Soneto XXXV


















Não te entristeças mais pelo que fizeste:
As rosas têm espinhos, e a prata jaz sob a lama;
As nuvens e os eclipses encobrem o sol e a lua,
E o terrível negrume vive no doce botão.


Todo homem erra, e mesmo eu aqui,
Permitindo que ouses comparar,
Minha corrupção, salvando tua omissão,
Desculpando em excesso os teus erros;

Pois teu pecado sensual eu considero –
Teu adversário é teu advogado –
E contra mim instaura-se um pleito;
Há uma guerra civil entre o amor e o ódio


Em que me torno cúmplice
Do ladrão, que, malicioso, rouba a mim.



Sonnet

No more be grieved at that which thou hast done,
Roses have thorns, and silver fountains mud,
Clouds and eclipses stain both moon and sun,
And loathsome canker lives in sweetest bud.

All men make faults, and even I in this,
Authorizing thy trespass with compare,
My self corrupting salving thy amiss,
Excusing thy sins more than thy sins are:

For to thy sensual fault I bring in sense,
Thy adverse party is thy advocate,
And 'gainst my self a lawful plea commence:
Such civil war is in my love and hate,

That I an accessary needs must be,
To that sweet thief which sourly robs from me.

William Shakespeare - Tradução de Thereza Christina Rocque da Motta

O mundo






















Insuportável mundo! A obter e jogar fora,
nós arrasamos, tarde ou não, nosso vigor:
pouco de nosso vemos, natureza afora;
demos o coração, em sórdido favor!
O mar que à Lua mostra o peito, em seu fragor;
os ventos que estarão uivando a toda hora,
mas, como flores a dormir, calam-se agora:
nada nos move: eu preferia, Deus senhor,
pois que nosso ânimo com coisa alguma afina,
ser um pagão nutrido em gasta, anciã doutrina,
para que me sentisse menos desvalido
ao vislumbrar rápidos vultos na campina:
queria ver Proteu, do azul do mar surgido,
e ouvir Tritão soprar o búzio retorcido.


The world is too much with us; late and soon

The world is too much with us; late and soon,
Qetting and spending, we lay waste our powers:
Little we see in Nature that is ours;
We have given our hearts away, a sordid boon!
The Sea that bares her bosom to the moon;
The winds that will be howling at all hours,
And are up-gathered now like sleeping flowers,
For this, for everything, we are out of time;
It moves us not. – Great God! I’d rather be
A pagan suckled in a creed outwom;
So might I, standing on this pleasant lea,
Have glimpses that would make me less forlon;
Have sight of Proteus rising from the sea;
Or hear old Triton blow his wreathèd horn.


William Wordsworth.
WORDSWORTH, William. The world is too much with us; late and soon / O Mundo. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. In: CHAUCER, Geoffrey et al. Poetas da Inglaterra. Edição bilíngue. Tradução e notas de Péricles Eugênio da Silva Ramos em colaboração com Paulo Vizioli. São Bernardo do Campo, SP: Secretaria da Cultura, Esporte e Turismo do Estado de São Paulo; Bandeirante S. A. Indústria Gráfica, dez. 1970. Em inglês: p. 150; em português: p. 151.

Meditação 17














(trecho)

Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um teu amigo, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.


MEDITATION 17

(excerpt)

No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main; if a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were, as well as if a manor of thy friend's or of thine own were; any man's death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee.


John Donne - Tradução: Paulo Vizioli

Troféus


















A pantera? Ela já arrastara você,
Como se a abocanhá-la, por toda a Europa,
Como que a pender entre suas patas,
Você de boca aberta, chorando, ou nem chorando mais,
Apenas se deixando arrastar. A verdadeira presa
Já havia escapado com um pulo. Assim, a fera,
Frustrada, furiosa,
Mordia sua traquéia, estrangulada o som. O que espirrava fora
Formava manchas de teste Rorschach
No seu diário. O seu esforço de gritar palavras
Desfazia-se em sangue oxigenado
Enriquecido pelas adrenalinas
Do desespero, terror, fúria pura e simples –
Quarenta anos depois
O cheiro da fera emana das páginas secas
E me arrepia os pêlos das mãos.
A emoção. O súbito
Olhar que se fixou em mim
Saído das suas jóias cor de âmbar
E, quando a vi desprevenida, cravou
Suas presas no meu rosto. A tenacidade
Da posse do felino enorme
Sobre a presa escolhida e estropiada
É um processo químico – combustão
Da matéria do juízo.

Assim, ela saltou sobre você. Suas pegadas
Marcaram a sua página. Sem dúvida
O sangue era seu. Com uma risada,
Recebi o impacto de seu peso. Eu não sabia
Que o ataque choque de um predador de grande porte,
Dizem os sobreviventes, mergulha a vítima
Numa euforia de embriaguez. Ainda sorrindo
Enquanto ela me arrastava, arranquei
Com cuidado a faixa presa entre seus dentes
E um de seus brincos, para guardar como troféus.

.

TROPHIES

The panther? It had already dragged you
As if in its jaws, across Europe.
As if trailing between its legs,
Your mouth crying open, or not even crying any more,
Just letting yourself be dragged. Its real prey
Had skipped and escaped. So the fangs,
Blind in frustration,
Crushed your trachea, strangled the sounds. The Rorschach
Splashing of those outpourings stained
Your journal pages. Your effort to cry words
Came apart in aired blood
Enriched by the adrenalins
Of despair, terror, sheer fury –
After forty years
The whiff of that beast, off the dry pages,
Lifts the hair on the back of my hands.
The thrill of it. The sudden
Look that locked on me
Through your amber jewels
And as I caught you lolling locked
Its jaws into my face. The tenacity
Of the big cat’s claim
On the one marked down and once disabled
Is a chemical process – a combustion
Of the stuff of judgement.

So it sprang over you. Its jungle prints
Hit your page. Plainly the blood
Was your own. With a laugh I
Took its full weight. Little did I know
The shock attack of a big predator
According to survivors numbs the target
Into drunken euphoria. Still smiling
As it carried me off I detached
The hairband carefully from between its teeth
And a ring from its ear, for my trophies.

Ted Hughes em "Cartas de aniversário". [tradução de Paulo Henriques Britto]. Edição bilíngüe. Rio de Janeiro: Record, 1999.

Canção de Amor















Tua beleza, que uma vez perdi de vista

por longo tempo, é longa,
não simétrica, e veste

as cores terrosas que me fazem vê-la.

Uma longa beleza. Que é isso?
Uma canção

que pode ser cantada uma e outra vez
longas notas ou longos ossos.

O amor é uma paisagem que as longas montanhas
definem mas não

separam da

distância imperceptível.
No outono, no outono,

tuas árvores esticam
seus braços longos em mangas

de vermelho terra e
amarelo céu, um pouco
podadas. Eu dou

longos passeios por eles. As uvas
que precisam de geada para amadurecer

são âmbar e crescem profundas na
sebe, meio ocultas,
como tua beleza cresce em longas gavinhas

meio na escuridão.


LOVE SONG

Your beauty, which I lost sight of once
for a long time, is long,
not symmetrical, and wears
the earth colors that make me see it.

A long beauty, what is that?
A song
that can be sung over and over,
long notes or long bones.

Love is a landscape the long mountains
define but don’t
shut off from the
unseeable distance.

In fall, in fall,
your trees stretch
their long arms in sleeves
of earth-red and

sky-yellow, a little
lop-sided. I take
long walks among them. The grapes
that need frost to ripen them

are amber and grow deep in the
hedge, half-concealed,
the way your beauty grows in long tendrils
half in darkness.

Denise Levertov - Tradução de Mariana Basílio















Uma palavra morre

Quando é dita –
Dir-se-ia –
Pois eu digo
Que ela nasce
Nesse dia.



A word is dead
When it is said,
Some say.
I say it just
Begins to live
That day.

Emily Dickinson - Trad. Aíla de Olveira Gomes.

Leite derramado


Os esporos de duas aspirinas dissolvem no copo,
os micélios frutificam a água que eu viro láctea.
O mundo inteiro escorrega pelo ralo à minha janela.

Não para de chover desde que você partiu, as ruas escuras
e musculosas com a água. Dolorido e exausto você gozou
na minha boca, cobrindo a língua com seu leite bom e amargo.

Agora descubro que você descontou aquele cheque. Imagino
você deslizando o papel sob o aço e o vidro. Estou sentada aqui
no círculo de luz, estudando mulheres de novecentos anos atrás.

Minha mão entra na escuridão enquanto escrevo, A adúltera
perdeu o nariz e as orelhas; o homem foi multado. Viro o copo.
Ainda quero voltar ao quarto de hotel perto da estação

para ouvir a noite toda os trens de carga entrando e partindo.



Split Milk

Two soluble aspirins spore in this glass, their mycelia
fruiting the water, which I twist into milkiness.
The whole world seems to slide into my drain by my window.

It has rained and rained since you left, the streets black
and muscled with water. Out of pain and exhaustion you came
into my mouth, covering my tongue with your good and bitter milk.

Now I find you have cashed that cheque. I imagine you
slipping the paper under steel and glass. I sit here in a circle
of lamplight, studying women of nine hundred years past.

My hand moves into darkness as I write, The adulterous woman
lost her nose and ears; the man was fined. I drain the glass.
I still want to return to that hotel room by the station

to hear all night the goods trains coming and leaving.


Sarah Maguire - tradução de Rob Packer

Inocência















Vou aqui como um anjo, e carregado
De crimes!
Com asas de poeta voa-se no céu…
De tudo me redimes,
Penitência
De ser artista!
Nada sei,
Nada valho,
Nada faço,
E abre-se em mim a força deste abraço
Que abarca o mundo!

Tudo amo, admiro e compreendo.
Sou como um sol fecundo
Que adoça e doira, tendo
Calor apenas.
Puro,
Divino
E humano como os outros meus irmãos,
Caminho nesta ingênua confiança
De criança
Que faz milagres a bater as mãos.


Miguel Torga

Entre os teus lábios

















Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.

Eugénio de Andrade

Cenário















Tudo é só, a montanha é só, o mar é só,
A lua ainda é mais só.
Se encontrares alguém
Ele está só também.

Que fazes a estas horas nesta rua?
Que solidão é a tua
Que te faz procurar
O cenário maior,
O de uma solidão maior que a tua?



Dante Milano

Sonata para ir à Lua













Desnudo já me dou de mim doendo
na doação das folhas da floresta
que vão caindo sem saber-se sendo
pedaços de nós na noite deserta

A lua imponderável vai ardendo
cúmplice em nossa luz de fogo e festa
Meus braços são dois galhos te dizendo
que o forte às vezes treme em sua aresta

Esta outra face frágil de aparência
que só aos puros é dado conhecer
no abraço da paixão e sua ardência

Mesmo cego de mim eu pude ver
e sentir no teu beijo a clara essência
que faz do nosso amor raro prazer


Aníbal Beça

Palavras, nem sempre as leva o vento














Manda o costume devolver o insulto
com outro insulto igual, senão melhor.
Não procedais assim, que é baixo e estulto.
Temeis o mal? Pois evitai o pior.

Cada palavra que dizeis de vulto,
como o som de um violino anda em redor,
depois de vos revoar no ser oculto,
por onde a ressonância a fez maior.

O violino, porém, não se recorda
do som que um dia lhe vibrou na corda,
e o vosso coração fica a fremir;

e, às vezes, a palavra, além, se esquece,
enquanto em vosso peito permanece,
como pedra que a um lago foi cair.


Amadeu Amaral - Publicado no livro Lâmpada antiga: versos (1924). Poema integrante da série Carta de Guia de Meus Filhos.
In: Poesias completas. São Paulo: HUCITEC: Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado, 1977. p.230. (Obras de Amadeu Amaral

Drumundana

Krzysztof Izdebski






















E agora Maria?

O amor acabou
a filha casou
o filho mudou
teu homem foi pra vida
que tudo cria
a fantasia
que você sonhou
apagou
à luz do dia.

E agora maria?
vai com as outras
vai viver
com a hipocondria.


Alice Ruiz

Espelho























Espelho, espelho meu:
diga a verdade,
quem sou eu?

Se às vezes me estilhaço,
se às vezes viro mil,
se quero mudar o mundo,
se quero mudar o rosto,
se tenho sempre na boca
um gosto de água e de céu,
se às vezes sou tão só
quando me viro do avesso,
se às vezes anoiteço
em plena luz do sol
ou então amanheço
com vontade de voar,

espelho, espelho meu:
diga a verdade,
quem sou seu?


Roseana Murray

Vela inclinada














Pende, rangendo, o longo mastro
que, do veleiro,
já ceifa a espuma enquanto o barco
singra ligeiro!

Quando é que mastro e vela avançam
mais – quase a voar
triunfantes? Quando eles se inclinam
mais rente ao mar!



Dőlt vitorla

Recseg, megdől a rúd, a hosszú
vitorlarúd,
kaszálja szinte a habot, míg
a bárka – fut!

Árboc s vitorla, nézd, előre
mikor repűl
leggyőztesebben? Amikor leg-
mélyebbre dűl!


Gyula Illyés - Tradução de Nelson Ascher

Resposta















Vi a comédia: ela deixou-me
grisalho de repente.
Os homens, todos gangsters; cada
mulher, uma demente.

Do estômago à cabeça, é um nojo
antigo que em mim arde.
Queres uma resposta? Vida,
começo a vomitar-te.

Válasz

Láttam a komédiát,
hajam beleőszült.
Minden férfi bandita,
minden asszony őrült.

Gyomrom, agyam tele van,
öreg undor éget.
Választ akarsz? Kezdelek
kiokádni, élet!


Lörinc Szabó - Tradução de Nelson Ascher

Feito um estranho arauto...

















Feito um estranho arauto que não sabe de notícia,
pois passara o verão no topo da montanha e quado,
à noite, as luzes da cidade embaixo se acendiam,
não as via maiores nem mais claras que as estrelas,

e, se ouvia um zumbido, especulava: carro? avião?
ou lancha no Danúbio vítreo? e se no vale ecoava
difuso um fragor surdo, deduzia que: trabalha o
pedreiro ou, na ribeira oposta, o mau vizinho testa

metralhadoras – dava-lhe na mesma! ele sabia
que a raça humana é tola, inquieta, estraga o que há de bom,
constrói durante séculos e, em rixas de criança,
destrói tudo de novo, o espólio amargo das quadrilhas

a instiga mais que o florescer da terra ou do que a chama
do amor e da razão cegando céu acima os deuses
sempre obstinados – ciente disso o arauto da montanha
se escondeu, longe das notícias; mas, se açoite em mão,

o vento chega embriagado, e, em fuga, o sol cruel
sorri lascivo enquanto deixa as frondes – ex-amantes
que, em dor suicida, empalidecem oscilando como
dançarina que, enferma, morre em meio à dança – o arauto

se ergue e, com seu cajado, desce aos vales populosos,
tangido da montanha por grandes notícias; quando
lhe perguntam, porém, quais são, só sabe: que é outono!
e alardeia o que todo mundo sabe: que é outono!

minhas notícias são assim – e como há mais nascentes
nos montes mais nevados, o meu velho coração
também transborda de palavras: que notícias trago
no entanto? e que me importam? ferve o mundo onde competem

dias com anos e estes com os séculos, agitam-se
doidos os povos: e daí? contemplo o outono apenas
e o sinto como os mansos animais e as plantas sábias,
sinto que a terra adentra áreas do céu mais apagadas,

que seu alento, como o dos amantes, enlanguesce –
ó santo Ritmo, grão ritmo do amor eterno, ritmo
dos anos e dos versos do Senhor – como é minúsculo
tudo de humano – eu ouço os passos tímidos do inverno,

já vem o tigre branco que se estende sobre os campos,
que range os dentes, morde, move os membros preguiçosos,
mancha a paisagem com seus pelos e, indo embora, embrenha-se
nas selvas olorosas de uma nova primavera.




Mint különös hirmondó…

Mint különös hírmondó, ki nem tud semmi ujságot
mert nyáron át messze a hegytetején ült s ha este
kigyultak a város lámpái alatta, nem látta őket
sem nagyobbnak, sem közelebbnek a csillagoknál

s ha berregést hallott, találgatta: autó? vagy repü-lőgép?
vagy motor a síma Dunán? s ha szórt dobogásokat hallott
tompán a völgyekben maradozva, gondolhatta, házat
vernek lenn kőmivesek, vagy a rossz szomszéd a folyón túl

gépfegyvert próbál – oly mindegy volt neki! tudta,
balga az emberi faj, nem nyughat, elrontja a jót is,
százakon át épít, s egy gyermeki civakodásért
ujra ledönt mindent; sürgősebb néki keserves

jussa a bandáknak, mint hogy kiviruljon a föld és
a konok isteneket vakítva lobogjon az égig
szellem és szerelem – jól tudta ezt a hegyi hírnök
s elbútt, messze a hírektől; de ha megjön a fütyös,

korbácsos korhely, a szél, s ha kegyetlen a távolodó nap
kéjes mosollyal nézi, hogy sápadnak érte öngyilkos
bánatban elhagyott szeretői, a lombok és ingnak,
mint beteg táncoslány aki holtan hull ki a táncból:

akkor a hírnök föláll, veszi botját, s megindul a népes
völgyek felé mint akit nagy hír kerget le hegyéről
és ha kérdik a hírt, nem bir mást mondani: ősz van!
nagy hírként kiáltja amit mindenki tud: ősz van!

úgy vagyok én is, nagy hír tudója: s mint bércet annál több
forrás feszíti, mennél több hó ül fején, öreg szívem
úgy feszűl a szavaktól; pedig mi hírt hozok én? mit
bánom a híreket én? forrong a világ, napok állnak

versenyt az évekkel, évek a századokkal, az őrült
népek nyugtalanok: mit számít? én csak az őszre
nézek, az őszt érzem, mint bölcs növények és jámbor
állatok, érzem, a föld hogy fordul az égnek aléltabb

tájaira, s lankad lélekzete, mint szeretőké –
óh szent Ritmus, örök szerelem nagy ritmusa, évek
ritmusa, Isten versének ritmusa – mily kicsi minden
emberi történés! a tél puha lépteit hallom,

jő a fehér tigris, majd elnyujtózik a tájon,
csattogtatja fogát, harap, aztán fölszedi lomha
tagjait s megy, hulló szőrétől foltos a rétség,
megy s eltűnik az új tavasz illatos dzsungelében.


Mihály Babits - Tradução de Nelson Ascher

Recordação de uma noite de verão

















Do alto do céu um anjo enraivecido
tocou o alarme para a terra triste.
Endoidaram cem jovens pelo menos,
caíram pelo menos cem estrelas,
pelo menos cem virgens se perderam:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Nossa velha colméia pegou fogo,
nosso potro melhor quebrou a pata,
os mortos, no meu sonho, estavam vivos
e Burkus, nosso cão fiel, sumiu,
nossa criada Mári, que era muda,
esganiçou de pronto uma canção:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Os ninguéns exultavam de ousadia,
os justos encolhiam-se e o ladrão,
mesmo o mais tímido, roubou então:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Sabíamos da imperfeição dos homens,
de suas grandes dívidas de amor:
mas era singular, ainda assim,
o fim de um mundo que chegava ao fim.
Jamais tão zombeteira esteve a lua
e nunca foi menor o ser humano
do que foi nessa tal noite em questão:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Perversamente em júbilo, a agonia
sobre todas as almas se abatia,
os homens imbuíram-se do fado
recôndito de cada antepassado
e, rumo a bodas de um horror sangrento,
seguia embriagado o pensamento,
o altivo servidor do ser humano,
este, por sua vez, mero aleijão:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Pensava então, pensava eu, todavia,
que um deus negligenciado voltaria
à vida para me levar à morte,
mas eis que vivo e ainda sou o mesmo
no qual me converteu aquela noite
e, à espera desse deus, recordo agora
uma só noite mais que aterradora
que fez um mundo inteiro soçobrar:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.


Emlékezés egy nyár-éjszakára

Az Égből dühödt angyal dobolt
Riadót a szomoru Földre,
Legalább száz ifjú bomolt,
Legalább száz csillag lehullott,
Legalább száz párta omolt:
Különös,
Különös nyár-éjszaka volt,
Kigyúladt öreg méhesünk,
Legszebb csikónk a lábát törte,
Álmomban élő volt a holt,
Jó kutyánk, Burkus, elveszett
S Mári szolgálónk, a néma,
Hirtelen hars nótákat dalolt:
Különös,
Különös nyár-éjszaka volt.
Csörtettek bátran a senkik
És meglapult az igaz ember
S a kényes rabló is rabolt:
Különös,
Különös nyár-éjszaka volt.
Tudtuk, hogy az ember esendő
S nagyon adós a szeretettel:
Hiába, mégis furcsa volt
Fordulása élt s volt világnak.
Csúfolódóbb sohse volt a Hold:
Sohse volt még kisebb az ember,
Mint azon az éjszaka volt:
Különös,
Különös nyár-éjszaka volt.
Az iszonyúság a lelkekre
Kaján örömmel ráhajolt,
Minden emberbe beköltözött
Minden ősének titkos sorsa,
Véres, szörnyű lakodalomba
Részegen indult a Gondolat,
Az Ember büszke legénye,
Ki, íme, senki béna volt:
Különös,
Különös nyár-éjszaka volt.
Azt hittem, akkor azt hittem,
Valamely elhanyagolt Isten
Életre kap s halálba visz
S, íme, mindmostanig itt élek
Akként, amaz éjszaka kivé tett
S Isten-várón emlékezem
Egy világot elsülyesztő
Rettenetes éjszakára:
Különös,
Különös nyár-éjszaka volt.


Endre Ady - Tradução de Nelson Ascher

Bodas no campo






















O contrabaixo grunhe: nota estranha,
na qual o sino roto se emaranha;
cães ladram para a lua e, à beira oposta
do lago, as gralhas grasnam em resposta.

O baixo grunhe, a moça vira esposa,
a vida aqui não é dúbia ou jocosa:
bebem o vinho, surram a parceira
e suam a manhã e a tarde inteira.

No inverno o mundo pára e o breu imenso
das longas noites baixa seu silêncio,
homens são ursos, dormem resmungando.
Os homens dentro e, fora, cães em bando.

O baixo grunhe, a lua murcha, o vinho
se acaba na garganta do padrinho,
o céu se acinza aos poucos e, defronte,
a Morte ceifa agora no horizonte.



Tápai lagzi

Brummog a bőgő, jaj, be furcsa hang,
Beléjekondul a repedt harang,
Kutyák vonítanak a holdra fel,
A túlsó parton varjúraj felel.

Brummog a bőgő, asszony lett a lány,
Az élet itt nem móka s nem talány,
A bort megisszák, asszonyt megverik
És izzadnak reggeltől estelig.

De télen, télen a világ megáll
És végtelen nagy esték csöndje vár,
Az ember medve, alszik és morog.
Benn emberek és künn komondorok.

Brummog a bőgő, elhervad a hold,
Fenékig issza a vőfély a bort,
Már szürkül lassan a ködös határ,
És a határban a Halál kaszál…


Gyula Juhász - Tradução Nelson Ascher

DESESPERANÇADAMENTE















O homem afinal alcança
Triste, plana, úmida areia,
Olha em torno pensativo e,
Prudente, só assente, nada espera.

Eu também tento olhar em torno
Assim, levemente, sem enganos.
Prateado sussurro de foice
Brinca entre as folhas dos álamos.

No galho do nada pousa meu coração,
Pequeno corpo mudo treme,
Cercando-lhe estrelas se chegam
E assistem, assistem mansamente.


REMÉNYTELENÜL

Az ember végül homokos
Szomorú, vizes síkra ér,
Szétnéz merengve és okos
Fejével biccent, nem remél.

Én is így probálok csalás
Nékul szétnézni könnyedén.
Ezüstös fejszesuhanás
Játzik a nyárfa levelén.

A semmi ágán ül szivem,
Kis teste hangtalan vacog,
Köréje gyűlnek szeliden
S nézik, nézik a csillagok.


József Attila - tradução de Chico Moreira Guedes

Soneto ao meu pai















Ei pai, quero tua voz a ditar-me o certo
num tom firme quando em meus deslizes.
Quero te olhar nos olhos, ouvir o que dizes,
guardar as lições no meu peito aberto.

Ei pai, todo bom caule tem boas raízes
plantio sem amor dá um fruto incerto.
Todo bom filho quer seu pai por perto
só abraçam o mundo os que são felizes.

Ei pai, tolere meus erros, não se zangue,
as mãos que punem também dão carinho,
no teu mapa do amor tem o meu caminho.

Ei pai, corre nas minhas veias o teu sangue.
Fiz-me do que és desde a concepção
dois corpos unidos num só coração!


João Dias Ferreira

A Ponte















Para cruzá-la ou não cruzá-la
eis a ponte

na outra margem alguém me espera
com um pêssego e um país

trago comigo oferendas desusadas
entre elas um guarda-chuva de umbigo de madeira
um livro com os pânicos em branco
e um violão que não sei abraçar

venho com as faces da insônia
os lenços do mar e das pazes
os tímidos cartazes da dor
as liturgias do beijo e da sombra

nunca trouxe tanta coisa
nunca vim com tão pouco

eis a ponte
para cruzá-la ou não cruzá-la
e eu vou cruzar
sem prevenções

na outra margem alguém me espera
com um pêssego e um país



EL PUENTE

Para cruzalo o para no cruzarlo
ahí está el puente

en la otra orilla alguien me espera
con un durazno y un país

traigo conmigo ofrendas desusadas
entre ellas un paraguas de ombligo de madera
un libro con los pánicos en blanco
y una guitarra que no sé abrazar

vengo con las mejillas del insomnio
los pañuelos del mar y de las paces
Ias tímidas pancartas del dolor
las liturgias del beso y de la sombra

nunca he traído tantas cosas
nunca he venido con tan poco

ahí esta el puente
para cruzarlo o para no cruzarlo
yolIo voy a cruzar
sin prevenciones

en la otra orilla alguien me espera
con un durazno y un país


Mario Benedetti - Tradução Antonio Miranda (De Preguntas al azar – 1984-1985)


Haicais
















e se no crepúsculo
o sol era memória
já não me lembro

as religiões
não salvam / são apenas
um contratempo

o pior do eco
é quando diz as mesmas
barbaridades

tem poucas coisas
tão ensurdecedoras
como o silêncio

durante o sono
os amantes são fiéis
como animais

passam as nuvens
e o céu fica limpo
de toda culpa

as plantas ouvem
se a gente elogia
se tingem de verde

em todo idílio
uma boca é beijada
a outra beija



si en el crepúsculo
el sol era memoria
ya no me acuerdo

las religiones
no salvan / son apenas
un contratiempo

lo peor del eco
es que dice las mismas
barbaridades

hay pocas cosas
tan ensordecedoras
como el silencio

durante el sueño
los amantes son fieles
como animales

pasan las nubes
y el cielo queda limpio
de toda culpa
las plantas oyen
si uno las lisonjea
se hinchan de verde

en todo idilio
una boca hay que besa
y otra es besada


Mario Benedetti - Tradução de Antonio Miranda

Negócios














tens que entender isso
tua mulher não é tua
o documento que certifica isso
é tão sinistro como o cinturão
de castidade ou a limpeza de sangue
do pasado
abra esse cabeção à luz
do entendimento
deixa de ronronar minha gravata
minha calça minha brilhantina
meu relógio de pulso minha mulher meu
gato meus libros meu pullover
deixa já de solfejar nessa nota
só: meu meu meu meu meu
nada é teu, nada te pertence
tudo é um empréstimo ambora não haja
devolução.
tua não é a unha de um mindinho (nem "teu"mindinho)
é um empréstimo. Respondes com ela.
Apressa-te no supermercado.
Ali cantam sereias de liquidações.
Liquidações. Sim, as nossas.
Compraste esse eletro-doméstico
que serve para nada.
Mas ouviste na televisão
que teu vizinho vai mugir de raiva
se tu primeiro o possuis.
Já ves, tem sua erótica, a coisa.
Temos que melhorar a tenda
que nos cederam para passar as
férias. Anunciam chuvas e tormentas.
Depois tens que voltar a esse colégio,
estudar o infiltrado. Inferno.



NEGOCIOS

esto tienes que entenderlo
tu mujer no es tuya
el documento que acredita eso
es tan siniestro como el cinturón
de castidad o la limpieza de sangre
del pasado
abre esa cabezota a la luz
del entendimiento
déjate de ronronear mi corbata
mi pantalón mi brillantina
mi reloj pulsera mi mujer mi
gato mis libros mi pullover
déjate ya de solfear en esa sola
nota: mi mi mi mi mi
nada es tuyo. nada le pertenece
todo es un préstamo aunque no haya
devolución
tuya no es la uña de tu meñique (ni "tu" meñique)
es un préstamo. La vida es un
crédito. Responde con ella.
Apúrate en el supermercado.
Allí cantan sirenas de liquidaciones.
Liquidaciones. Si, las nuestras.
Te compraste ese eletrodoméstico
que no te sirve para nada.
Pero oíste en la televisión
que tu vecino mugirá de rabia
si tú primero lo posees.
Ya ves, tiene su erótica, la cosa.
Tenemos que mejorar la tienda
que nos cedieron para pasar las
vacaciones. Anuncian lluvias y ventiscas.
Después hay que volver a ese colegio,
estudiar al topo. Inferno.


Washington Benavides - Tradução de Antonio Miranda

Consagração























Surgiu tua branca majestade no raso,
toda sonho e fulgor, na espessura;
e era em vez de minha mão — atenta ao caso
minha alma que oprimia tua cintura...

De procazes sulfatos, uma impura
fragrância conspirava ao nosso passo,
enquanto que propicio a tua aventura
encheu-se de amapolas o ocaso.

Pálida de inquietude e casto assombro,
tua frente declinou sobre meu ombro...
Unindo-me ao teu ser, com suave impulso,

ao final de meu especioso simulacro,
de um longo beijo te apurei convulso,
até as fezes, como um vinho sacro!


CONSAGRACIÓN

Surgió tu blanca majestad de raso,
toda sueño y fulgor, en la espesura;
y era en vez de mi mano — atenta al caso
mi alma quien oprimía tu cintura...

De procaces sulfatos, una impura
fragancia conspiraba a nuestro paso,
en tanto que propicio a tu aventura
llenóse de amapolas el ocaso.

Pálida de inquietud y casto asombro,
tu frente declinó sobre mi hombro...
Uniéndome a tu ser, con suave impulso,

al fin de mi especioso simulacro,
de un largo beso te apuré convulso,
¡hasta las heces, como un vino sacro!


Julio Herrera y Reissig - Tradução: Antonio Miranda

Amanhã
















Há um único lugar
onde ontem e hoje
se encontram
e se reconhecem
e se abraçam.

Esse lugar é amanhã.


Mañana

Hay un único lugar
donde ayer y hoy
se encuentranye 
se reconocen
y se abrazam.

Esse lugar es mañana.


Eduardo Galeano -  (Uruguai, 1940) - Tradução de Jeff Vasques

A Origem do Mundo















                      (El origen del mundo. Gustave Courbet)

Um sexo de mulher descoberto
(solitário olho de Deus que contempla-o por inteiro)
sem imutar-se)

perfeito em sua redondez
completo em sua esfericidade
impenetrável na mesmice de seu orifício
impossuível na espessura de sua púbis
intocável na turgência mórbida de seus seios
incomparável em sua faculdade de procriar

submetido desde sempre
(por impossuível, por inacessível)
a todas as metáforas
a todos os desejos
a todos os tormentoss

gera partenogeneticamente o mundo
que apenas necessita seu tremor



EL ORIGEN DEL MUNDO

                       (El origen del mundo. Gustave Courbet)

Un sexo de mujer descubierto
(solitário ojo de Dios que todo lo contempla
sin inmutarse)

perfecto en su redondez
completo en su esfericidad
impenetrable en la mismidad de su orifício
imposible en la espessura de su púbis
intocable en la turgéncia mórbida de sus senos
incomparable en su facultad de procriar

sometido desde siempre
(por imposeíble, por inaccesible)
a todas las metáforas
a todos los deseos
a todos los tormentos

genera partenogenéticamente al mundo
que sólo necessita su temblor.


(De Las musas inquietantes, 1999)


Cristina Peri Rossi - Tradução Antonio Miranda





Poema Aviônico do Término de Raid













Aterrizo com extrema força,
Os hangares em prontidão.
Cheiro de gasolina de carícia queimada.
E, em seguida, silenciador de beijos.

Ah, a áspera dinâmica
de querer-te em mecânica!

Loura maquinaria,
com tantos quilômetros de ação
dentro do território da ternura.

Viajo só.
“Águia solitária.”
sobre o mar de teus sentimentos.
Desejos de aquatizar…
mas estas rodas!

A imantação de teus desejos
torce os lemes de profundidade.

Vôo tão rasante
que necessito mais de rodas
que de asas.


POEMA AVIóNICO DEL TÉRMINO DE RAID

Aterrizo con demasiada fuerza.
Hay premura en los hangares.
Olor a nafta de caricia quemada.
Y, en seguida, silenciador de besos.

¡Ah, la dinámica áspera
de quererte en mecánica!

Maquinita rubia,
con tantos kilómetros de acción
dentro del territorio de la ternura.

Viajo solo.
«Águila solitaria»
sobre el mar de tus sentimientos.
Deseos de acuatizar…
¡pero estas ruedas!

La imantación de tus deseos
vuelca los timones de profundida,

Vuelo tan bajo
que necesito más las ruedas
que las alas.

Alfredo Mario Ferreiro - Traduções de Antonio Miranda









Os corpos nos anos, isso faz curiosas as minhas mãos
à procura de idades diferentes
quero tocá-los todos, os outros
com seus mundos de pele.
Só a pele responde à demanda do tempo.
O corpo sabe de casas não minhas
nas quais entra-se com educação
tirando os sapatos;
horas e horas numa cama acariciando
as costas, muros de vértebras
e a coluna é uma rodovia
dos teus anos de ontem
dos quais não participei.

Mas te viras no escuro e nos olhamos
tenho então um nome,
eu sou o hoje imortal.

**********************


I corpi negli anni, questo fa curiose le mie mani
alla ricerca di età diverse
voglio toccarli tutti, gli altri
con i loro mondi di pelle.
Solo la pelle risponde alla domanda sul tempo
Il corpo sa di case non mie
dove si entra con educazione
togliendosi le scarpe;
ore ed ore in un letto a carezzarsi
le schiene, muri di vertebre
e la colonna è un’autostrada
dei tuoi anni di ieri
a cui non ho partecipato.

Ma se ti volti nel buio e ci guardiamo
allora ho un nome,
io sono l’oggi immortale.

Maddalena Lotter - tradução de Francesca Cricelli

O céu


       















                 Sei que ἁρμονία significa também coligação,
                 conexão, união. “Enquanto restarem unidos
                 os troncos da jangada,/estarei aqui, resistirei…”
                                                                (Odisseia, V, 361-362)
As nozes abertas sobre a mesa
são todavia som
– o movimento brilhante dos olhos
da porta à mesa:
o labor, o peso que não existe,
a ânsia ligeira pelas pessoas –
como se a beleza não tivesse uma origem.
Estas nozes fizeram rumor,
me tiram os pensamentos
(nascem e são já de todos,
todos os pensamentos…),
me reclamam ao corpo,
àquele que digo sabor
(as ideias são sempre sem corpo,
são parte de todos?),
me mantêm a contar os restos,
a colecioná-los sobre a mesa (e os meus
pensamentos, a quem fizeram feliz?).
As cascas partidas pertencem a estas mãos,
ao côncavo, às linhas das palmas,
pontas de sementes – nasce uma vida
ao instante dentro destas mãos.
Não ter pensamentos.
///
Apenas sobre as notícias eu sei nomes e pessoas
como era o labirinto dos vidros, no parque, dos espelhos
até batendo encontravas a saída.
Porque não tenho a saída agora –
se chama rede,
talha um quadrado exato
e um lugar que é onipresente.
Ou sou o branco de fundo
no corredor de espelhos,
inciso de diagonais e metálico
na terra, estreito entorno ao corpo
com os neons que faziam indistintos
a pele e o ar como uma sombra transparente
que segue a cada um, mas ao voltar-se não está.
E ali a peça de velha moeda,
o círculo de bronze com o golfinho
era caído à terra
quando estávamos vizinhos à saída,
e para não perdê-la a tenhamos abandonado.
Ali, exatamente, acreditei
em uma língua para todos
idêntica ao ar nos espelhos,
do inventor do labirinto às nossas mãos suadas
que protegiam a fronte:
erro ou desvio,
mas era solidez
bater a fronte às vezes
antes de chegar.
E à saída do parque o mestre dos crepes,
o pedrisco no círculo como a plataforma escura
onde atiras e pegas
e perdes, e depois os sapatos de ginástica
sobre o pedrisco e o mês certo
novembro – sempre um rito
enquanto o tempo agora é filiforme
e os sentimentos certos que todos possam capitar
e ver tão só na infinita
rede – ou, às vezes, em equilíbrio,
alguém que devolve a moeda.
///
Têm passado dias como vozes,
as vozes úteis pelo ar quando se enche.
Têm passado dias demasiado meus
aos quais falo curto circuito.
E os teus – aqueles de-
le, do outro, do outro,
outras vozes
eu deles, deles
de mim e ninguém
de ninguém.
Me apareciam rostos de mulher
no mármore da fachada,
plenos da luz de dezembro
e muito ligeiros para perceber
se jovens ou velhos, criaturas
inaturais ou animais.
Apareciam as geometrias,
as ficções, e todos os habitantes,
deslizando vizinhos, secretos,
rachados pelo sol deslizando
de boca em boca de corpo em corpo,
se uniam às pessoas reais,
me faziam uma figura.
Contar é o único,
reconhecer na luz exata
as vozes que não parecem reais,
que desejas transparentes,
inocentes ou simples –
e te fazem muito mais única
do que uma pessoa só.
///
Um interior – a pressão d’água
nos tubos, a luz da lâmpada
matizada, o respiro,
o mastigar objetos… é nutrir-se
de pouco, pensar grades de metal
com que suspender as substâncias da natureza,
recriar.
Logo, exterior – passas como um nada,
se para o carro, o vento, a mosca
exausta entre os quadrantes das casas,
o fio de erva seco pelo gelo,
todavia passam – como um eu multiplicado.
Até quando, me dirás me dirás,
saberemos que protegidos ou expostos
é a mesma coisa?
Me dirás as criaturas inconscientes
não existem, e escava escava
cada um se encontra.
No fundo é
a base da erva,
o contato entre a estrada e a terra,
o fragor de ultra sons entre as asas e o ar,
as dobras entre parede e parede,
o halo nesses copos do respiro
e a sombra que degrada.
Tudo é
real nas escalas múltiplas
como as frases que levam adiante
adiante a compreender, o gesto
em que vasculhas para ver o fundo.
Interior cheio de nada,
a luz gris azulada que chega
é manhã e tarde
e as coisas espoliadas da sombra
um segundo te veem como tu as vês.
///
O vidro é todo inverno,
as árvores se apoiam,
um quadro é já parede,
a célula outra célula:
talvez pudessem continuar
com os sentimentos raptados
como as gotas que chamam luz,
pudessem ignorar.
Memória – cada um reconhece
ainda que fingindo.
Passam as cores do inverno
fora da janela como se os quereres
fossem estátuas dentro do céu
escondidas à natureza.
Se sentem mais do querer
fortes com a água nova –
assim dizem as plantas
sobre as quais volta o inverno mil vezes –
é raro ser anônimos e nós,
a escavar o inverno,
a murar os confins,
outros nós misturados às árvores –
parecem árvores e são
nós?
Prefiro o fim dos insetos
assim crus em espirais de lenho,
morrer de ar seco
quando o vento é muito forte:
a minha alma é morta mil vezes
e volta, privilégio
que apaga e inunda.
Provo outra vez fixá-la
no instante que, anônima, se apoia
na natureza sem provas, e crê
que nada exista.
///
Terminarão, terminarão –
tenho pensado nestes momentos,
a suspensão, a verdade
para todos – estes segundos
nutrientes como o leite.
Logo aprendia a me levantar e abaixar
conforme os casos, os poucos
que se podem observar. E os casos
tornavam-se meus, os meus humores
tornavam-se casos.
Mas o melro segue o curso dos ramos,
é uma realidade pintada
que se move sem medo
até quando não sinto que é real
mais do que eu – as penas negras
que brilham entre os ramos para dizer-me
a perfeição é fora.
Agora torna a morte como o céu
sobre todas as coisas transformadas –
eis que o céu tem todas as cores,
as apaga no alto, as perde,
as faz novas, o céu
muda a cada dia – e o mundo
resiste só em paralelo.
///
O céu é branco entre as folhas
que saem da terra a um ponto de ar.
Distingues as cores, as hierarquias,
as recém-nascidas, as sempreverdes
folhas de magnólia contra a luz
que escondem um mundo
latente como o nosso.
Sai o vazio imprevisto,
olhando do tronco à ponta das ramas
o céu no meio
como pudesses bebê-lo. Qualquer coisa
assim lógica e justa –
as hierarquias mais humanas não se fazem
de água e luz, crescem
à vontade necessária,
se alteram sob o querer de poucos.
Repetir isto e deixá-lo
passar da indiferença ao vento,
que o tenha consigo em um momento
entre os meus olhos e a magnólia.



Il cielo

                        So che ἁρμονία significa anche collegamento,
                        connessione, unione. «Finchè restano uniti
                        i tronchi della zattera, / starò qui, resisterò…»
                                                         (Odissea, V, 361-362)


Le noci aperte sul tavolo
sono ancora suono
– il movimento brillante degli occhi
dalla porta al tavolo:
il lavoro, il peso che non esiste,
le ansie leggere per le persone –
come se la bellezza non avesse un’origine.
Queste noci hanno fatto rumore,
mi tolgono i pensieri
(nascono e sono già di tutti,
tutti i pensieri…),
mi richiamano al corpo,
a quello che dico sapore
(le idee sono sempre senza corpo,
sono parte di tutti?),
mi trattengono a contare i resti,
a radunarli sul tavolo (e i miei
pensieri chi hanno reso felice?).
I gusci spaccati appartengono a queste mani,
nell’incavo, nelle linee dei palmi,
punte di semi – nasce una vita
all’istante dentro queste mani.
Non avere pensieri.
///
Appena sopra le notizie io so nomi e persone
come era il labirinto dei vetri, al parco, degli specchi
finché sbattendo trovavi l’uscita.
Perché non ho l’uscita adesso –
si chiama rete,
taglia un quadrato esatto
e un luogo che è ovunque.
O sono il bianco in fondo
al corridoio degli specchi,
inciso di diagonali e metallico
a terra, stretto intorno al corpo
con i neon che facevano indistinti
la pelle e l’aria come un’ombra trasparente
che segue ognuno, ma a voltarsi non c’è.
E lì il pezzo di vecchia moneta,
il cerchio di bronzo con il delfino
era caduto a terra
quando siamo stati vicini all’uscita,
e per non perderla l’abbiamo lasciato.
Lì, esattamente ho creduto
a una lingua per tutti
identica dall’aria agli specchi,
dall’inventore del labirinto alle nostre mani sudate
che proteggevano la fronte:
errore o deviazione,
ma era solidità
sbattere la fronte a volte
prima di arrivare.
E all’uscita del parco il maestro delle crêpes,
la breccia in cerchio come la piattaforma scura
dove tiri e peschi
e perdi, e poi le scarpe da ginnastica
sulla breccia e il mese certo
novembre – sempre un rito
mentre il tempo adesso è filiforme
e i sentimenti certi che tutti possono capire
e vedere nella sola infinita
rete – o, a volte, in equilibrio,
qualcuno che riporta la moneta.
///
Sono passati giorni come voci,
le voci utili all’aria quando si riempie.
Sono passati giorni troppo miei
a cui parlo cortocircuito.
E i tuoi – quelli di
lui, dell’altro, dell’altro,
altre voci
io di loro, loro
di me e nessuno
di nessuno.
Mi apparivano volti di donna
sul marmo della facciata,
pieni della luce di dicembre
e troppo leggeri per capire
se giovani o vecchi, creature
innaturali o animali.
Apparivano le geometrie,
le finzioni, e tutti gli abitanti,
scivolando vicine, segrete,
spaccate dal sole scivolando
di bocca in bocca di corpo in corpo,
si univano alle persone vere,
mi facevano una figura.
Contare è l’unico,
riconoscerle nella luce esatta
le voci che non sembrano vere,
che desideri trasparenti,
innocenti o semplici –
e ti fanno molto più unica
di una persona sola.
///
Un interno – la pressione dell’acqua
sui tubi, la luce della lampada
sfumata, il respiro,
il masticare oggetti… è nutrirsi
di poco, pensare griglie di metallo
a cui appendere le sostanze della natura,
ricreare.
Poi, esterno – passi come un niente,
si ferma l’auto, il vento, la mosca
sfinita tra i quadranti delle case,
il filo d’erba seccato dal gelo,
ancora passano – come un io moltiplicato.
Fino a quando, mi dirai mi dirai,
sapremo che protetti o esposti
è la stessa cosa?
Mi dirai le creature inconsapevoli
non esistono, e scava scava
ognuno si trova.
In fondo è
la base dell’erba,
il contatto tra la strada e la terra,
il fragore a ultrasuoni tra le ali e l’aria,
le pieghe tra parete e parete,
l’alone del respiro sul bicchiere
e l’ombra che degrada.
Tutto è
vero nelle scale multiple
come le frasi che portano avanti
avanti a capire, il gesto
in cui frughi per vedere il fondo.
Interno pieno di niente,
la luce grigioazzurra che arriva
è mattino e sera
e le cose spogliate dall’ombra
un secondo ti vedono come tu le vedi.
///
Il vetro è tutto inverno,
gli alberi si appoggiano,
un quadro è già parete,
la cellula altra cellula:
forse potrebbero continuare
con i sentimenti rapiti
come le gocce che chiamano la luce,
potrebbero ignorare.
Memoria – ognuno riconosce
anche fingendo.
Passano i colori dell’inverno
fuori dalla finestra come se i bisogni
fossero statue dentro al cielo
nascoste alla natura.
Si sentono più del bisogno
forti con l’acqua nuova –
così dicono le piante
su cui torna l’inverno mille volte –
è raro essere anonimi e noi,
a scavare l’inverno,
a murare i confini,
altri noi misti agli alberi –
sembrano alberi e sono
noi?
Preferisco la fine degli insetti
così crudi in spiragli di legno,
morire d’aria secca
quando il vento è troppo forte:
la mia anima è morta mille volte
e tornata, privilegio
che spegne e inonda.
Provo ancora a fissarla
nell’istante che, anonima, si appoggia
alla natura senza prova, e crede
che niente esista.
///
Finiranno, finiranno –
ho pensato a questi momenti,
la sospensione, la verità
per tutti – questi secondi
nutrienti come il latte.
Poi imparavo ad alzarmi e abbassarmi
come i casi, i pochi
che si possono guardare. E i casi
diventavano miei, i miei umori
diventavano casi.
Ma il merlo segue il corso dei rami,
è una realtà dipinta
che si muove senza paura
fino a quando non sento che è vero
più di me – le penne nere
che brillano tra i rami per dirmi
la perfezione è fuori.
Allora torna la morte come il cielo
su tutte le cose trasformate –
ecco che il cielo ha tutti i colori,
li spinge in alto, li perde,
li fa nuovi, il cielo
cambia ogni giorno – e il mondo
resiste solo in parallelo.
///
Il cielo è bianco tra le foglie
che salgono da terra a un punto d’aria.
Distingui i colori, le gerarchie,
le nuove nate, le sempreverdi
foglie di magnolia controluce
che nascondono un mondo
latente come il nostro.
Sale il vuoto improvviso,
guardando dal tronco alla punta dei rami
il cielo in mezzo
come potessi berlo. Qualcosa
così logico e giusto –
le gerarchie più umane non si fanno
di acqua e luce, crescono
a volontà necessarie,
si alterano sui bisogni di pochi.
Ripetere questo e lasciarlo
passare dall’indifferenza al vento,
che lo tenga con sé in un momento
tra i miei occhi e la magnolia.


Maria Borio - Tradução de Davi Araújo

O Tempo seca o Amor

O tempo seca a beleza, seca o amor, seca as palavras. Deixa tudo solto, leve, desunido para sempre como as areias nas águas. O tempo seca a ...

Nos últimos 30 dias.