Um friozinho faz cócegas na nuca,
é impossível ver de imediato:
também a mim me corta o tempo como
a ti se desgasta e camba o salto.

A si mesma se vence a vida, o som
derrete pouco a pouco, falta sempre
qualquer coisa, até falta o tempo
para ter qualquer coisa que se lembre.

Dantes era melhor, é bem verdade;
esse velho sussurrar de outrora
em nada se pode comparar,
ó sangue, ao teu sussurrar de agora.

Pelos vistos não é gratuito
este leve mexer dos lábios,
e abanam, mexem-se os ramos
que condenaram a ser cortados.


1922



Холодок щекочет темя,
И нельзя признаться вдруг,-
И меня срезает время,
Как скосило твой каблук.

Жизнь себя перемогает,
Понемногу тает звук,
Всё чего-то не хватает,
Что-то вспомнить недосуг.

А ведь раньше лучше было,
И, пожалуй, не сравнишь,
Как ты прежде шелестила,
Кровь, как нынче шелестишь.

Видно, даром не проходит
Шевеленье этих губ,
И вершина колобродит,
Обреченная на сруб.


1922

Óssip Mandelstam, Fogo Errante, [seleção, comentários e notas Nina Guerra e Filipe Guerra], Relógio d’Água, 2001, p. 30-31.

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