaçadas
imagens, o rio pensativo.

Sigo, me espero além, vou-me ao encontro,
rio feliz que enlaça e desenlaça
um momento de sol entre dois olmos,
sobre a polida pedra se demora
e se desprende de si mesmo e segue,
rio abaixo, ao encontro de si mesmo.

.

Arcos
[a Silvina Ocampo]

¿Quién canta en las orillas del papel?
Inclinado, de pechos sobre el río
de imágenes, me veo, lento y solo,
de mí mismo alejarme: oh letras puras,
constelación de signos, incisiones
en la carne del tiempo, ¡oh escritura,
raya en el agua!

Voy, entre verdores
enlazados, voy entre transparencias,
entre islas avanzo por el río,
por el río feliz que se desliza
y no transcurre, liso pensamiento.
Me alejo de mí mismo, me detengo
sin detenerme en una orilla y sigo,
río abajo, entre arcos de enlazadas
imágenes, el río pensativo.

Sigo, me espero allá, voy a mi encuentro,
río feliz que enlaza y desenlaza
un momento de sol entre dos álamos,
en la pulida piedra se demora,
y se desprende de sí mismo y sigue,
río abajo, al encuentro de sí mismo.


Octavio Paz, 
em “Transblanco: em Torno a Blanco de Octavio Paz”. [tradução Haroldo de Campos]. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

Diz-me, poeta...















Diz-me, poeta, o que fazes? — Eu canto.
Porém a morte e todo o desencanto,
como os suportas e aceitas? — Eu canto.
O inominado e o anônimo, no entanto
como os consegues nomear? — Eu canto.
Que direito te faz, em qualquer canto,
máscara ou veste, ser veraz? — Eu canto.
Como o silêncio dos astros e o espanto
dos raios te conhecem?: — Porque eu canto.

.

O sage, Dichter…

O sage, Dichter, was du tust? — Ich rühme.
Aber das Tödliche und Ungetüme,
wie hältst du’s aus, wie nimmst du’s hin? — Ich rühme.
Aber das Namenlose, Anonyme,
wie rufst du’s, Dichter, dennoch an? — Ich rühme.
Woher dein Recht, in jeglichem Kostüme,
in jeder Maske wahr zu sein? — Ich rühme.
Und daß das Stille und das Ungestüme
wie Stern und Sturm dich kennen?: — Weil ich rühme.

Rainer Maria Rilke, 
em “Quatro Poemas Esparsos” (1924). In: Coisas e anjos de Rilke – Augusto de Campos [organização e tradução]. 2ª edição, São Paulo: Perspectiva, 2013.

Outras palavras


















Para dizer certas coisas
são precisas
palavras outras
novas palavras
nunca ditas antes
ou nunca
antes
postas lado a lado.
São precisas
palavras que inventaram
seu percurso
e cantam sobre a língua.
Para dizer certas coisas
são precisas palavras
que amanhecem.

Marina Colasanti, em “Fino sangue”. Rio de Janeiro: Editora Record, 2005.

Carpe diem


















Que faço deste dia, que me adora?
Pega-lo pela cauda, antes da hora
Vermelha de furtar-se ao meu festim?
Ou colocá-lo em música, em palavra,


Ou grava-lo na pedra, que o sol lavra?
Força é guarda-lo em mim, que um dia assim
Tremenda noite deixa se ela ao leito
Da noite precedente o leva, feito


Escravo dessa fêmea a quem fugira
Por mim, por minha voz e minha lira.
(Mas já se sombras vejo que se cobre


Tão surdo ao sonho de ficar – tão nobre.
Já nele a luz da lua – a morte – mora,
De traição foi feito: vai-se embora.)



Mário Faustino, 
em "Poesia completa e traduzida". (Organização, introdução e notas de Benedito Nunes). São Paulo: Editora Max Limonad, 1985.

A Nuvem













Para onde foste, Amor, e me deixaste?
Extinguiu-se no poente o manso fogo,
e tu, que me dizias: “Até logo!
voltarei pela noite!” — não voltaste!

Em que sarça o divino pé magoaste?
Que muro te ensurdece de meu rogo?
Que neve pôde congelar-te o afogo
e a memória daquele a quem amaste?

…Amor, já não virás! Em vão, ansioso,
da minha porta, em atalaia, vivo
aos verdes campos e ao confim brumoso;

E me parece um “stratus” fugitivo
— nave de luz, em que, ao final repouso
vai teu doce fantasma pensativo.



El Celaje

Adónde fuíste, Amor, adónde fuíste?
Se extinguió del poniente el manso fuego
y tú, que me decías “Hasta luego,
volveré por la noche”… no volviste!

En que zarzas tu divino pie heriste?
Qué muro cruel te ensordeció a mi ruego?
Qué nieve supo congelar tu apego
y a tu memoria hurtar mi imagen triste?

…Amor, ya no vendrás! En vano, ansioso
de mi balcón atalayando vivo
el campo verde y el confín brumoso;

y me finge um celaje fugitivo,
nave de luz em que, al final reposo
va tu dulce fantasma pensativo.

4/9/1915


Amado Nervo
























nascemos em poemas diversos
destino quis que a gente se achasse
na mesma estrofe e na mesma classe
no mesmo verso e na mesma frase
rima à primeira vista nos vimos
trocamos nossos sinônimos
olhares não mais anônimos
nesta altura da leitura
nas mesmas pistas
mistas a minha a tua a nossa linha

Paulo Leminski, do livro “Não fosse isso e era menos /não fosse tanto e era quase”. 1980.

Correspondências

















A Natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam sair às vezes palavras confusas:
Por florestas de símbolos, lá o homem cruza
Observado por olhos ali familiares.

Tal longos ecos longe lá se confundem
Dentro de tenebrosa e profunda unidade
Imensa como a noite e como a claridade,
Os perfumes, as cores e os sons se transfundem.

Perfumes de frescor tal a carne de infantes,
Doces como o oboé, verdes igual ao prado,
– Mais outros, corrompidos, ricos, triunfantes,

Possuindo a expansão de algo inacabado,
Tal como o âmbar, almíscar, benjoim e incenso,
Que cantam o enlevar dos sentidos e o senso.

.

Correspondances

La Nature est un temple où de vivants piliers
Laissent parfois sortir de confuses paroles;
L’homme y passe à travers des forêts de symboles
Qui l’observent avec des regards familiers.

Comme de longs échos qui de loin se confondent
Dans une ténébreuse et profonde unité,
Vaste comme la nuit et comme la clarté,
Les parfums, les couleurs et les sons se répondent.

II est des parfums frais comme des chairs d’enfants,
Doux comme les hautbois, verts comme les prairies,
— Et d’autres, corrompus, riches et triomphants,

Ayant l’expansion des choses infinies,
Comme l’ambre, le musc, le benjoin et l’encens,
Qui chantent les transports de l’esprit et des sens.

Charles Baudelaire, em “Poetas franceses do século XIX”. [organização e tradução José Lino Grünewald]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.

A noite não adormece nos olhos das mulheres















A noite não adormece
nos olhos das mulheres
a lua fêmea, semelhante nossa,
em vigília atenta vigia
a nossa memória.

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
há mais olhos que sono
onde lágrimas suspensas
virgulam o lapso
de nossas molhadas lembranças.

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
vaginas abertas
retêm e expulsam a vida
donde Ainás, Nzingas, Ngambeles
e outras meninas luas
afastam delas e de nós
os nossos cálices de lágrimas.

A noite não adormecerá
jamais nos olhos das fêmeas
pois do nosso sangue-mulher
de nosso líquido lembradiço
em cada gota que jorra
um fio invisível e tônico
pacientemente cose a rede

Conceição Evaristo, em Cadernos Negros, vol. 19.
Em memória de Beatriz Nascimento

Descobrimento da Poesia















Quero escrever sem pensar.
Que um verso consolador
Venha vindo impressentido
Como o princípio do amor.

Quero escrever sem saber,
Sem saber o que dizer,
Quero escrever urna coisa
Que não se possa entender,

Mas que tenha um ar de graça,
De pureza, de inocência,
De doçura na desgraça,
De descanso na inconsciência.

Sinto que a arte já me cansa
E só me resta a esperança
De me esquecer do que sou
E tornar a ser criança.


Dante Milano

O Tempo seca o Amor

O tempo seca a beleza, seca o amor, seca as palavras. Deixa tudo solto, leve, desunido para sempre como as areias nas águas. O tempo seca a ...

Nos últimos 30 dias.