Morro da Babilônia


















À noite, do morro
descem vozes que criam o terror
(terror urbano, cinquenta por cento de cinema,
e o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua
geral).

Quando houve revolução, os soldados se
Espalharam no morro,
O quartel pegou fogo, eles não voltaram.
Alguns, chumbados, morreram.
O morro ficou mais encantado.

Mas as vozes do morro
Não são propriamente lúgubres.
Há mesmo um cavaquinho bem afinado
que domina os ruídos da pedra e da folhagem
e desce até nós, modesto e recreativo,
como uma gentileza do morro.



Carlos Drummond de Andrade

Por entre o Beberibe, e o Oceano
















Por entre o Beberibe, e o Oceano
Em uma areia sáfia, e lagadiça
Jaz o Recife povoação mestiça,
Que o Belga edificou ímpio tirano.

O Povo é pouco, e muito pouco urbano,
Que vive à mercê de uma lingüiça,
Unha de velha insípida enfermiça,
E camarões de charco em todo o ano.

As damas cortesãs, e por rasgadas
Olhas podridas, são, e pestilências,
Elas com purgações, nunca purgadas.

Mas a culpa têm vossas reverências,
Pois as trazem rompidas, e escaladas
Com cordões, com bentinhos, e indulgências.



Gregório de Matos





















era um voo sem prumo
de malogrado fôlego
a asa carecia de força e fúria
para vencer a brandura do vento
alçar o azul

a queda foi a tecelã do fim das horas
tecidas no vão do chão partido

e veio o silêncio feito de abismo
o homem sem plumas
só queria subir ao cume
para ver o mar

Wanda Monteiro - A LITURGIA DO TEMPO e outros silêncios
publicado pela editora Patuá

Brincar na rua













Tarde?
O dia dura menos que um dia.
O corpo ainda não parou de brincar
e já estão chamando da janela:
É tarde.

Ouço sempre este som: é tarde, tarde.
A noite chega de manhã?
Só existe a noite e seu sereno

O mundo não é mais, depois das cinco?
É tarde.
A sombra me proíbe.
Amanhã, mesma coisa.
Sempre tarde antes de ser tarde.


Carlos Drummond de Andrade

O Bicho
















Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Rio, 27 de dezembro de 1947

Manuel Bandeira

Psique e Eros

Escultura de Antonio Canova























transfusão e falta de qualquer sentido
na palavra sangue faz sinal de fim
O dia de dizer das horas todas
esmagando o frágil da flor para trás
o anjo da efêmera vontade futura
entre um corte de carne e outro
Nada de bússola
Origamis amassados, cacos nas mãos,
catafalco amar o incansável finito
do dito não
Voo rompido
Queda na boca que não bebo memória

Da dor de abismo o mapa que não nasceu
dos condenados, não brotou vida
de nós entre os outros ainda mais cansado
A lágrima única guarda
ponteiros que te dediquei – são estilhaços
Morta de fome cai a salga mediterrânea
Morta de vida me mata na clandestinidade

Sofro de tardios e
efêmeros
Morre em mim o sim e o outro também
O espelho que nasceu quebrado de azar
entre meus punhos vão enterrados na terra
sete mais sete mais sete palmas

Sofro de extremistas
e eles me abatem no céu
em pleno voo
sem nenhuma misericórdia, amor


Patricia Porto

Marina





















Quis hic locus, quae regio, quae mundi plaga?

Que mares que praias que rochas grises que ilhas
Que águas a lamber a proa
Que aroma de pinho e gorjeio de tordo na neblina
Que imagens retornam
Ó minha filha.

Aqueles que os dentes do cão afiam, significando
Morte
Aqueles que na glória do colibri cintilam, significando
Morte
Aqueles que na pocilga da satisfação se assentam, significando
Morte
Aqueles que do êxtase dos animais partilham, significando
Morte

Tornam-se incorpóreos, reduzidos a nada por um golpe de vento
Uma exalação de pinho, e a neblina da canção silvestre
Por esta graça no espaço se dissolve.

Que há neste rosto, menos claro e mais claro
O pulso no braço, menos forte e mais forte
— Dado ou emprestado? Mais distante que as estrelas e mais próximo que os olhos
Sussurros e risinhos entre folhas e pés precipites
Submersos no sono, onde todas as águas se entrelaçam.

O gurupés no gelo se espedaça, a pintura ao calor estala.
Eu o fiz, e esqueci
E recordo.
A cordoalha frouxa e o velame em farrapos
Entre certo junho e outro setembro.
E o fiz desconhecido, semiconsciente, ignoto, meu.
O verdugo da carcaça faz água, as fendas reclamam o calafate.
Esta forma, este rosto, esta vida
Vivendo por viver numa esfera de tempo que me excede. Que eu possa
Renunciar à minha vida por esta vida, à minha fala pelo inexpresso,
O desperto, lábios abertos, a esperança, os novos barcos.
Que mares que praias que graníticas ilhas contra minha quilha
E que tordo chama através da neblina
Minha filha.

.

Marina

Quis hic locus, quae regio, quae mundi plaga?

What seas what shores what grey rocks and what islands
What water lapping the bow
And scent of pine and the woodthrush singing through the fog
What images return
O my daughter.

Those who sharpen the tooth of the dog, meaning
Death
Those who glitter with the glory of the hummingbird, meaning
Death
Those who sit in the stye of contentment, meaning
Death
Those who suffer the ecstasy of the animals, meaning
Death

Are become insubstantial, reduced by a wind,
A breath of pine, and the woodsong fog
By this grace dissolved in place

What is this face, less clear and clearer
The pulse in the arm, less strong and stronger—
Given or lent? more distant than stars and nearer than the eye

Whispers and small laughter between leaves and hurrying feet
Under sleep, where all the waters meet.

Bowsprit cracked with ice and paint cracked with heat.
I made this, I have forgotten
And remember.
The rigging weak and the canvas rotten
Between one June and another September.
Made this unknowing, half conscious, unknown, my own.
The garboard strake leaks, the seams need caulking.
This form, this face, this life
Living to live in a world of time beyond me; let me
Resign my life for this life, my speech for that unspoken,
The awakened, lips parted, the hope, the new ships.

What seas what shores what granite islands towards my timbers
And woodthrush calling through the fog
My daughter.


T. S. Eliot, em “Poesia”. [tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1981.

Ritual
























Fecho as janelas desta casa
(seus corredores, seus fantasmas
sua aérea arquitetura de pássaro)
fecho a insônia que inundava
meu quarto debruçado sobre o nada
fecho as cortinas onde a larva
do tempo tece agora sua praga
fecho a clara algazarra plácida
das vozes sangüíneas da alvorada
fecho o trecho taciturno da tocata
a chuva percutindo as teclas do telhado
as sombras navegando pelo pátio
e o bambuzal

Fecho as torneiras da memória

Fecho também a tumultuosa torrente de vida
que poderia ter rompido o cerco das paredes
e feito explodir a argamassa de calcário e solidão

Fecho ainda as lentas pálpebras da amada
o mofo acumulado entre seus lábios
o limo que vestiu sua carne desolada

Fecho tudo e depois me fecho

Estou cansado
estou triste
estou só

Ivan Junqueira - do livro Os Mortos (1956-64)

Manifesto

       Trigais, pintura de Fernando Ikomas, na Galeria de Arte Quadros












Poesia não te peço trigo
pois sei que não és seara
e nem ao menos és terra.
Quero-te só cotovia
no espesso dos trigais
e canto da madrugada.
Não podes servir de pão
a quem outro não tiver.
Podes uivar e chorar
ser o grito de esfaimados
bandeira de barricadas
cólera das nossas veias
mas não és terra ou seara
Nem balas nem espingardas.
Quero-te só cotovia
Íntima voz do meu sangue.



Fernando Couto (1967), em "Uma voz cheia de vozes". Maputo: Editorial Ndjira, 2015.

Ao Pobre
























Tens apenas duas moedas
e a miséria te abate?
Compra um pão,
com a moeda primeira.

Com a segunda,
compra o orvalho da noite,
a amplidão: silêncio dos astros todos.
Compra os lírios que se libram
nas hastes do infinito.

Ainda com a segunda moeda,
compra o sol da manhã do destino,
a dor de amor em verso curto,
a liturgia das aves,
o ritual de acasalamento da aurora das cores.

Compra o clarão de sonho da alma do infante.
Compra, e a vida, de troco,
em troca,
dar-te-á a essência
das vidas de tua vida.



Nara Rúbia Ribeiro, do livro “Pazes”, a publicar.

Tese e antítese












I

Já não sei o que vale a nova ideia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, à luz da barricada,
Como bacante após lúbrica ceia!

Sanguinolento o olhar se lhe incendeia...
Respira fumo e fogo embriagada...
A deusa de alma vasta e sossegada
Ei-la presa das fúrias de Medeia!

Um século irritado e truculento
Chama à epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obus...

Mas a ideia é num mundo inalterável,
Num cristalino Céu, que vive estável...
Tu, pensamento, não és fogo, és luz!


II

Num Céu intemerato e cristalino
Pode habitar talvez um Deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espectáculo divino:

Mas o homem, na terra onde o destino
O lançou, vive e agita-se incessante...
Enche o ar da terra o seu pulmão possante...
Cá da terra blasfema ou ergue um hino...

A ideia encarna em peitos que palpitam:
O seu pulsar são chamas que crepitam,
Paixões ardentes como vivos sóis!

Combatei pois na terra árida e bruta,
Té que a revolva o remoinhar da luta,
Té que fecunde o sangue dos heróis.



Antero de Quental

Dormente Tormenta















Trens abarrotados
de corpos suados
desliza pelas linhas da angústia.

Parando em cada estação
descarregando farrapos
negros e brancos
cabisbaixos e sem emoção.

A distância das linhas de ação
dividem os homens
e formam o trem
das vítimas da exploração.

Na tormenta do dia
perde-se o tempo
Na dormência da base
perde-se a vida em vão.

Trem de peões
nós nos corações
fundem a existência
no ferro e no aço dos vagões.


Moduan Matus
( Edgar Vieira Matos), 1954, Nova Iguaçu, poeta e contador, um dos integrantes da tribo Desmaio Públiko.

Filme



















I

Ao mundo invisível
ao avesso do que é

onde fôssemos sólidos
no todo em transparência

que nos puxasse a planta mágica
retorno cauterizado para sempre

No ar eu sentiria
só o teu sentir meu corpo

um esquecimento cheio de ti
da pele de doces frutas

na boca o sumo e do mundo só
o teu corpo todo meu

como voar pelas voltas do pescoço
e dos ombros

volta ao torso e teus quadris
de volta sobre as pernas

agora nas minhas mãos
nos teus cabelos


II

Funda imersão
dessas que um filme

guarda caleidoscópico
sussurrado, ardente.


Alberto Bresciani
Incompleto Movimento veio a lume com o selo da José Olympio Editora, e, em 19 de outubro de 2011, foi lançado na Livraria Cultura/Norte, em Brasília, com sucesso. (Angélica Torres Lima. Outubro, 2011)

Poema das distâncias















Não posso fixar distâncias
nesta época em que as distâncias desapareceram.

Não posso compreender distâncias
nesta época em que nos grandes caminhos
Os homens se perderam...

Mas
no dia em que a canoa do caboclo deixar de navegar
muita coisa na Amazônia vai mudar...

Porque a canoa conduz tão bem
uma noiva matuta p’ra cidade

Conduz
às vezes
dois namorados sozinhos pelo rio
que mais parece a poesia tristonha da Amazônia



Benedicto Monteiro

Quando cuido no tempo que, contente



















Quando cuido no tempo que, contente,
Vi pérolas, neve, rosa e ouro,
Como quem vê por sonhos um tesouro,
Parece tenho tudo aqui presente.

Mas tanto que se passa este acidente,
E vejo o quão distante de vós mouro,
Temo quanto imagino por agouro,
Por que de imaginar também me ausente.

Já foram dias em que por ventura
Vos vi, Senhora, se assi dizendo posso,
Co coração seguro estar, sem medo;

Agora, em tanto mal não me assegura
A própria fantasia e nojo vosso:
Eu não posso entender este segredo!

Luís Vaz de Camões

Soneto de Amor














Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e s´estertora
N´ânsia letal que mata e que o devora
E que tornou-o assim, triste e descrido.

Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.

E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,

Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora,
Como um coveiro a sepultar quimeras!



Augusto dos Anjos

A força que do pavio verde inflama a flor














A força que do pavio verde inflama a flor
Inflama a minha idade verde; que rói as raízes das árvores
É a que me destrói.
E mudo eu sou pra dizer à rosa curva
Que à minha juventude encurva a mesma febre de inverno.

A força que através das rochas move a água
Move o meu sangue rubro; que seca os rios vociferantes
Torna em cera os meus rios.
E mudo eu sou para gritar às minhas veias
Que é a mesma boca a sorver a fonte da montanha.

A mão que faz girar a água no charco
Acorda a areia movediça; que amarra o sopro do vento,
Me arma a vela e a mortalha.
E mudo eu sou pra dizer ao enforcado
Que a minha argila e a do carrasco são a mesma argila.
O tempo com seus lábios suga as minhas fontes;
O amor goteja e coalha mas o sangue caído
Calmará suas chagas.
E mudo eu sou pra dizer ao vento como o tempo
Pulsou um céu em torno das estrelas.

E mudo eu sou pra dizer ao tumulo da amante
Que, curvo, em meus lençóis, se arrasta o mesmo verme.

1933
.

The force that through the green fuse drives the flower


The force that through the green fuse drives the flower
Drives my green age; that blasts the roots of trees
Is my destroyer.
And I am dumb to tell the crooked rose
My youth is bent by the same wintry fever.

The force that drives the water through the rocks
Drives my red blood; that dries the mouthing streams
Turns mine to wax.
And I am dumb to mouth unto my veins
How at the mountain spring the same mouth sucks.

The hand that whirls the water in the pool
Stirs the quicksand; that ropes the blowing wind
Hauls my shroud sail.
And I am dumb to tell the hanging man
How of my clay is made the hangman’s lime.

The lips of time leech to the fountain head;
Love drips and gathers, but the fallen blood
Shall calm her sores.
And I am dumb to tell a weather’s wind
How time has ticked a heaven round the stars.

And I am dumb to tell the lover’s tomb
How at my sheet goes the same crooked worm.

1933
Dylan Thomas, em "Poesia da recusa". [organização e tradução Augusto de Campos]. Coleção signos 42. São Paulo: Editora Perspectiva, 2006.

E depois















Os labirintos
que cria o tempo
se desvanecem.

(Só fica
o deserto.)

O coração,
fonte do desejo,
se desvanece.

(Só fica
o deserto)

A ilusão da aurora
e os beijos
se desvanecem.

Só fica
o deserto.
Um ondulado
deserto.
.


Y despues


Los laberintos
que crea el tiempo
se desvanecen.

(Solo queda
el desierto.)

El corazón,
fuente del deseo,
se desvanece.

(Solo queda
el desierto.)

La ilusión de la aurora
y los besos
se desvanecen.

Solo queda
el desierto.
Un ondulado
desierto.

Federico García Lorca, no livro 'Obra poética completa'. [tradução de William Agel de Melo]. Brasília: Editora Universidade de Brasília | São Paulo: Martins Fontes, 1989.

O Amor
























O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p´ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de *dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr´a saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar.



Fernando Pessoa

Gota de Água



















Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.



António Gedeão

Este Poema






















Este poema não vai
Segurar a lâmina
Não vai arrebentar a corda
Não vai dar de comer à criança
Suja estendendo a mão
Na rua

Não vai
Ressuscitar a ave extinta
Nem sacolejar o coração
Traído
Pelo último bombeamento
Do sangue, este poema
Não vai

Limpar a ardência dos olhos
Secar lágrimas, abrir
Sorrisos
Nem falar a palavra amiga
Ao menos abrigar uma ilusão

Não, este poema não vai
Segurar o homem no
Abismo
Voltar o tempo, acender a
Luz
Esclarecer qualquer
Confusão

Falar a verdade
Saber a verdade
Desistir da verdade
Ser a verdade

Este poema não vai
Melhorar o trânsito.


Adriane Garcia - in Garrafas ao Mar - Penalux, Guaratinguetá-SP, 2018

Soneto XXXIII













Já vi muitas manhãs gloriosas cobrirem
Os cumes das montanhas com o olhar soberano,
Beijando com a tez dourada o verde dos campos,
Colorindo pálidos córregos com a divina alquimia,

Não permitindo que as nuvens baixas vaguem
Com aspecto horrendo sobre a face celestial,
E do mundo distante esconder sua visagem,
Fugindo, despercebido, para o Oeste em desgraça.

Mesmo assim, meu sol brilhou cedo, um dia,
Em todo o seu esplendor triunfante sobre o cenho;
Porém, ó dor, ele apenas foi meu por uma hora –
As brumas encobriram-no totalmente agora.

Embora ele, por isso, desdenhe o meu amor;
Os sóis do mundo manterão a sua mácula.


Em inglês:

Sonnet

Full many a glorious morning have I seen,
Flatter the mountain tops with sovereign eye,
Kissing with golden face the meadows green;
Gilding pale streams with heavenly alchemy:

Anon permit the basest clouds to ride,
With ugly rack on his celestial face,
And from the forlorn world his visage hide
Stealing unseen to west with this disgrace:

Even so my sun one early morn did shine,
With all triumphant splendour on my brow,
But out alack, he was but one hour mine,
The region cloud hath masked him from me now.

Yet him for this, my love no whit disdaineth,
Suns of the world may stain, when heaven's sun staineth.

William Shakespeare - Tradução de Thereza Christina Rocque da Motta

A iminência do verbo






















É quase um frio
isso que passa por meus
pêlos eriçados

Esse vento fugido
das frestas de pensamentos
quase
sai
ressecando lábios
entreabertos

que não cantam
os poemas que
fiz.


Lilian Aquino

A vaga















De manso surge a vaga.
Vem de leve de uma ruga do mar que o vento ensaia
impelir e rolar. E rola e em breve
numa auréola de espumas cinge a praia.

E é majestosa e bela quer se eleve
expandindo-se toda ou se contraia,
erga-se em cristas brancas como a neve
ou rebramando escachoante caia.

Tal como a vaga é o meu amor por ti
férvido, impetuoso — o que eu senti
no coração com mais ardor vibrar.

Amor que de meus versos dentre a espuma
borbulha e se agiganta e se avoluma

como a vaga rolando sobre o mar.

Carlos Marighella, no livro “Poemas: rondó da liberdade”. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.

Anjo daltônico


















Tempo da infância, cinza de borralho,
tempo esfumado sobre vila e rio
e tumba e cal e coisas que eu não valho,
cobre isso tudo em que me denuncio.

Há também essa face que sumiu
e o espelho triste e o rei desse baralho.
Ponho as cartas na mesa. Jogo frio.
Veste esse rei um manto de espantalho.

Era daltônico o anjo que o coseu,
e se era anjo, senhores, não se sabe,
que muita coisa a um anjo se assemelha.

Esses trapos azuis, olhai, sou eu.
Se vós não os vedes, culpa não me cabe
de andar vestido em túnica vermelha.



Jorge de Lima, em "Humor e Humorismo". [org. Idel Becker]. São Paulo: Editora Brasiliense, 1961, p. 206.

Soneto à Ciência



















Ciência! Do velho Tempo és filha predileta!
Tudo alteras, com o olhar que tudo inquire e invade!
Por que rasgas assim o coração do poeta,
abutre, que asas tens de triste Realidade?

Poderia êle amar-te, achar sabedoria
em ti, se ousas cortar seu vôo errante e ao léu
quando tenta extrair os tesouros do céu,
mesmo que a asa se eleve indômita e bravia?

Não furtaste a Diana o carro? E não forçaste
a Hamadríade do bosque a procurar, fugindo,
estrêla mais feliz, que para sempre a esconda?

Não arrancaste à Ninfa as carícias da onda,
e ao Elfo a verde relva? E a mim, não me roubaste
o sonho de verão ao pé do tamarindo?


Em inglês:


SONNET — TO SCIENCE


Science! true daughter of Old Time thou art!
Who alterest all things with thy peering eyes.
Why preyest thou thus upon the poet's heart,
Vulture, whose wings are dull realities?

How should he love thee? or how deem thee wise,
Who wouldst not leave him in his wandering
To seek for treasure in the jewelled skies,
Albeit he soared with an undaunted wing?

Hast thou not dragged Diana from her car?
And driven the Hamadryad from the wood
To seek a shelter in some happier star?

Hast thou not torn the Naiad from her flood,
The Elfin from the green grass, and from me
The summer dream beneath the tamarind tree?


Edgar Allan Poe - 'Ficção completa, poesias & ensaios". [organização, tradução e anotações Oscar Mendes com a colaboração Milton Amado]. Rio de Janeiro: Companhia Aguilar Editora, 1965. (grafia original 1965).

Repenso o mundo














Repenso o mundo, segunda edição,
segunda edição corrigida,
aos idiotas o riso,
aos tristes o pranto,
aos carecas o pente,
aos cães botas.

Eis um capítulo:
A Fala dos Bichos e das Plantas,
com um glossário próprio
para cada espécie.
Mesmo um simples bom-dia
trocado com um peixe,
a ti, ao peixe, a todos
na vida fortalece.

Essa há muito pressentida,
de súbito revelada,
improvisação da mata.
Essa épica das corujas!
Esses aforismos do ouriço
compostos quando imaginamos
que, ora, está só adormecido!
O tempo (capítulo dois)
tem direito de se meter
em tudo, coisa boa ou má.
Porém — ele que pulveriza montanhas
remove oceanos e está
presente na órbita das estrelas,
não terá o menor poder
sobre os amantes, tão nus
tão abraçados, com o coração alvoroçado
como um pardal na mão pousado.

A velhice é uma moral
só na vida de um marginal.
Ah, então todos são jovens!
O sofrimento (capítulo três)
não insulta o corpo.
A morte
chega com o sono.

E vais sonhar
que nem é preciso respirar,
que o silêncio sem ar
não é uma música má,
pequeno como uma fagulha,
a um toque te apagarás.
Morrer, só assim. Dor mais dolorosa
tiveste segurando nas mãos uma rosa
e terror maior sentiste ao som
de uma pétala caindo no chão.

O mundo, só assim. Só assim
viver. E morrer só esse tanto.
E todo o resto — é como Bach
tocado por um instante
num serrote.


*
Em polonês:

Obmyślam świat


Obmyślam świat, wydanie drugie,
wydanie drugie, poprawione,
idiotom na śmiech,
melancholikom na płacz,
łysym na grzebień,
psom na buty.

Oto rozdział:
Mowa Zwierząt i Roślin,
gdzie przy każdym gatunku
masz słownik odnośny.
Nawet proste dzień dobry
wymienione z rybą
ciebie, rybę i wszystkich
przy życu umocni.

Ta, dawno przeczuwana,
nagle w lawie słów
inprowizacja lasu!
Ta epika sów!
Te aforyzmy jeża
układane, gdy
jesteśmy przekonani,
że, nic tylko śpi!

Czas (rozdział drugi)
ma prawo do wtrącania się
we wszystko czy złe, czy dobre.
Jednakże — ten, co kruszy góry,
oceany przesuwa i który
obecny jest przy gwiazd krążeniu,
nie będzie mieć najmniejszej władzy
nad kochankami, bo zbyt nadzy,
bo zbyt obojęci, z nastroszoną
duszą jak wróblem na ramieniu.

Starość to tylko morał
przy życiu zbrodniarza.
Ach więc wszyscy młodzi!
Cierpienie (rozdział trzeci)
ciała nie zniewala.
Śmierć,
kiedy śpisz, przychodzi.

A śnić bedziesz,
że wcale nie trzeba oddychać,
że cisza bez oddechu
to niezła muzyka,
jesteś mały jak iskra
i gaśniesz do taktu.

Śmierć tylko taka. Bólu więcej
miałeś trzymając róże w ręce
i większe czułeś przerażenie
widząc, że płatek spadł na ziemie.

Świat tylko taki. Tylko tak
żyć. I umierać tylko tyle.
A wszystko innejest — jak Bach
chwilowo grany
na pile.


Wisława Szymborska, em "Poemas – Wisława Szymborska". [seleção, tradução e prefácio Regina Przybycien]. Edição bilíngue: português-polonês. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

Triste regresso











Uma vez um poeta, um tresloucado,
Apaixonou-se d’uma virgem bela;
Vivia alegre o vate apaixonado,
Louco vivia, enamorado dela.

Mas a Pátria chamou-o. Era o soldado,
E tinha que deixar p’ra sempre aquela
Meiga visão, olímpica e singela!
E partiu, coração amargurado.

Dos canhões ao ribombo e das metralhas,
Altivo lutador, venceu batalhas,
Juncou-lhe a fronte aurifulgente estrela


E voltou, mas a fronte aureolada,
Ao chegar, pendeu triste e desmaiada,
No sepulcro da loura virgem bela.



Augusto dos Anjos

O fazedor de amanhecer

Pintura de Vladimir Kush



















Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.


Manoel de Barros

Noite de Amor














Passava a lua pelo azul do espaço
De teu regaço
A namorar o alvor!
Como era tema no seu brando lume...
Tive ciúme
De ver tanto amor.

Como de um cisne alvinitentes plumas
Iam as brumas
A vagar nos céus,
Gemia a brisa — perfumando a rosa —
Terna, queixosa
Nos cabelos teus.

Que noite santa! Sempre o lábio mudo
A dizer tudo
A suspirar paixão
De espaço a espaço — um fervoroso beijo
E após o beijo
E tu dizias — "Não!... "

Eu fui a brisa, tu me foste a rosa,
Fui mariposa
— Tu me foste a luz!
Brisa — beijei-te; mariposa — ardi-me,
E hoje me oprime
Do martírio a cruz

E agora quando na montanha o vento
Geme lamento
De infinito amor,
Buscando debalde te escutar as juras
Não mais venturas...
Só me resta a dor.

Seria um sonho aquela noite errante?...
Diz, minha amante!...
Foi real... bem sei...
Ai! não me negues... Diz-me a lua, o vento
Diz-me o tormento...
Que por ti penei!


Castro Alves

O Tempo seca o Amor

O tempo seca a beleza, seca o amor, seca as palavras. Deixa tudo solto, leve, desunido para sempre como as areias nas águas. O tempo seca a ...

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